Elisabeth não abriu a porta quando seu avô bateu. Ela gritou para ele ir embora e ele desceu arrasado. Dona Nair chorava na cozinha enquanto preparava a janta, umas das suas últimas jantas naquela casa que lhe deixaria saudade.
Claudete caminhava sublime entre a casa. Ela nunca gostou daquela fazenda! Odiava bichos do campo! Ela sentiu uma sensação enorme quando viu o seu patrão terrivelmente abatido.
- Senhor Taylor, não fique assim... logo as coisas vão melhorar! - consolou ela de má fé.
Ele caminhou triste para a poltrona e sentou ali.
- Eu... eu sinto uma grande culpa, por ter acontecido aquilo com minha amada filha!
Claudete não sentia nada por aquilo. Sempre odiou Elisa e a senhora Taylor.
- Você não teve culpa nenhuma. Os culpados foram àqueles bichos!
O senhor Ronaldo Taylor deixou as lágrimas escorrerem pela face enrugada.
A senhora Claudete se retirou e subiu as escadas pisando leve. Caminhou pelo corredor e parou na porta do quarto da garota. Bateu.
- Eu não quero vê-lo! Vai embora! - gritou Elisabeth lá dentro.
- Talvez queira ver a mim e o que tenho em minhas mãos... - disse Claudete por trás da porta.
Passou uns segundos e a porta se abriu. Elisabeth estava furiosa, encarando a mulher mais detestável do mundo.
- O que você quer? - e olhou para o envelope que ela mostrava.
- Sabe o que é isso? - riu ela.
- Uma carta.
- Me dê licença, quero conversar com você aí dentro.
Elisabeth desconfiou, mas deixou que ela entrasse. Ela fez sinal para fechar a porta, e ela fechou.
- O que é essa carta? Diga! - ordenou ela. Claudete riu e entregou o envelope vermelho para ela, dizendo animadamente.
- Você terá que levar essa carta para esse tal de professor aí... - e a menina viu que estava endereçada ao professor Pascoal. - Mas tem que ser ainda hoje. Eu terei que ajudá-la a escapar sem que o seu avô descubra.
- O que está escrito?
- Eu lá vou saber? Não abro as correspondências dos outros. Mas deve ser algo muito importante para os seus amigos coelhos. Bem, a decisão é sua. Vai levar essa carta ou não?
Elisabeth ficou sem saber o que fazer e estava desconfiada de que tudo não passaria de uma armadilha arranjada por ela e aqueles homens! Claudete tirou o envelope das mãos dela facilmente, e caminhou para a porta, dizendo maliciosamente.
- Que pena para os coelhos... acho que até a sua mãezinha teria feito qualquer coisa para ajudar eles. Ela deve estar muito decepcionada agora, presenciando o medo e a covardia da filhinha que deixou de ajudar seus amiguinhos no momento mais importante. – Claudete abriu a porta e esperou um segundo parada e escutou a voz da menina.
- Eu levo. – decidiu ela, caindo no plano da governanta. A mulher virou e estendeu o envelope. Elisabeth se aproximou e pegou.
- Não vai ler a carta dos outros, tá? Acho que sua mãe não ia gostar dessa falta de educação da filhinha dela... - e gargalhou. - Esteja preparada às onze horas! Se tiver com medo, pegue uns ursinhos de pelúcia... - e saiu debochando dela pelo corredor.
Elisabeth encostou a porta e ficou observando atentamente o envelope misterioso em sua mão.
Claudete já tinha em mente o que ia fazer. Foi até seu criado mudo e tirou uma cartela de comprimidos para dormir. Mas ela não ia tomar nenhum, mas Ronaldo Taylor ia tomar sem saber.
Ela preparou um chá na cozinha e dona Nair ficou de lado observando desconfiada, pois nunca vira a governanta levantando um dedo para fazer alguma coisa na cozinha.
- Porque não vai deitar? - perguntou Claudete incomodada com a cozinheira na cozinha.
- Incomoda eu ficar na minha cozinha? - a retrucou secamente.
Claudete despejou o chá quente na xícara e colocou num pires, e saiu sorrindo.
