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A curruira e o dente de leão
Gladyston costa


Os primeiros raios de sol mal rompiam a madrugada e a corruíra já se espichava toda no galho da tipuana. Sacudiu as penas, esticou as pernas e espreguiçou abrindo as pequenas asas. Sem ligar para o ruído do ir e vir dos carros na avenida resolveu gorjear.
Então mirou o viaduto e num ligeiro salto alçou vôo rasante, flores amarelas de dente de leão espremidas entre o cinza do concreto chamaram-lhe a atenção.
Naquela manhã de primavera era possível ver aqui e ali, em meio a tanto concreto armado, algumas raras flores anunciando a estação mais perfumada do ano.
Pousou desconfiado e espertamente saltitou pela marquise do viaduto alcançando a tão bela flor.
Num mundo extenso de concreto e asfalto há muito tempo tornara-se raro ver pássaros e flores nas entranhas da cidade.
A semente daquele dente de leão viajou no tempo e no espaço trazendo de gerações passadas a essência de sua existência.
Queria uma porção de terra e água fresca para germinar, achou na pequena fresta do viaduto a única possibilidade de continuar a sua existência.
Há tempos, corruíras e toda sorte de bichos celebravam a vida em meio a manacás, aroeiras, paus ferros e pitangueiras.
Tudo era verde até onde os olhos enxergavam e os bichos eram tantos que não se podia contar.
A primavera era mais colorida e perfumada.
Desde o inicio dos tempos a natureza tem nos seus ciclos o seu modo de ser e a cada primavera as sementes do dente de leão, quando chega à hora, flutuam como bolhas de sabão e se espalham para dar continuidade à vida.

E o bicho homem.
Voraz como uma máquina devoradora de si mesmo ao dissociar-se do universo ao redor, fez-se o único dos seres e do que era ciclo procurou fazer linha reta.
Hoje, os poucos pássaros que habitam a cidade voam sobre intermináveis ruas e avenidas que dividem o espaço em fragmentos lineares e ensimesmados.
Pedaços mudos de uma aquarela cujas cores não se misturam e que no seu todo fogem à sua compreensão.
A cidade desafia a beleza e sinuosidade cíclica daquilo que provavelmente o homem jamais será capaz de criar.
Se do alto as águas caem após longos ciclos, a seu modo o bicho homem torna rios sinuosos linha reta, tal como o Tiete.
A racionalidade se revela cega.
E assim, onde havia aroeiras, paus ferros, pitangueiras, arco-íris, rios, riachos e estrelas a perder de vista, hoje há asfalto e concreto.
O céu é enfumaçado.
Na natureza em nada há finalidade em si mesmo, a corruíra e o dente de leão em seu conjunto são mais que pássaro e flor.
E lá estava a corruíra, uma, duas, três bicadas e mais algumas sementinhas, um olhar ligeiro e desconfiado, um gorjear e mais algumas bicadas.
Na avenida logo abaixo o caos estava instalado e em meio a tanto ruído e fumaça quem poderia enxergar aquele pequeno pássaro e o dente de leão?
Entre idas e vindas em voos curtos, do viaduto ao seu refugio na tipuana, ficou ali pelas primeiras horas da manhã.
Já era quase meio dia e o sol alto dava mais brilho ao colorido daquela flor.
Então tendo enchido o papo e celebrando a primavera, a corruíra resolveu visitar outras paragens.
Alçou vôo e desapareceu no céu esfumaçado.



            Gladyston costa


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