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Xarope de guaco e caos
Cláudio Thomás Bornstein


Peguei uma gripe e, como a tosse não passava, resolvi comprar um xarope. Passando pela farmácia X, entrei. O preço da unidade era R$ 58,00, mas havia uma promoção de R$ 22,00 para clientes cadastrados. Com tamanho desconto resolvi comprar mais de uma unidade, mas como não tinha, comprei o único que restava na prateleira e guardei a nota já com um plano na cabeça. Na frente de X há uma outra farmácia da rede concorrente Y. Eu ia apresentar a nota mais o produto na esperança de comprar mais unidades pelo mesmo preço.

O plano falhou. Encontrei o xarope na farmácia Y pelo preço de R$ 55,00. Como o vendedor negou a possibilidade de desconto, pedi para falar com o gerente, O gerente olhou a nota da farmácia X, consultou a tela do computador e lamentou: "Os caras deram um desconto de mais de 60%. Eles devem ter feito um acordo especial com o fabricante. Nosso preço oficial já está menor que o deles. Eu posso, no máximo, dar mais 10%. Interessa?" Ora, na farmácia X eu tinha pago R$ 22,00. É claro que eu não ia querer pagar R$ 50,00 pelo mesmo produto, mesmo que isto significasse 10% de desconto.

Passei em mais farmácias e verifiquei que em todas o preço variava em torno dos R$ 55,00. Não tive coragem de pedir desconto, porque eu temia levar mais um fora. Outra farmácia da rede X não havia por perto, já era tarde, estava chovendo, de forma que resolvi voltar para casa.

Nada como uma noite bem dormida para resolver os problemas pendentes. No outro dia, de manhã, resolvi consultar a internet. Realmente a rede X vendia o xarope na internet pelo preço de R$ 22,00, mas depois de preenchidos todos os requisitos, dado o CEP e o endereço, a resposta foi que o produto estava indisponível para entrega, ou seja, por aquele preço a compra teria que ser feita em loja física.

Ainda na internet, entrei na rede Y. Lá o preço para um xarope da mesma marca era R$ 27,00, mas não consegui saber se se tratava exatamente do mesmo produto. É que eles tem um xarope com açúcar e outro sem, e eu queria este último. Imprimi o resultado da busca e resolvi ir à luta. Perto da minha casa existe outra farmácia Y e a minha esperança era de conseguir o xarope por R$ 27,00 apresentando o papel.

Desta vez o plano funcionou. Na farmácia Y o preço afixado para o xarope sem açúcar era R$ 55,00, não havia nenhuma promoção, mas eu procurei o vendedor e contei as minhas desventuras: "Na farmácia X comprei este xarope por R$ 22,00 e hoje de manhã vi que na internet vocês estão oferecendo o produto por R$ 27,00. Veja o que você pode fazer por mim." E mostrei o papel da minha pesquisa na internet.

O funcionário olhou o papel e depois dirigiu-se a um terminal do computador que estudou demoradamente: "Olha, R$ 22,00 eu não posso fazer, mas R$ 27,00 é possível. Vai querer?" Claro que eu ia. Um produto que custava R$ 55,00 e que o gerente da mesma rede no dia anterior tinha declarado que não podia vender por menos de R$ 50,00, eu agora ia levar por R$ 27,00? Eu ia perder uma oportunidade destas? Comprei logo 5 unidades do xarope na certeza de que tosse nunca mais, venha o frio que vier.

Na volta para casa, com a sacola cheia de xarope, eu vinha pensando. Se no consumo, reina tamanha confusão, preços variando ao sabor das circunstâncias, um preço afixado na loja, outro na internet, um no terminal, outro na cabeça do vendedor ou do gerente, se tudo varia tanto e tão constantemente, como é que fica o chão aos nossos pés? Se no consumo, onde o capitalismo deveria funcionar, porque esta afinal é a sua atividade fim, vender produtos para enriquecer os seus fabricantes, reina tal caos, imagina só no resto. Não! Não é necessária a bomba atômica. O caos já está aí. Só não vê quem não quer. O pior cego é aquele que não quer ver.


Biografia:
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