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Dona Marlene, Mulher de Verdade
Adrienne Kátia Savazoni Morelato

Dona Marlene, Mulher de verdade

Quem via o marido de Dona Marlene todo imponente vereador de Franco da Rocha não imaginava que sua mulher ficava horas engomando a sua roupa nem imaginava o quanto ela se desgastava, o quanto ficava suja e cansada para ele ficar majestoso e altivo a discursar no púpito da Câmara. Dona Marlene uma mulher comum como tantas outras vivia atrás da figura do marido, essa sim uma figura agraciada e reverenciada pela sociedade e pelo mundo público. Como tantas mulheres, dona Marlene aprendeu a sofrer sem reclamar, a agir nos bastidores, a falar pouco, a se anular pela família, pelo marido e pelos filhos. Seu único espaço de ação permitido era a casa, lugar destinado à mulher, e seu único palco era a cozinha onde podia dizer e se expressar através dos pratos suculentos e saborosos que preparava. Enquanto o marido soltava fogos com toda imprensa para o jogo profissional do time que presidia; o Flamengo, dona Marlene lavava todos os uniformes dos jogadores, suas camisas suadas e por isso nada recebia, nem muito obrigado. Dificilmente, dona Marlene será lembrada pelo Flamengo com uma homenagem enraizada numa placa em seu nome, mas quando seu marido entregou todo seu patrimônio para que o clube crescesse, ela também estava entregando-o. Não deixa de ser igual o seu destino com o destino de tantas outras mulheres que fazem história mas a história não as registra, não as coloca em nenhum verbete de um livro ou em nenhuma folha de jornal porque simplesmente quem a escreve são os homens, mas não porque essas mulheres não as fazem. Diferentemente do marido, dona Marlene nunca foi convidada para falar no rádio, para dar uma entrevista, nunca teve uma página em sua homenagem no jornal, nunca foi lembrada com uma placa de cidadã franco-rochense. A única vez que foi convidada para falar em público foi para uma turma de magistério. Dona Marlene tremia e falava baixinho porque nunca antes alguém pediu para ela falar, contar a sua versão da história. Foi nessa ocasião que eu descobri que o seu sonho de menina era se tornar professora, era fazer o magistério, algo que se tornou impossível com o casamento. Mas quando o marido perdeu tudo que tinha, foi Dona Marlene que arregaçou as mangas e saiu de casa para trabalhar como cozinheira no hospital Emílio Ribas com a finalidade de sustentar e cuidar de seus filhos, porém não existia nenhum jornalista, nenhum historiador ou escritor que pudesse registrar a dura luta de Dona Marlene para criar e sustentar os seus filhos. Ninguém viu ou contou quantas coxinhas e tantos outros salgadinhos resolveu fazer fora o horário do trabalho, também na cozinha, para que suas filhas pudessem realizar o que ela não pôde, estudar magistério para serem professoras, terem uma profissão. Ninguém anotou em um livro o seu conselho: o melhor marido da mulher é o seu emprego. Mas por ironia do destino era na cozinha, exatamente nela, que Dona Marlene se realizava, se tornava única e inesquecível. Seus pratos, tipicamente familiar e caseiro, eram saborossímos porque antes de tudo eram feitos com amor. Coxinhas, quibes, risoles, pão de queijo, empadinhas, esfihas, charuto, balas de coco, bolo, feijoada, pão ou mesmo uma comida caseira, tudo que ela colocava a mão você sentia um diferencial na qualidade, no sabor, no cheiro. Dona Marlene falava com nós pelo sentidos e geralmente nos deixava calados, de boca cheia. Que delícia! Era a última palavra que conseguiamos dizer depois de provar os seus quitudes. Mas ninguém imaginava que muitas vezes à 5:00 da manhã ela já estava acordada para fazê-los. Sempre acordando cedo, sempre trabalhando, sempre cozinhando. A cozinha, seu livro, a comida a sua arte. Sua recompensa e seu reconhecimento Dona Marlene conseguia na expressão de prazer que a pessoas faziam quando abriam a boca e provavam suas obras-primas. Sem esquecer por exemplo quando trabalhava no Juquery e sendo chefe da cozinha central vinha um doente beijar-lhe a sua mão e agradecer por aquele momento maravilhoso que ela havia proporcionado através de seus pratos. Dona Marlene, cozinheira de mão cheia, mas também mãe dedicada e vó carinhosa, ninguém aplaudiu ou reverenciou os seus feitos, porque diferentemente do marido, ela não construiu uma praça ou fez uma rua, não, seu legado está nas pessoas para quem ela dedicou sua vida, seja no trabalho, seja na família. Seu maior feito está simplesmente no cuidar do ser humano, igual a tantas mulheres que se dedicam e se anulam às pessoas, coisa que a história nossa não conta porque o humano perdeu significado frente aos objetos, porque a vida perdeu o sentido frente ao egoismo. Mas que deveriam ser lembradas para que as pudessem aprender como amar.


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