- Daqui a uma semana não será mais sua... - Dona Nair a viu subir as escadas.
Claudete virou o corredor e tirou do bolso três comprimidos e botou no chá quente. Os comprimidos derreteram rápidos e ela bateu na porta do quarto da garota.
- Ainda não são onze horas! - informou Elisabeth carrancuda.
- Eu não perguntei nada, sua malcriada... - e estendeu o pires com a xícara de chá para ela.
- Eu também não pedi nenhum chá.
- Não é pra você, pode acreditar. Você irá levar ao seu avô e se desculpar.
Elisabeth achou estranho.
- Por quê?
- Pegue e obedeça. Pode ficar tranquila, eu não coloquei veneno no chá... - informou sorrindo. - Seria uma louca se fizesse isso antes de completar uma semana!
- Você é uma... - rosnou a garota com vontade de pegar aquele chá e lhe jogar na cara.
- Vamos, pegue logo e leva ao seu avô. Mas não se esqueça de aparentar que está arrependida por ter se comportada tão mau.
Claudete lhe deu as costas e saiu em direção ao corredor do seu quarto.
Elisabeth respirou fundo e começou a caminhar para o quarto do avô. Bateu de leve na porta e o chamou baixinho.
- Vovô...
Logo a porta se abriu e ali estava ele, de pijama listrado azul e branco.
- Oi, querida... - sorriu ele. - Você fez para mim? - ela lhe deu o pires e o Sr. Taylor aspirou a fumaça do chá quente. - Chá de erva-doce! Eu gosto muito.
Elisabeth o viu experimentar e tomar uns três goles sem saber o que ia acontecer.
- Me desculpe, vovô, pela mordida... - pediu ela, e até ali não era fingimento.
- Não se preocupe, eu vou sobreviver. - brincou ele. - Quer entrar para conversar?
- Não... eu só vim desejar uma boa noite ao senhor.
O senhor Taylor curvou e beijou a testa dela carinhosamente.
- Obrigado meu amorzinho. Tenha também uma boa noite.
Elisabeth esforçou um sorriso e lhe deu as costas e sussurrou.
- Vou precisar mesmo...
Claudete estava no seu quarto se preparando. Vestia uma roupa apertada e carregava a arma com munições e escondeu por debaixo do colete de couro. Pegou a chave do seu jipe. Olhou no relógio na parede. Onze horas.
Elisabeth estava bem vestida e esperava em pé no corredor. Claudete de longe fez sinal com a mão para ela se aproximar.
- Espere na escada. Vou verificar se aquela bola de boliche não está nos espiando.
Ela verificou a cozinha e a sala de estar, e não encontrou-a.
Apareceu lá embaixo no pé da escada e fez sinal para a menina descer.
- Rápido! - apressou a governanta com a porta da sala aberta. Elisabeth correu para fora e sentiu o vento frio da noite no seu rosto. - O jipe está logo ali, caminhe!
- Mas você não irá comigo.
- Claro que não, graças a Deus! - disse aliviada ela. - Mas tenho que levá-la até a metade do caminho, para que chegue mais depressa ao castelo e volte também antes que o dia amanheça.
Claudete entrou no jipe e Elisabeth ia entrando quando uma mão agarrou seu ombro. Ela evitou o grito quando virou rapidamente vendo ali a dona Nair, de roupão de dormir.
- Eu também vou com você! - disse e entrou no jipe, deixando Elisabeth e Claudete perplexas.
- T-Tudo bem... - conseguiu falar a menina surpresa pela decisão da amiga.
- Use o cinto, Elisabeth... ninguém sabe aonde essa daí tirou a carta de motorista! - disparou ela, e Claudete virou para responder, mas Elisabeth apartou a discussão que ia começar.
- Vamos parar de discutir, por favor! - e as duas mulheres obedeceram. - Temos uma missão, não temos? Precisamos uma da outra, pelo menos nesse momento. Então, pisa fundo!
Claudete resmungou baixinho e disparou a correr na estrada de terra com os faróis acesos e Nair no banco de trás ia rezando para sua santinha protetora. Claudete virou o jipe e seguiu dentro do bosque por uma entrada que Elisabeth nunca passou e a entrada tinha muito buraco e o jipe se sacudia todo.
