Dona Nair perguntou se ela tinha descoberto mais coisas, e Elisabeth detestou mentir. Ela não queria envolvê-la, pois se aquilo desse errado pelo menos ela não estaria correndo o risco de ser despedida pelo seu avô. Eles almoçaram e depois Elisabeth foi assistir televisão junto com o avô.
O senhor Taylor se irritou quando viu um programa falando sobre a páscoa. Elisabeth mudou de canal antes que ele desligasse a televisão. Mas aí sim o senhor Ronaldo se irritou mesmo, pois no outro canal havia desenhos sobre coelhos e ovos de chocolate.
- Elisabeth porque não vai ler? - insistiu ele.
- Tá bom... - disse ela e foi para a biblioteca. Ela começou a procurar por um livro que a interessasse, foi quando viu um livro caído atrás da estante. Ela afastou um pouco a estante pesada e esticou a mão para apanhá-lo. Tirou-o do chão cheio de poeira e teia de aranha. Achou que seria um livro antigo e soprou a capa. A poeira se espalhou pro lados e uma figura dourada apareceu. Ela tossiu e foi para a poltrona de seu avô.
Abriu o livro estranho. A primeira página já foi um impacto pra ela. Ali na ante capa do livro havia um nome de caneta. Um nome de mulher. Era o nome de sua mãe. Elisa...
Esse era o nome de sua mãe, ela sabia disso. Mas aquilo não era um livro, mas sim um diário. O diário de sua mãe!
Elizabeth sentiu o coração bater mais rápido e resolveu ir pro seu quarto, lá ficaria mais segura. Ela foi correndo tão absorta em seus pensamentos que não viu a senhora Claudete no mesmo corredor e acabou dando de frente com ela. Nada aconteceu com Claudete, mas a menina tombou para trás. O diário caiu aos pés da governanta. Elisabeth percebeu e tentou pegar a tempo, mas Claudete foi mais rápida.
- Devolve! - gritou ela se pondo em pé.
- Nossa... que agressividade! Tudo isso por causa de um velho livro? - riu ela examinando a capa do livro.
- Por favor, senhora Claudete, me devolva... - pediu Elisabeth começando a se desesperar.
- Então você acabou encontrando o diário de sua mãe... - ficou surpresa, pois abriu a capa do livro e viu ali o nome dela. - Sabe, eu me lembro dela escrevendo nesse diário...
Elisabeth tentou pegar, mas Claudete levantara o diário para cima.
- Me devolva isso agora! - ordenou ela brava.
Claudete ria maldosamente.
- Não vou dar não... isso serve para a minha proteção aqui nessa casa!
- Como assim?
- Se você dizer alguma coisa sobre mim ao seu avô pode dizer adeus a esse diário!
Elisabeth percebera que a senhora Claudete sabia que ela estava tramando contra ela.
- Eu... eu não vou dizer nada. Eu juro! Agora me devolva, por favor...
- Eu vou te devolver sim, mas não será hoje. Tenha calma, se você me incomodar eu queimo essa porcaria! Você não quer isso, não é? Deve ser as únicas lembranças de sua mãezinha gravada nessas páginas... talvez tenha até descrições de seu paizinho aqui... - debochava ela.
As lágrimas de Elisabeth desciam na face, mas Claudete não se comoveu.
- Agora me dê licença... tenho que ler esse precioso diário... - e saiu rindo pelo corredor.
Elisabeth ficou a tarde toda no quarto se lamentando, e recusou jantar na sala de estar. Seu avô foi vê-la, mas ela não lhe contou nada a respeito de Claudete. Dona Nair trouxe sorvete de morango pra ela, mas a menina nem tocou nele. Dormiu amargurada naquela noite. Mas acordou por causa de uns barulhos lá fora. Elisabeth acendeu o abajur e espiou pelas cortinas achando ser a governanta novamente caminhando entre a sua horta. Mas não viu nenhuma lanterna. A lua cheia em pleno céu iluminava o quintal de uma forma que parecia um cenário fantasmagórico. Ela espremeu bem o seu rosto na vidraça da janela para ver melhor o que estava lá embaixo. De repente um vulto rápido passou perto de sua janela e sumiu lá embaixo. Elisabeth tinha se assustado e apagou a luz do abajur para não ser descoberta. Ela calçou o chinelo de pantufa e abriu a sua janela.
- Tem alguém aí? - perguntou baixinho, achando que seria respondida.
