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A África sob os holofotes do etnocentrismo cinematográfico
ANDRÉIA T. COUTO

Revista Griffe - ano 5 nº 24

O cinema sempre teve no continente africano um de seus grandes temas fílmicos. Iniciado ainda na era dos filmes em preto e branco, um dos grandes sucessos de Hollywood que marcou época foi Tarzan. O mistério, o exótico, a selva impenetrável – tudo o que o espectador podia encontrar nas aventuras do homem macaco pendurando-se vertiginosamente em estratégicos cipós. As refilmagens, continuações e novos Tarzans atravessaram as décadas.
O tempo passou, o cinema se modernizou e o foco sobre a África ganhou outras dimensões: as aventuras romantizadas perpetradas por Johnny Weissmuller foram substituídas por cenários de guerra, fome, corrupção, epidemias, campos de refugiados, tráfico e toda a sorte de problemas que se pudesse listar. A África, um verdadeiro laboratório para se estudar problemas de todo tipo, era focada sempre através de seu lado mais perverso. E claro, essa visão mostrada por um olhar ocidental – norte-americano – em seu eterno papel de vigilante dos padrões democráticos, de libertador. O contraponto vinha pela mostra “do outro lado”: belíssimas paisagens, savanas repletas de animais selvagens, vôos em série de flamingos cor-de-rosa contrastando com as cores do pôr do sol. Aqui, a natureza soberana, selvagem, era o cenário perfeito para a mostra dos “selvagens”, em estado puro de contato com essa paisagem intocável. Mais uma vez o exótico era a deixa perfeita.
E assim foi. Depois de uma pausa, a partir do início dos anos 2000, temas sobre a África têm surgido nas telas de cinema com uma frequência maior. Sejam produções aos moldes de clichês norte-americanos, até produções européias interessantes, temos uma lista considerável.
O precursor de maior peso entre os filmes do circuito comercial dessa nova leva foi o norte-americano, Entre dois amores (EUA, 1985, dirigido por Sydney Pollack). Baseado em fatos reais, contou com nomes de peso como Robert Redford e Meryl Streep.
Outro sucesso, embora não tão grande quanto o anterior, foi África dos meus sonhos (EUA, 2000, direção de Hugh Hudson), com Kim Bassinger. Esses dois fazem o gênero drama e têm como foco a visão da mulher estrangeira que decide deixar a vida burguesa para trás e viver na África (ainda nessa linha, embora europeu, tem o recente A massai branca (Alemanha, 2005, Direção: Hermine Huntgeburth). O filme conta a história de uma jovem suíça que, em férias no Quênia, conhece um guerreiro Lemalian, apaixona-se e passa a viver com ele em sua tribo, passando por toda sorte de experiências. Nesses casos, há sempre o confronto entre a cultura ocidental e a africana, e seus choques inevitáveis. No entanto, o tema central não é cultural, e sim, a fantasia que permeia o imaginário do ocidental: a África como sinônimo de exotismo.