- Aonde você quer que eu a deixe? - perguntou a motorista de cara amarrada, segurando firme o volante. - Na entrada da mina?
- Pode seguir em direção ao leste... - era onde ficava a montanha. Claudete não podia saber que a montanha servia apenas como escudo de proteção ao castelo da Páscoa.
Dona Nair percebeu uma coisa acontecendo e gritou.
- Cuidado! - Claudete olhou pro lado esquerdo e uma árvore grande vinha caindo bem em cima delas.
- O freio não tá pegando! - gritou desesperada e para não ser todas esmagadas ela virou o jipe para a direita e árvore caiu estrondosamente na estrada, bloqueando-a. O carro descia sem controle algum numa colina cheia de pedras e Claudete desviava dos obstáculos.
- Tente parar esse carro! - gritava dona Nair em pânico.
- Tente fechar essa boca para não me tirar a concentração! - berrou Claudete e desviou de uma rocha, mas o retrovisor ao lado do banco de Elisabeth foi arrancado velozmente.
- O que tem depois dessa colina? - perguntou a menina preocupada.
- Não tem nada... - Dona Nair respirou um pouco aliviada. - Só um precipício aguardando nossos corpos mutilados e queimados!
Elisabeth abriu a porta.
- Não faça isso, menina! - gritou Nair.
Claudete também abriu a sua porta e Dona Nair sem escolha também a sua e juntas saltaram do jipe.
- Oh, meu Deus!... - gritou Claudete, prendendo a bota no cinto de segurança quando deu impulso para pular pra fora. O carro caiu no profundo precipício.
Elas rolaram na colina e conseguiram parar. Elisabeth tinha se ferido na testa, mas estava bem. Ela olhou para trás e viu um clarão de fogo seguido por uma explosão lá embaixo.
Ela chamou por Nair e depois de uns instantes escutou o gemido dela.
- Estou... estou bem... e você?...
- Só ralei a testa... - informou Elisabeth. - Onde está à senhora Claudete? - ela tentava encontrar a governanta caída próxima a elas, mas não a encontrou. A garota machucada reuniu forças e sentou. Dona Nair gatinhava até ela e estava com os braços ralados e sangrava, mas ainda segurava o terço com sua santinha firme na mão.
- Claudete pulou junto com a gente! - dizia desesperada. - Ela pulou... ela pulou... - murmurava com as lágrimas querendo sair.
Elisabeth começou a descer com cuidado a colina e escorregava o pé nas pedras lisas. Ela estava se aproximando na orla do precipício.
- Por favor, não chegue muito perto... - falava a velha cozinheira em profunda tristeza, já imaginando o que teria acontecido à senhora Claudete. Elisabeth encontrou a bota esquerda da governanta e a arma de fogo que ela quase foi atingida quando estava escapando no sótão de sua casa.
Elisabeth sentiu o corpo ficar rígido e frio.
- Ela não merecia isso... - começou a lamentar. - Ela era ruim, sim, mas eu nunca quis que ela terminasse dessa forma.
Dona Nair chorava.
- Eu... eu também não queria que ela morresse... - gaguejava, sentindo pena da mulher que sempre provocou-na. - Elisabeth... v-vamos voltar pra c-casa e informar ao seu avô sobre o que a-aconteceu!...
Elisabeth limpou as lágrimas que escorreram de seu rosto e olhou decidida para a montanha lá bem longe, perto da lua cheia.
- Não... ela queria que eu levasse essa carta ao professor Pascoal e é isso que vou fazer.
- Mas isso já está ficando perigoso... - tentava convencê-la a voltar.
- Claudete morreu por essa missão! - gritou ela para a amiga. - Não vou desistir! Minha mãe faria a mesma coisa... - e começou a subir a colina.
- Espere! E-Eu vou com você...
- Volte pra casa... - pediu ela se afastando.
Dona Nair olhava para ela como se nunca a tivesse visto na sua vida. E nada ia fazer Elisabeth repensar e voltar. E viu a menina de apenas 9 anos tomar decisões tão sérias e arriscadas. Elisabeth não sabia se ia encontrar a entrada do castelo da Páscoa pela montanha. Mas ia escalá-la se fosse necessário.