Ela escutou a moita de rosas lá embaixo se mexer e risos sair de lá. A menina achou que fossem os meninos índios que o seu avô falara certa vez. Ela se encheu de coragem e desceu as escadas para investigar lá fora. Abriu a porta bem devagar e saiu pra fora, olhando a sua volta. Ventavam um pouco, as copas das árvores se movimentavam. Elisabeth nunca tinha explorado o quintal à noite, e não sabia por que estava fazendo aquela loucura agora.
- Quem está escondido aí? - perguntou ela parada olhando para o canteiro de flores. Estava pronta para correr de volta caso saísse um menino índio com uma lança nas mãos. - Apareça! Se não vou chamar meu avô! - ameaçou ela.
Novamente risinhos. A garota abaixou e pegou uma pedra, e lançou-na para onde as vozes vinham.
- AI! - gemeu um, pulando longe dali. Elisabeth viu a forma da coisa pulando pro lado.
Era um coelho. Mas um coelho de roupas? O outro coelho saiu atrás do outro aos pulos.
- Calma aí, Teddy... - tentou alcançá-lo, mas o que se chamava Teddy caiu numa armadilha perto da entrada da horta de cenouras da Claudete. A armadilha prendeu o coelho que levou a pedrada na cabeça e disparou um alarme. Elisabeth olhou pra janela de cima e a luz do quarto da governanta acendeu.
- Socorro, Medd! - gritava desesperado o coelho na jaula apertada.
O coelho de cartola vermelha, com as orelhas de fora tentou puxar a cabeça do irmão entre as grades, mas o que conseguia era enforcá-lo. - Pare seu idiota, assim você vai me matar!
- Você vai morrer do mesmo jeito se a velha lhe pegar, seu burro! - discutiam eles.
Elisabeth olhou pra casa e viu que logo a senhora Claudete ia aparecer, e entrou entre eles que ainda discutiam e com a força que usou conseguiu levantar a alavanca da jaula. Mas os coelhos nem percebeu que a jaula estava aberta.
- Você é um ingrato, sabia, seu orelhudo sujo! - falou Medd.
- E você é um comedor de alface seu dente de rato!
Claudete chegou na porta e espiou na direção deles. Elisabeth se abaixou rapidamente e chamou suas atenções.
- Seus coelhos briguentos? A velha vem aí!
Os dois coelhos viraram para a menina que lhe sorria abaixada e depois olhou para a mulher que vinha correndo feito um touro com a lanterna na mão.
- AHHHHHH! - berraram eles em pânico e dispararam a pular abraçados sem sair do lugar.
- Estamos fritos! - disse Teddy, mas Elisabeth os puxou pelas jaquetas e eles rolaram com ela entre a moita alta. Claudete chegou até a jaula pronta para pegar os prisioneiros.
- Onde estão! - vociferou ela, vendo a alavanca levantada. Olhou ao redor desconfiada. - Coelhos não ia conseguir levantar sozinho... com certeza teve ajuda de uma intrometida garotinha!
Elisabeth estava com as duas mãos na boca dos irmãos coelhos, três metros de onde estava Claudete.
- Eu sei que vocês estão por perto seus coelhos de uma figa! - avisou a mulher iluminando o mato com a lanterna. - Também sei que uma menina está fora da cama sem a permissão de seu avô!
Elisabeth destampou as bocas dos coelhos. Ela não teve tempo de se apresentar.
Teddy piscou para o irmão Medd, e ele saltou alto, rindo.
- Sua cara de elefanta! - e Claudete girou o corpo bruscamente pro lado.
- Sua bola de pelos! Vou te esmagar... - gritou ela. Mas o outro coelho foi até ela por trás e lhe lascou uma mordida no traseiro. - UIII!
Elisabeth riu da cena, e Claudete a viu escondida.
- Então você está aí, não é sua pirralha! - e correu para pegá-la. Mas os coelhos pularam em cima de sua cabeça e começaram a dançar.
- Quem conseguir matar mais piolhos ganha uma cenoura da horta! - anunciou Medd, e a governanta uivava de raiva, tentando pegar um dos danados.
Elisabeth rastejou abaixada para longe dali.
- ARRAAA! - comemorou Claudete conseguindo agarrar um coelho pelas orelhas. - O que Achou disso hein pestinha?
Teddy entrou em desespero vendo o irmão sendo apertado pelas mãos da mulher enfurecida.
- Faça uma coisa, Teddy!...
Claudete ria maldosamente.
- Não adianta pedir ajuda ao seu companheiro! Ninguém vai te ajudar seu... - mas ela estava enganada, e Elisabeth estava com a mangueira do jardim apontada pra ela, e Teddy girou a válvula e a água saiu com pressão atingindo a cara da governanta. Ela se desequilibrou ao se proteger do ataque molhado, e Medd escorregou de suas mãos.
