Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Como construir leitores capazes de autoria?
Carlos Rogério Lima da Mota

Resumo:
Desenvolver as competências leitoras e escritoras nos alunos é algo extremamente complexo, pelo fato dos alunos estarem rotulados a um esquema arcaico, baseado na leitura de textos previamente selecionados pelo professor e na resposta automática de um elenco de indagações apresentadas no livro didático...A escola moderna tem de quebrar este arquético, só dessa forma construirá cidadãos conscientes, capazes de trasnformar o meio em que vivem.

Desenvolver as competências leitoras e escritoras nos alunos é algo extremamente complexo, pelo fato dos alunos estarem rotulados a um esquema arcaico, baseado na leitura de textos previamente selecionados pelo professor e na resposta automática de um elenco de indagações apresentadas no livro didático, cujas respostas também seguem uma estrutura de raciocínio padrão, estável, literalmente ancorada na ignorância daqueles que compreendem o ensino apenas como um jogo de signos móveis que servem apenas como facilitares da transmissão de um conhecimento pronto, incapaz de se alternar no tempo e na história e de ganhar algum sentido no imaginário do educando.

Assim, a escola moderna precisa quebrar urgentemente estas amarras e facilitar a introdução de mecanismos pedagógicos que garantam ao aluno a possibilidade de se ler um texto e dele extrair significados variados - não apenas o do professor e do sistema dominante, para que a partir destas leituras, ele seja capaz de moldar os próprios argumentos, tornando-os críticos e necessariamente responsáveis, como almeja a sociedade atual. Aliás, um texto, como um desses quebra-cabeças, só ganha algum sentido no imaginário do estudante se for capaz de ativar os conhecimentos prévios essenciais para relacionar o que se lê com a realidade de quem lê. Se não puder ser decodificado pelo aluno-leitor como obra de valia cultural, o mesmo cairá em desuso, sendo relegado aos fundos de um baú qualquer.

O efeito que se espera de um texto é que ele desperte na criança o desejo pela leitura, e que esta mesma leitura ative outras habilidades que instiguem o senso crítico e a percepção de que o mundo não se resume apenas ao posicionamento unilateral – no caso, a do professor, mas ao multilateral, comumente alicerçado pelos formadores de opinião que margeiam a sociedade.

E seguindo este roteiro, o Colégio Espaço Verde Rousseau, no município de Cotia, na grande São Paulo, criou o projeto "Livro coletivo", cujo mote foi a criação e a manutenção (esperava-se estável) de uma mesma trama pelos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental. Aliás, este projeto hoje é visto como um TCC para aqueles que pretendem alçar voos ao Ensino Médio.

Coube ao professor da sala (este missivista) sortear o nome de cada aluno no início do ano, dando aos escolhidos a responsabilidade de continuar a trama iniciada pelo primeiro sorteado. A cada semana, seguindo um esquema rígido de produção, um estudante lia o que o outro amigo escrevia e dava sequência à ideia original, expondo em seu capítulo o próprio ponto de vista das personagens concebidas pelos "autores" anteriores. O trabalho envolveu a habilidade da leitura, porque uma mesma personagem poderia ganhar significados e posicionamentos psicológicos flexíveis, uma vez que manuseada por mãos alheias, dançaria conforme o leitor e o lugar social por onde circularia. Foi o que aconteceu no livro de 2011, "Surpresas da Vida", quando a personagem Laila, prevista na sinopse da aluna Raissa como pura, ingênua, ganhou status de antagonista a partir da leitura nada ingênua do aluno Matheus (capítulo 6), que a ela conferiu as qualidades primordiais de seres de caráter dúbio; suas andanças pelas tramas secundárias garantiam ao enredo um quê da Capitu de Machado de Assis, afinal, em momentos previsíveis, ela era dissimulada, e quando dela se esperava um rasteira capaz de aniquilar um arqui-inimigo, mostrava-se uma pobre vítima da sociedade.

O livro teve 20 capítulos, foi iniciado em março do ano passado e finalizado no último dia de novembro. Durante esse tempo, o mesmo foi palco de amplas discussões nas aulas de redação, quando o professor recebia o texto do aluno da semana e o lia à classe, sem expor qualquer opinião – uma maneira de evitar que o objeto em estudo deixasse de ser uma obra discente.