Ela olhou para trás e não viu Nair. Assim era melhor, seria já muito difícil entrar no castelo como uma criança humana, seria ainda mais com dona Nair.
Elisabeth começou a correr entre as árvores, moitas e pequenos buracos. Tivera que prestar muita atenção se estava caminhando na direção certa, já que não conseguia ver a montanha entre as árvores grandes. Ela arranhou o ombro quando teve que se abaixar numa planta cheia de espinhos, e gemeu.
- Ai! - mas continuou a seguir em frente, mas estava sentindo zonza e sua vista embaçava, vendo tudo mais escuro ainda. O seu ombro começava a inchar e ela sentia como se uma brasa de fogo estivesse descendo em sua garganta. Caiu de joelho no chão e sua respiração falhava. - O que está acontecendo comigo...
Uns vinte metros atrás de Elisabeth um urso farejava um cheiro de comida e começava a seguir em frente ansioso para ver o que ia comer naquela noite.
Elisabeth esforçou para levantar, mas caía quando ficava em pé. De repente ouviu um rosnado bem assustador e virou para ver o que era. Não conseguiu ver muita coisa, pois sua visão continuava embasada. Mas ela percebeu o que podia ser.
Elisabeth sentiu uma mão quente examinar seu pulso e abriu os olhos. A senhora Mirla, a coelha estava ao seu lado e lhe sorriu.
- Oi... você se sente melhor? - a garota olhou surpresa ao seu redor e estava numa espécie de enfermaria.
- Como foi que eu cheguei aqui? - ficou confusa.
- Teddy te encontrou lá no bosque e te trouxe para cá, quando percebeu que você tinha se ferido por um espinho venenoso... - explicou ela, indo atender um outro coelhinho deitado numa cama. Ela tirou o termômetro debaixo do braço dele e sorriu. - A sua febre está abaixando. Descanse e logo estará de alta.
Elisabeth desceu da cama e viu que havia um curativo em seu ombro. Ainda doía um pouco.
- Você deve descansar um pouco, Elisabeth... - aconselhou ela, querendo por a garota de volta pra cama.
- Estou melhor. Obrigada! Mas como o diretor deixou que eu entrasse? Estou como uma humana! - estranhou ela. Mirla levou o dedo à boca e Elisabeth se calou rapidamente.
- O diretor não viu quando Teddy te trouxe. Você está aqui como escondida.
- Mas e se esse coelhinho contar ao diretor? Ele me viu... - perguntou em voz baixa.
Mirla puxou a cortina e tampou a visão entre eles.
- Ele não vai contar nada, não se preocupe. Aliás, ele está febril e o diretor não vai dar ouvidos ao um coelhinho que poderia estar variando de febre, não acha?
Elisabeth deu de ombro e gemeu ao fazer força com ele.
- Então tá...
Um coelho batia na porta e ela se preocupou.
- Não se assuste, é o Medd. Ele está louco para te ver... - ela abriu a porta e ele entrou apressado.
- Nossa! Você me deixou preocupado, hein?
- Eu perdi a consciência um pouco, mas estou melhor. Obrigada – e lhe afagou o topete fofo da cabeça. - E onde está... o Teddy?
Medd respondeu bem baixo.
- Está na sala de espera.
Elisabeth já estava cansada daquele comportamento dele e desceu da cama novamente e abriu a porta sem se preocupar com os avisos da senhora Mirla.
Teddy estava sentado numa cadeira e o professor Pascoal lia um artigo num jornal velho.
- Teddy.
Os dois únicos coelhos naquela sala levantaram a cabeça para a menina na porta.
- Oh... você está bem, pelo que vejo... - disse ele meio sem graça.
Ela chegou até ele e sem saber se ele ia gostar ou não o abraçou fortemente.
- Obrigada por me socorrer.
Medd estava eufórico e pulava no mesmo lugar, contando como Teddy salvou a vida dela.