- Ai que nojo! Odeio banho à segunda de madrugada! - reclamou o coelho que também foi atingido pela água.
Claudete urrou de ódio feito um trasgo furioso e seu grito foi tão forte que a luz do quarto do avô de Elisabeth acendeu.
- Meu avô! - avisou a menina.
Os coelhos que eram quase da altura de Elisabeth deixou ela no meio e cada um pegou sua mão, sem ela entender, disseram.
- É melhor você se preparar!
- Mas me preparar do queeeeeee?! - ela não teve tempo e estava voando com os coelhos ao seu lado que deram um salto forte. Claudete lá embaixo chamava o senhor Ronaldo. Elisabeth e os coelhos estavam aterrissando rapidamente, e ela começou a gritar.
- Vamos cair e morrer!
- Não se preocupe, nós vamos ficar bem, isso é, eu e meu irmão!
- HAAAAAAA!
Os coelhos soltaram de suas mãos.
- Tente segurar num galho! - gritou Teddy longe dela. Ela estava caindo e não restavam opções. Esticou os braços e agarrou num galho que vergou com seu peso e quebrou. Mas Elisabeth não se machucou, já que caiu sentada num monte de folhas secas.
- Uau! - exclamou Medd chegando perto dela. - Você foi incrível!
Elisabeth ainda não recuperara o susto que teve e levantou tremendo toda.
- Minha nossa! Se eu tive sorte de não me acabar na queda não terei a mesma quando voltar para casa! - revelou preocupada já que seu avô agora sabia que ela estava fora da cama.
Os dois coelhos a olhavam com interesses.
- O que foi? - quis saber qual era curiosidade deles.
- Nós nunca antes havíamos chegado perto de uma humana... - começou Teddy.
- Não sabíamos que existia uma humana boa... aliás, você nos salvou daquela velha! - completou Medd fascinado.
- Bem... não foi nada... - disse a garota sem graça. - Também é a primeira vez que chego perto de dois coelhos falantes. Como vocês podem falar?
Os coelhos se entre olharam.
- Acho que da mesma forma que você pode, né?
Elisabeth escutou lá de longe o grito de seu avô e de dona Nair. Ela ficou assustada.
- Meu avô! Tenho que ir... - lamentou ela.
- Mas já? - decepcionou Medd. - Queríamos mostrar uma coisa bem interessante a você!
Ela queria ir mesmo junto com os coelhos, mas se demorasse muito a encrenca ia piorar.
- Lamento, quem sabe amanhã à noite, hein? Ah, eu me chamo Elisabeth Lisle! - se apresentou.
- Esse é o meu irmão Teddy!
- Esse é Medd, o meu irmão!
Ela sorriu e acenou a eles enquanto corria de volta. Ela não ia comentar nada com seu avô a respeito dos coelhos falantes. Bem, se é que a governanta já não tinha lhe contado.
Claudete estava examinando sua horta, mas achou estranho que os coelhos não pegassem nenhuma cenoura sua. O senhor Taylor estava com outra lanterna, e gritava por sua neta, enquanto Nair torcia o terço nas mãos rezando.
- Elisabeth! - exclamou seu avô quando ela chegou toda assustada em sua direção. Ele abraçou-na fortemente, se aliviando pelo fato de ela estar viva. - Você está bem? Não se machucou, não é?
- Não vovô... eu estou bem... - disse ela.
- Mas que diabo você está fazendo aqui fora? - zangou ele, a levando no seu colo para dentro. Dona Nair lhe sorriu, cobrindo ela com um manto bem aconchegante. Claudete entrou logo depois toda ensopada e suja de terra. Mas não disse nada a respeito dos coelhos. Elisabeth tentava não olhá-la nos olhos, e sabia muito bem o por que.
- Me desculpe vovô, eu pensei ter visto um... um menino índio lá fora e fui ver – mentiu ela.
- Um menino índio? - desconfiou ele.
Dona Nair fazia sinal da cruz nela mesma, com pavor que existissem índios na fazenda. Ela tinha medo deles, porque soubera que índios eram gente feito animais.
Elisabeth sustentou a mentira, e seu avô olhou para Claudete, esperando obter uma resposta mais verdadeira. Claudete tinha nos lábios um sorriso vingativo. O senhor Taylor pediu que Dona Nair fosse deitar.
- Posso ir também vovô? - ela não queria ficar ali com Claudete se vangloriando da situação.
- Não até eu souber da verdade! Diga, Claudete.
Claudete não mentiu e contou que uns coelhos haviam entrado na sua horta e que um deles acionou a armadilha... mas que Elisabeth veio e o soltou. O senhor Taylor estava chocado com o acontecido... olhava para a neta como se ela tivesse feito a pior coisa do mundo.