Contextualização

Hollywood ainda nos apresentaria filmes de ação de gosto duvidoso, como Lágrimas do sol (EUA, 2003, direção de Antoine Fuqua), com Bruce Willis como protagonista, que parte com um exército para resgatar uma cidadã americana, uma jovem e dedicada médica que se embrenha na selva para cuidar de refugiados. O lado paternalista é marcadamente acentuado, quando a americana se recusa a partir deixando de lado os refugiados, de quem cuida e protege, para trás. Perifericamente ao clima de ação, com o veterano comandante Willis no comando, é posta (ou exposta) a questão das guerrilhas, exércitos paralelos, guerra civil, mas tudo muito diluído e sem contextualização. Uma desculpa para armar o cenário de guerra, metralhadoras, muito sangue e dar a oportunidade para Willis expressar todas as possíveis caras de mau que pudesse fazer. O que importa ali é o confronto bem X mal, o americano incumbido de salvar a pele dos eleitos.
Recentemente, Diamantes de sangue (EUA, 2007, direção de Edward Zwick), Senhor das armas e O último rei da Escócia enveredam por um caminho um pouco diferente. Tentam contextualizar de forma globalizada os acontecimentos a que estão expostas muitas das nações africanas. O primeiro mostra a população de Serra Leoa à mercê de guerrilhas controladas por contrabandistas de diamantes, focando, no caso, um mercenário interpretado por Leonardo di Caprio. Interesses internacionais escusos surgem então como alguns dos fatores externos por trás do que se acostumou ver como “problemas internos” dos países da África, guerras étnicas e tribais pelo controle do poder, etc.
O filme que toca mais fundo nessa questão e correlaciona uma série de fatores intrinsecamente ligados a intermináveis guerrilhas paramilitares e as milícias de vários países daquele continente é o Senhor das armas (EUA, 2005, direção de Andrew Niccol). Através de um personagem cínico e sem escrúpulos, o expectador entra na intrincada trama que move respeitáveis senhores norte-americanos e do oriente próximo no comércio de diamantes, tráfico de armas, política internacional, financiamento de guerrilhas na África. Nicolas Cage é quem trafega por entre as malhas da corrupção internacional que desemboca nas guerras insanas pelos poderes locais em diversos países. A lógica que move todos é unicamente o poder, o poder embriagador que tornou conhecido um dos mais sanguinários déspotas africanos: Idi Amin Dada. Encarnado magistralmente por Forest Whitaker, O último rei da Escócia (EUA, 2007, dirigido por Kevin Macdonald), mostra um sujeito que chega ao poder sem o menor preparo, alguém que passou a infância e adolescência humilhado pelo abandono e pela fome e alçou o posto de presidente-ditador quase que por um acaso, ou por uma sucessão de equívocos.     
Amor sem fronteiras (EUA, 2003, direção de Martin Campbell) é um drama aos moldes hollywoodianos. Foi feito para atrair um público eclético que costuma assistir aos filmes comerciais para ver seus atores favoritos encarnarem papéis “do bem”.
E ninguém melhor do que a heroína Angelina 'Tomb Rider' Jolie para partir ao lado do bonitão do momento Clive Owen, na pele de um médico sem-fronteiras para se engajar na luta assistencialista de distribuição de comida para os assolados pela fome em imensos campos de refugiados. Nada a acrescentar, o cenário da miséria serve para Angelina desfilar belos figurinos branco/cáqui, enquanto passeia chocada por entre as barracas de feridos. Os cenários do filme se passam na Etiópia, Camboja e Chechenia.
Conhecido por seus papéis sérios e engajados, Sean Penn empresta seu prestígio à trama chamada A intérprete (EUA, 2005, direção de Sydney Pollack). Nicole Kidman, que também costuma ser feliz nas escolhas dos papéis que assume, é Silvia Broome, uma intérprete das Nações Unidas que ouve por acaso uma conversa sobre a uma ameaça de morte de um chefe de estado africano, que deverá ocorrer durante um encontro na sede das Nações Unidas. A conversa que escuta é falada em uma língua africana pouco conhecida e poucas pessoas poderiam compreendê-la, à exceção de Sílvia, que nasceu na África. A ameaça faz com que a vida de Silvia se transforme totalmente e precise da proteção do agente federal Tobin Keller (Sean Penn). Com poucas cenas africanas, o filme discute temas como a globalização, terrorismo, além da questão diplomática e como se dão essas relações dentro das Nações Unidas.
Hotel Ruanda (EUA, 2004, direção de Terry George), é sem dúvida um filme que se destaca entre os que buscam retratar situações que muitas vezes passaram ao largo do conhecimento dos brasileiros, como o genocídio ocorrido em Raunda, em 1994. Através do personagem Paul Rusesabagina, vivido por Don Cheadle, Hotel Ruanda mostra os momentos que antecedem a eclosão do genocídio de Ruanda, desencadeado pela etnia Hutu, então no poder, contra Tutsis e hutus moderados. Paul era gerente do Hotel Mille Colines e durante o período em que durou o genocídio – cerca de três meses – ajudou a salvar centenas de pessoas, escondendo-as e protegendo-as no hotel ou facilitando sua fuga. Ele mesmo e sua família escaparam, no último momento, e partiram como refugiados rumo à Bélgica. Embora conte a história de um dos episódios mais sangrentos ocorridos na história da África contemporânea, Terry George opta por um roteiro em que humaniza a história, esquivando-se de escorregar pelo terreno fácil do sangue e da brutalidade.

Um olhar além das fronteiras norte-americanas – fugindo do lugar comum

O jardineiro fiel (Alemanha/Inglaterra, 2005, direção de Fernando Meirelles) investiga os interesses escusos de uma companhia farmacêutica européia que testa medicamentos na população pobre do Quênia. Embora trate de um assunto relevante e atual, não faltam os clichês de imagem que mostram a miséria da população em contraste com a exuberância da natureza.
O alemão Lugar nenhum na África, da diretora alemã Caroline Link, foi o ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro de 2002. O filme conta a história de uma família alemã que tem que deixar o país durante a ascensão do nazismo. O destino é o Quênia, para onde a família se muda, deparando-se com uma realidade completamente diferente da vida confortável na qual viviam. Sensível e com imagens belíssimas, um filme que vale a pena ser conferido.
ABC Africa (Irã/Uganda, 2001, direção Abbas Kiarostami). Na linha documental, o consagrado diretor iraniano viaja com seu assistente por Uganda, país da África Central com graves problemas de AIDS para filmar, com duas câmeras digitais, as milhares de crianças portadoras do vírus e as ONGs que tentam ajudá-las.

Olhar interno

Paralelamente a essas produções, timidamente começa a surgir o cinema feito da África e pela África. São cineastas que conseguem contornar os problemas financeiros, de produção e distribuição e aos poucos vão ganhando a cena entre aqueles que falam sobre o continente. Mas isso é assunto para uma próxima edição, um próximo artigo.


Texto publicado na edição nº 24 da revista Griffe.
www.revistagriffe.blogspot.com


Biografia:
ANDRÉIA T. COUTO Doutora em Planejamento e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Estadual de Campinas. Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo. Graduada em Letras pela Universidade Federal de Ouro Preto. Professora dos cursos de Letras e Jornalismo. Colaboradora da revista Griffe.
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Outros títulos do mesmo autor

Crônicas Estradas da vida ANDRÉIA T. COUTO
Artigos A África sob os holofotes do etnocentrismo cinematográfico ANDRÉIA T. COUTO
Ensaios Estética e cultura – beleza pura ANDRÉIA T. COUTO
Releases O LUTADOR ANDRÉIA T. COUTO


Publicações de número 1 até 4 de um total de 4.


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