- Você tinha que ter visto o Teddy colocando o urso de três metros pra correr!... ele deu uma voadora de kung-fu no peito da fera e ele tombou para trás!
Teddy ralhou para o irmão se calar. E Elisabeth riu.
- Bem, você deixou a gente bastante preocupados, mocinha... - levantou da cadeira o professor Pascoal. Elisabeth lembrou do envelope e estalou o dedo.
- Nossa que cabeça minha! Eu havia me esquecido completamente da razão para qual eu estava procurando vocês! - todos eles estranharam. Elisabeth procurou o bolso da calça, mas percebeu que estava usando uma roupa da enfermaria. - Onde estão minhas roupas?
- Eu coloquei no cesto de roupa sujas, sabe, eu ia entregar amanhã cedo.
Todos viram o espanto no rosto da menina.
- A carta do professor estava no bolso da minha calça! - apressou ela em dizer. - Tenho que pegar a carta imediatamente!
- Acalme-se, por favor... - pediu o professor sem entender nada. - Você deve estar com febre e...
- Nada disso! - gritou ela. - Onde está esse cesto? - perguntou preocupada para Mirla.
- Eu... acho que a faxineira levou para a lavanderia... - respondeu receosa, imaginando que a informação não ia ser boa para a garota.
Elisabeth colocou as mãos na cabeça como se quisesse evitar uma explosão!
- Essa não!...
- O que tem nessa carta assim para deixá-la tão preocupada? - perguntou senhora Mirla.
- Eu não sei... foi o senhor Ramiro que entregou para... para Claudete e... - o professor caiu sentado e gritou ao escutar o nome de Ramiro.
- Você disse que foi Ramiro que entregou a carta? - perguntou todo arrepiado.
Elisabeth achou que seria melhor contar desde o começo e teria que ser forte para lhe dar a terrível notícia.
- O que eu tenho para contar não é nada bom... então... - começou ela, observando os rostos preocupados de todos ali naquela sala. - O meu avô... assinou o contrato de venda da fazenda para o Sr. Ramiro...
A cartola do professor murchou de agonia e os coelhos ali deixaram escapar um terrível lamento.
- Não pode ser possível... - a coelha Mirla precisou se apoiar num armário ali ao lado para não cair.
Teddy e Medd estavam sem fala.
- Meu Deus!... - murmurou Pascoal, sentindo como se tivesse mergulhando num abismo sem fim.
Elisabeth abaixou a cabeça tristemente, e começou a chorar.
- A culpa foi minha... eu não devia ter fugido naquela noite e vindo para cá! Se eu tivesse aceitado ir para o colégio interno...
- Você não tem culpa. - disse Teddy. - Ninguém teve.
O professor suspirou.
- Agora creio que o castelo da Páscoa tenha que ser fechado...
- Não! - gritaram Teddy e Medd ao mesmo tempo.
- Não terá outra alternativa, meninos... - argumentou ele. - Ramiro vai explorar cada parte da fazenda atrás do castelo e não vai demorar a descobrir. Infelizmente o que nós mais temíamos irá acontecer...
Mirla começou a chorar, balançava a cabeça como se negasse aceitar, mas sabia que esse era o único jeito.
- Daqui a uma semana meu avô vai passar a escritura da fazenda a ele no cartório da cidade – informou Elisabeth sentindo envergonhada por ainda achar que era sua culpa por aquilo tudo.
- A carta... - disse o professor Pascoal. - Você não sabe o que estava escrito?
A menina balançou a cabeça.
Medd arriscou.
- Talvez aquela mulher saiba! Ela está envolvida nesse esquema desde o começo... - dizia ele e Elisabeth o interrompeu.
- Ela está morta.
Todos ficaram mais ainda espantado com a revelação.
- Morta? - perguntou Mirla. - Mas como foi que?...
- Há pouca hora lá no bosque... o jipe aonde estávamos saiu da estrada e desceu descontroladamente pela colina e o freio não pegou. Eu e a dona Nair pulamos do carro que descia para o precipício e tínhamos certeza de que Claudete tinha conseguido saltar antes... mas não conseguiu.
- Ela... bem... nós sentimos por isso que aconteceu... - disse o professor.