- ... e então eles a levaram para lá, senhor Taylor... e se não fosse pelo senhor ter chegado a tempo só Deus sabe o que teria acontecido com ela! Os coelhos estavam muito furiosos!
- Mentirosa! - defendeu Elisabeth os coelhos. - Vovô, Claudete é uma mulher má, e está tramando algo contra o senhor! Sim, eu a escutei ontem conversando com aquele homem que tinha um tapa-olho e ela engana o senhor dizendo não gostar de chocolate, mas ela come bombons escondida! - a revelou rapidamente, para o avô não a interromper.
O senhor Ronaldo Taylor ficou mais perplexo ainda com as palavras sobre chocolate em sua casa.
- Mas que mentira! - se revoltou Claudete na defensiva. - De onde você tirou isso?
Elisabeth sorriu.
- Se quiser eu mostro onde você esconde a caixa de chocolate.
A governanta tentou se acalmar, mas estava muito perturbada, e gaguejava de medo.
- O senhor... o senhor não vai dar ouvidos a essa mentira escandalosa, não é?
Elisabeth puxava o braço do avô para acompanhá-la.
- Eu juro vovô! Venha ver pessoalmente... - o velho sem saber o que falar aceitou ser conduzido por sua neta que ia à frente. Claudete tentava em vão o fazer desistir.
- Eu não posso acreditar que o senhor vai dar ouvido a isso, senhor Taylor! Sou uma pessoa fiel e cumpro os meus deveres...
Eles chegaram até a porta fechado do quarto de Claudete.
- Abre a porta, Claudete... - Elisabeth pediu a vendo entrar em desespero.
- Isso não pode estar acontecendo... - recusava ela, mas o senhor Taylor lhe pediu.
- Abra a porta, senhora Claudete. - Ela o olhou indignada, mas abriu logo em seguida com a sua chave. Elisabeth levou seu avô até onde estava a caixa de bombons.
- É aqui vovô, pode abrir... - ofereceu a neta com o coração a mil de felicidade. Agora queria ver a cara da governanta.
O senhor Taylor abriu para acabar logo com aquela confusão e encontrou a caixa de madeira com uma folha apenas. Ele verificou a caixa e nada de chocolate ali.
- Mas onde estão os chocolates, Elisabeth? - encarou sua neta que perdia o sorriso no rosto.
Ela procurou pelos bombons, mas nem o cheiro deles havia na caixa.
- Mas estavam aqui! Eu juro vovô! - começou a explicar. - Claudete deve ter escondido em outro lugar! Temos que procurar...
O senhor Taylor se levantou com um olhar muito decepcionado à ela. Claudete lhe sorriu maliciosamente, mas disfarçou quando o olhar do seu patrão encontrou os seus.
- Senhora Claudete, eu...
- Não se preocupe senhor Taylor... - ela tratou logo de poupá-lo a se desculpar. Ela pegou a folha na caixa e lhe informou. - Veja. Aqui está o resultado do último exame sobre minha diabete, isso prova que não posso comer nada que contém muito açúcar... e o senhor sabe que não como chocolate.
- Ela está mentindo vovô! Não acredite nela! - gritou Elisabeth.
- Chega! - repreendeu ele lhe segurando pelo seu braço com força. - Você mentiu para incriminar a senhora Claudete... e eu fui um tolo a dar ouvidos a você, sua mentirosa!
Elisabeth começou a chorar. Claudete tentou acalmá-lo.
- Por favor, senhor Taylor... eu não estou mais zangada com a pobre menina... mas esse comportamento se iniciou depois que entramos na época da Páscoa.
- Eu sei, eu sei! Isso é tudo minha culpa! - confirmou ele sério. - Mas talvez há tempo de concertar as coisas.
Elisabeth olhou para ele e perguntou com medo.
- O que o senhor vai fazer comigo?
Ele soltou o seu braço e fez sinal para Claudete a levar para o seu quarto. A menina gritou tentando se livrar das mãos da governanta, enquanto ela ia sendo arrastada para o seu quarto.
- Eu não quero ir... eu não vou sair daqui! - protestava Elisabeth aos berros no corredor.
Claudete ria e falava bem próxima ao seu ouvido.
- Você não tem escolha, sua pirralha! Você vai para o colégio interno e quando chegar aqui terá uma terrível surpresa! - ela jogou Elisabeth para dentro do quarto e trancou a porta, gargalhando de maldade.
Elisabeth Lisle bateu na porta até se cansar, mas ela não sabia que no teto acima dela estava acontecendo algo bem diferente.
|