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Eu e o paquiderme
Eu e o paquiderme
Ieda Beltrão

Resumo:
Uma mulher, um homem, uma vida, uma lição...

Um elefante era a melhor descrição para o homem gorducho e simpático que caminhava vagarosamente pelo acostamento da estrada. Parecia sentir muito calor, pois transpirava sem parar. Fiquei olhando curiosa aquela figura rosada e de certa forma bela, já que possuía a expressão doce, peculiar aos paquidermes. Ele pareceu ler meus pensamentos, porque olhou em minha direção e sorriu um sorriso aberto e franco. Resolvi acompanhar o pesado senhor, estávamos na mesma situação. Caminhando no asfalto, ele para emagrecer, eu para aliviar os pensamentos, nada melhor que o ar puro.
Seguimos conversando como velhos amigos. Era engraçado aquele homem de aparência enorme e palavras tão doces. Disse que adorava doces, principalmente chocolates e ao dizer isso puxou do bolso um tablete de Nestlé. Agradeci, e ele seguiu comendo com vontade. O vento soprava gostoso naquele horário da tarde, era ideal para passear. Eu já nem sentia o tempo passar, estava curiosa demais sobre a estranha figura comedora de chocolate. Parecia tão despreocupado, feliz até. Olhei para a camiseta branca com a estampa de uma moça muito bonita a sorrir, aliás, o mesmo sorriso do paquiderme. Quando pensei em perguntar sobre a moça, ele, com voz calma, falou que era sua filha. Eu prontamente queria ser simpática, perguntei onde estava, o que fazia? Curiosidades. Ele de imediato respondeu: ‘Prostituta, essa é sua profissão’. Juro por Deus tive vontade de ser um Papa-Léguas e sumir estrada afora. Ele ria do meu “vermelhão” e eu ficava cada vez mais sem jeito. Prostituta, disse ele, com uma naturalidade de dar inveja. Bruna era o nome da moça, tinha 25 anos, e também gostava de chocolate. Era uma moça fina, educada, de bons sentimentos. Cuidava da irmã doente, da mãe estressada e louca por conforto, estudava psicologia, tinha amigos, era solidária, sincera. Mas tinha uma marca: prostituta, e isso ninguém perdoaria. Poderia até morrer falando dos estupradores de crianças, dos políticos corruptos, dos assassinos, das madames-podres-que-se-escondem-atrás-do-poder-para-fazer-coisas-do-tipo-sadomazoquista, dos mentirosos, dos golpistas... Nada disso importaria, ela a Bruna, era uma prostituta, uma marginal, uma fora da sociedade.
O ar ainda estava puro e eu continuava ao lado do homem rosado, o pai de uma prostituta. Nada havia mudado nele, mas em mim sim, pois eu insistia em achar que o homem tinha de ser diferente. Afinal era o pai de uma ‘mulher da vida’. Ele continuava a andar devagar, disse que havia sofrido dois enfartes, que estava vivo graças à Bruna, que não deixou de estar a seu lado um minuto sequer. Olhei aquele rosto rechonchudo, que falava com orgulho da filha. Mas ela era uma prostituta e todos dizem que não merecem respeito, são indignas, nojentas, pervertidas...
Um carro branco estacionou a nosso lado, era Bruna, que viera buscar o pai. Fiquei a olhar a moça. Era igual a todas as criaturas, bela, sorria alegre para o bom paquiderme.
Ele, antes de entrar no carro disse com seu jeito manso: ‘Se todas as pessoas fossem como minha filha prostituta, o mundo seria mais justo’. Segui minha caminhada comendo um pedaço de chocolate e rindo de meus próprios julgamentos.


Biografia:
Ieda Beltrão - Jornalista Crônicas que falam do dia-a-dia. Emoções, medos, sentimentos extremos, dores,sorrisos, ternura, serenidade...eu...
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