Medd levantou a cabeça e comentou.
- Eu não sinto.
Teddy deu um cascudo na cabeça dele.
- Seu idiota! - e olhou como se pedisse desculpa para a Elisabeth ao lado. Ela deixou pra lá, dizendo.
- Tudo bem... ela sempre atormentou vocês e acabou conseguindo que meu avô aceitasse a proposta de vender a fazenda. Mas ela não merecia morrer assim.
- É uma pena que a gente não ia saber o que estava escrito na carta... - lamentou o coelho velho, ajeitando sua cartola rosa e pondo na cabeça.
Mirla também ficara curiosa em respeito à carta que Ramiro mandara ao prof. Pascoal, e levantou o braço de cima do armário e olhou para onde estava escorada atentamente.
- O que foi senhora Mirla? - indagou Teddy percebendo que ela estava de boca aberta.
Mirla levantou o envelope vermelho para eles.
- A carta! - exclamou Elisabeth mal acreditando na sorte.
- Estava em cima do armário esse tempo todo! - disse Medd aos pulos de alegria.
O professor não aguentou e tirou o envelope das mãos da amiga e abriu-a depressa.
Todos ficaram ansiosos para poder ouvir o que estava escrito. Pascoal lia rápido e sua expressão ficava ainda mais tensa ao ponto de ficar tenebroso. Por fim terminou, e levantou os olhos arregalados a senhora Mirla.
- O que está escrito? Por favor, fale! - desesperou ela.
O professor engoliu seco e murmurou.
- Temos que ir ao meu escritório imediatamente!
Os três pequenos estranharam, e a senhora Mirla respondeu logo.
- Não posso sair do plantão! Se o diretor resolve aparecer e não me encontrar aqui estou frita!
O professor olhou para Teddy.
- Levem a menina para o meu escritório e não deixe que ninguém a vejam.
- Mas nós queremos saber o que está escrito na carta... - disse Medd depressa.
- Isso não é da conta de vocês! - gritou ele bravo. Olhou para a garota assustada, e murmurou sem nenhuma alegria. - Agradeço por ter trazido a carta a mim... Agora vão!
Medd não queria sair do lugar, mas Elisabeth o arrastou para fora da sala de espera.
- Isso não é justo! - reclamava ele.
Teddy olhava para os dois lados do corredor e pedia para o irmão se calar.
- Feche essa matraca seu imbecil! Se alguém aparece e vê Elisabeth vamos ter mais encrenca que podemos aguentar! - Elisabeth tentava acompanhar os dois coelhinhos correndo, mas eles pulavam mais depressa que ela podia correr.
- O que você acha que está escrito na carta? - perguntou Medd interessado.
- Não sei, mas pela reação do professor não é nada agradável... - o comentou e olhou para a amiga ao seu lado. Mas ela não estava ao seu lado. Ele olhou para trás e viu ela lá bem longe parada no corredor de braços cruzados. Eles pararam e foram até ela com um sorriso forçado e coçou a cabeça, dizendo.
- Eu esqueci que você não estava transformada em coelha... - e Elisabeth amarrou a cara para eles e saiu pisando firme a frente. Teddy e Medd se entre olharam e deram de ombros. Os corredores estavam desertos àquela hora da madrugada, e eles foram para o escritório do professor.
Mirla estava perplexa quando acabou de ler a carta enviada do senhor Ramiro.
- Ele... - dizia ela nem tendo força de dizer algo. - Mas isso é loucura! Você não pode fazer isso!
O professor Pascoal olhou para cima como se quisesse encontrar uma solução mais razoável.
- Acho que não haja outra solução, senhora Mirla.
- Isso pode ser uma armadilha! - protestou ela. - Estamos falando do homem que está atrás de nós a anos! - quis lembrá-lo.
- Não vejo outra saída! Vou... vou aceitar o acordo dele e amanhã cedo vou entregar a receita secreta da Páscoa a ele... - decidiu numa profunda agonia.
- Ele não vai cumprir com a parte dele, professor! Depois que tiver o que quer vai nós caçar até o último pelo! Você não vai fazer essa loucura!