E o interessante foi que a cada capítulo, os olhos dos ouvintes cresciam, espantados com as novas sequências estabelecidas pela trama, como a morte repentina de uma personagem coadjuvante que, após mudar de mãos (olhe de novo o efeito-autoria), ganhou o status de protagonista que pertencia à Laila, passando a um perfeito mote para a conclusão da obra. Com o livro em mãos, os alunos deixavam a passividade da leitura para se transformarem em criadores de uma trama que parecia, a cada capítulo, pertencer ao gênero policial. Cada um que exercia a função de demiurgo acrescentava uma nova dúvida acerca da sinceridade da protagonista, de modo que ela era manipuladora no capítulo 7, assassina no capítulo 10, vítima no capítulo 12 e uma mulher castigada pela vida no epílogo.

O professor, durante todo o projeto, jamais abandonou o papel de mediador da construção textual, um facilitador de ideias, a quem os alunos desabafavam suas incertezas e seus medos, antes e depois da criação de cada capítulo. O importante era instigar no aluno o interesse pela leitura, ao ponto dele ouvir uma obra, acompanhá-la capítulo por capítulo, todas as semanas, intervindo apenas quando chegasse sua vez, momento que poria em prática sua autoria, algo legítimo e tão aguardado. Ressalta-se que o aluno tinha liberdade irrestrita para alterar e mesmo acrescentar situações que fossem suficientemente eficazes para a continuação da história. O engraçado era que, apesar de ser um livro coletivo e a autoria perpassar por 20 mãos, a linearidade chegava a impressionar, como se a história fosse projeto apenas de um único estudante. Apenas parecia, porque de alguma forma todos se sentiam donos daquela "coisa", aliás, ninguém abria a mão de opinar sobre o futuro da trama, de encontrar um viés que fugisse ao clichê e garantisse a cada capítulo uma surpresa.

Esse poder de criar, de ser o mestre-mor do próprio destino, de poder alterar o que achava insignificante e de acrescer sentimentos e situações dúbias quanto aos rumos da própria história fazia com que cada estudante vivenciasse na prática a função-autor, aquele em que um leitor passa a construir o um universo a seu modo, moldado de acordo com o lugar em que vive, completamente conectado à realidade - pelo menos à sua realidade. A impressão era a de que cada capítulo era um filho gerado, alguém concebido após muito esforço, e que encontraria um significado amplo no tempo e no espaço quando anexado aos outros capítulos.

Para escolher o título da obra, novamente recorreu-se ao rito democrático. Cada estudante sugeriu um nome, que fora escrito pelo professor na lousa. Em seguida, por votação, o título vencedor seria agraciado com a capa da obra. Mas não bastava, era preciso mais alguma coisa, o livro havia despertado neles a vontade de ler, de ver o mundo por muitas possibilidades e o interesse de fazer parte do futuro como agentes transformadores, não como meros espectadores de fenômenos plurais. No ritual democrático, todo tipo de sugestão é bem-vinda, como foi a de dar imagem (outra importante semiose) a algumas personagens da trama, para que o leitor-final compreendesse os nós e clímax expostos no original. Duas personagens do núcleo secundário ganharam representação e estão dispostas no meio do livro. Optaram por não desenhar a protagonista, que deveria ganhar forma singular no imaginário do leitor – algo que o levaria à conclusão da leitura pela plena curiosidade de conhecer o final daquela divina mulher, em cujo coração alternavam a bondade e a maldade, num ciclo estonteante.

Enviado à editora para análise, o livro ganhou capa de verdade, páginas de verdade e um estilo todo próprio. Como não havia sido concebido para a venda, o mesmo teve tiragem de 100 cópias, que foram entregues aos pais na noite de autógrafos, quando cada estudante pôde dizer quão bom é escrever e quão interessante é navegar pelas letras, conceber-lhes significados distintos, compartilhar de uma ideia e aperfeiçoá-la ao longo do tempo, como se ela partisse das mãos de um único criador.