O professor virou para ela e seus olhos diziam que já havia tomado sua decisão final.
- Ele não se interessa pela fazenda, só quer a receita secreta! Ele comprou a fazenda para essa proposta! Eu o conheço... ele sempre soube o que quis...
- Talvez achemos um outro lugar para morar e... - comentava Mirla, mas Pascoal a interrompeu.
- Não há outro lugar com magia nesse vasto país, e se formos para outro lugar seremos simples coelhos, perdendo a capacidade de um coelho mágico. Acho que nosso povo não ia suportar.
Mirla sentou convencida.
- É... eu prefiro continuar como estou e fugir do senhor Ramiro do que viver na floresta cercados de feras carnívoras... - tentou se contentar por essa escolha. - Se bem que Ramiro é um predador da pesada!
- Temos que arriscar, esse é o único jeito... Que o espírito da Páscoa nos proteja!
Longe do castelo, dona Nair chegava à casa da fazenda e viu a luz da sala de estar acesa e apressou seus passos.
- Meu Deus! O senhor Taylor acordou... - sentiu um aperto no peito. - Como vou explicar as coisas?! - a lamentou. Abriu a porta da cozinha e acendeu a luz. Correu pela casa até entrar na sala de visita e parou aterrorizada.
- Boa noite – cumprimentou Claudete sentada na poltrona do senhor Taylor, bebendo um vinho, totalmente viva!
Nair queria desmaiar, mas conseguiu se apoiar na parede.
- V-Você morreu... - balbuciou ela, de olhos arregalados. Claudete achava graça na reação do rosto da outra.
- Se eu morri como estou aqui agora? Será que sou um fantasma? Búúú! - brincou ela e riu.
- Você... você enganou a gente... - murmurou a cozinheira perplexa.
- É, eu enganei... a minha bota havia se enroscado no cinto de segurança, mas consegui pular a tempo. Depois deixei minha outra bota e minha arma na orla do precipício para implantar a falsa ideia da minha morte... É uma pena que não pude ter ficado para presenciar o momento de lamentação de vocês!...
Dona Nair ficou fora de controle.
- Sua serpente sem coração! Elisabeth pode estar em perigo no bosque nesse exato momento!
- Ela vai sobreviver... o mais importante é que consiga entregar a carta ao tal professor e o senhor Ramiro vai ficar contente pelo meu trabalho! - sorriu de excitação.
- Vou agora mesmo acordar o senhor Taylor e contar o seu plano!... - disse Nair e Claudete gargalhou ao escutar.
- Não seja ridícula. Dei ao senhor Taylor alguns comprimidos para dormir... - revelou e bebeu um gole do vinho.
- Você que é ridícula! - e sorriu, fazendo Claudete se interessar. - Você colocou os comprimidos no chá bem quente, e acrescentou açúcar? Não sabe que o efeito do remédio é bem menor do que se espera? - Claudete tremia o canto da boca. - Então, ele não deve estar dormindo em sono pesado... acho que consigo acordá-lo se eu der um berros bem no ouvido!
O copo de vidro na mão da governanta tremia. Dona Nair sorriu maliciosamente e pigarreou a garganta para um teste.
- Senhor Taylor! - gritou ela. Claudete ficou furiosa e levantou da poltrona. O copo em sua mão explodiu, voando vinho e cacos de vidro para os lados.
- Cale essa boca... - rosnou ela. Dona Nair não se deixou intimidar com aquela reação.
- Você está preocupada? - ria ela. - Senhor Taylor! Acorde para tomar café da manhã!
Claudete parecia um touro preste a atacar. Nair girou o corpo rápido e disparou a correr aos gritos.
- ACORDE SENHOR TAYLOR! ELISABETH ESTÁ EM PERIGO! - ela subia as escadas e Claudete vinha a toda velocidade no seu encalço, com as mãos estendidas.
- Vou te esganar sua velha intrometida! - rosnava Claudete com ódio.
Dona Nair correu pelo corredor gritando pelo senhor Taylor e Claudete parou de correr. Nair percebeu e parou para observá-la.
- O que foi? Cansou de correr, é? - perguntou vendo Claudete uns quatro metro dela.