Está aí o segredo para se despertar no aluno o interesse pelo efeito-leitor e pela função-autor. Quando a escola pública perceber que ela é muito mais que uma imagem sóbria no imaginário de seu aluno e que é capaz de construir valores além dos apregoados nas cartilhas oficiais com projetos que entreguem aos estudantes a responsabilidade por algo que eles jamais imaginariam – escrever um livro, por exemplo, certamente o que aconteceu neste Colégio será apenas um fato corriqueiro no emaranhado de notícias que concorre pela atenção diária de um leitor ávido por leituras de todo tipo.


Biografia:
Formado em Letras e em Educomunicação. Casado, 34 anos, 3 filhos. Colaborador de diversos órgãos midiáticos, sendo eles: YesMarília - (www.yesmarilia.com.br), parceiro da Globo.Com na cidade de Marília, interior de São Paulo, Jornal da Manhã de Marília e Revista Eletrônica Alô Ibiúna, de Ibiúna/SP. Pertence ao quadro de autores da Editora Virtual Usina de Letras (www.contosjuvenis.cjb.net), mantido pelo Sindicato de Escritores de Brasília, que conta, até o momento, com mais de 99 obras publicadas de sua autoria, em sua maioria, artigos e contos de suspense. Seu sonho é ser apenas FELIZ em vida, afinal, que autor consegue ser feliz ao ser incomodado o tempo todo por sua visão perspicaz e sensível de um mundo já torpe feito o atual? * Sites para os quais escreve: http://recantodasletras.uol.com.br/autores/carlosmota http://twitter.com/autorcarlosmota http://www.artigonal.com/find-articles.php?q=carlos+rogerio+lima+da+mota www.brasilwiki.com.br www.etextos.com.br www.contosjuvenis.cjb.net http://carlosmota.dihitt.com.br/ www.autores.com.br/carlosmota http://www.jornaldamanhamarilia.com.br/site/ver_noticia.aspx?CodNoticia=8298 http://www.diariodesorocaba.com.br/noticias/not.php?id=21168 http://www.talentos.wiki.br/post.php?id=14206 http://autorcarlosmota.blogs.sapo.pt http://contosjuvenis.weblog.com.pt/ http://literaturaperiferica.ning.com/profile/carlosmota
Número de vezes que este texto foi lido: 52880


Outros títulos do mesmo autor

Contos Redenção Carlos Rogério Lima da Mota
Crônicas Deus não existe! Carlos Rogério Lima da Mota
Crônicas Às moscas Carlos Rogério Lima da Mota
Artigos Como construir leitores capazes de autoria? Carlos Rogério Lima da Mota
Artigos A telenovela retrata o cotidiano Carlos Rogério Lima da Mota
Artigos Colunista social português assassinado por suposto namorado Carlos Rogério Lima da Mota
Artigos PORTUGAL À BEIRA DA BANCARROTA Carlos Rogério Lima da Mota
Artigos AS ARMADILHAS DA LÍNGUA PORTUGUESA EUROPEIA Carlos Rogério Lima da Mota
Artigos Alunos de escola de Cotia lançam livro coletivo Carlos Rogério Lima da Mota
Romance "OBSESSÃO..." - CAPÍTULO II Carlos Rogério Lima da Mota

Páginas: Próxima Última

Publicações de número 1 até 10 de um total de 21.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
JASMIM - evandro baptista de araujo 68967 Visitas
ANOITECIMENTOS - Edmir Carvalho 57889 Visitas
Contraportada de la novela Obscuro sueño de Jesús - udonge 56704 Visitas
Camden: O Avivamento Que Mudou O Movimento Evangélico - Eliel dos santos silva 55780 Visitas
URBE - Darwin Ferraretto 55014 Visitas
Entrevista com Larissa Gomes – autora de Cidadolls - Caliel Alves dos Santos 54885 Visitas
Sobrenatural: A Vida de William Branham - Owen Jorgensen 54826 Visitas
Caçando demónios por aí - Caliel Alves dos Santos 54785 Visitas
O TEMPO QUE MOVE A ALMA - Leonardo de Souza Dutra 54706 Visitas
ENCONTRO DE ALMAS GENTIS - Eliana da Silva 54687 Visitas

Páginas: Próxima Última