Claudete sorriu estranhamente e se abaixou. Nair viu suas mãos agarrando as extremidades do tapete em que elas estavam e percebeu o plano tarde demais. Claudete puxou com força o tapete e Nair se desequilibrou e caiu de costas no chão. Claudete estava em pé a sua frente com uma expressão assassina nos seus olhos negros com a noite.
- Você me aborreceu por tempo demais... - sussurrou friamente. - Não vou deixar que estrague o plano do meu senhor!...
- Vocês não vão conseguir realizar seus planos maléficos! - prometeu Nair.
- Isso nós veremos... - e abaixou e começou a estrangular o pescoço de dona Nair. - Não vou te matar, só vou deixá-la inconsciente para não perturbar o sono do senhor Taylor...
Dona Nair resistia ao máximo, mas Claudete não facilitava.
- ...senhor Taylor me ajude... - murmurava ela estendendo a mão para ele. Claudete largou imediatamente do pescoço dela e assustada olhou para trás, imaginando que ele estivesse acordado. Não viu ele, apenas o resto do corredor solitário. Quando olhou para Nair, e ela sorrindo, acertou um soco bem no meio de seu nariz. A governanta gemeu de dor, levando as mãos ao nariz que sangrava.
- Agora você verá o que uma baixinha é capaz de fazer! - e pulou sobre Claudete, nocauteando o corpaço da gigante. Claudete gritava e tentava proteger a cara dos socos pesados da adversária. Dona Nair se levantou e ajeitou a camisola, esfregando as mãos uma na outra satisfeita.
Claudete se contorcia de dor no chão.
- Espero que tenha aprendido que tamanho não é documento! - e virou as costas para ir ao quarto do senhor Taylor. Claudete olhou para a inimiga se distanciando, e reuniu forças e se levantou. Dona Nair parou e virou. Mas Claudete já estava bem em cima dela e com força pegou pelo braço dela e puxou para frente. Nair gritou quando seu corpo não conseguiu parar e acabou caindo pela escada. Claudete olhava de cima o corpo da cozinheira rolando pelos degraus furiosamente, até parar no vão da escada lá embaixo.
Claudete respirava depressa e viu que Nair não se mexia. Desceu atentamente os degraus de madeira e ficou ao lado do corpo da outra. Com a ponta do sapato virou o corpo de Nair e o seu rosto estava sangrando muito. Claudete se abaixou e verificou um certo ponto no pescoço dela e tirou a mão assustada. Não havia pulsação na veia ali e se afastou de medo, percebendo que dona Nair estava morta.
- Eu... eu não queria... - murmurou Claudete olhando o corpo da cozinheira. - Tenho que me livrar disso! - disse para si mesma e pegou pelos braços de dona Nair e arrastou ela pela casa até chegar à porta da sala. Correu para o jardim e pegou uma carriola. Depois abaixou e conseguiu levantar com muita dificuldade o corpo e depositou na caçamba do carrinho de mão. Levou o corpo dentro da carriola para dentro do bosque, pela uma trilha mais curta que levava diretamente para um lago e olhando para os lados jogou o corpo de dona Nair na água e viu o corpo boiar e se afastar.
- Eu sinto muito... - disse para o corpo e saiu apressada de volta com o carrinho de mão para a casa. Claudete pegou um pano e limpou manchas de sangue que sujou o piso e lavou a carriola com a mangueira. - Ninguém vai desconfiar de nada... vão pensar que ela se perdeu no bosque e que caiu no logo e morreu afogada! Eu não queria matá-la... não foi minha culpa!
Claudete varreu os cacos de vidro do copo e jogou na privada. Não queria deixar um vestígio de que estivera ali. Ela já sabia o que ia fazer seguinte. Como dona Nair pensava que ela estava morta, Elisabeth também acreditava nessa teoria, então ela ia voltar para o bosque e ficar ali, próxima ao precipício fingindo estar desacordada. Ela teria que ficar ali até que alguém a encontrasse, assim ninguém pensaria que ela assassinou dona Nair! Era arriscado esse plano, mas era só o que tinha em mente no momento... Elisabeth não ia desconfiar dela...
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