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O OBJETO
O OBJETO
LLEAL

Resumo:
O inesperado.

Conseguir. Essa era a única informação que minha mente produzia.
O encontro aconteceu na frente do restaurante, ela sorridente e jovial, eu sério e com a mão enfiada no bolso, tentando ocultar o objeto que trouxera.
Imediatamente, como sempre fora seu comportamento habitual, com liberdade, ela pegou em meu braço e foi guiando-me para a direita, ao longo de um caminho com mesas que pareciam terem sido ocupadas recentemente, até chegarmos ao fundo do restaurante, onde um garçon, mais ou menos da minha idade, estava aguardando.
“Ele estava esperando por nós?”; perguntei ingenuamente e ela me respondeu ampliando o sorriso, destacando contra a luz ambiente seus ossos malares bem delineados, enquanto eu o observava afastar as cadeiras para que tomasse-mos lugar á mesa.
Passado algum tempo, observei que ela não mudara em sua maneira de ser, sempre que falava, gesticulava para dar mais ênfase ao que dizia, e não pude deixar de notar o enorme anel no dedo médio da mão esquerda.
Antes de baixar os olhos para meu colo e examinar o que eu, dissimuladamente carregava, presumi que sua aliança era muito mais um capricho do que um compromisso propriamente dito.
Não percebi que o garçon estava falando conosco até que levantei a vista e vi que ambos olhavam em minha direção, na expectativa de uma resposta.
“Vinho branco?”; perguntou ela, como se estivesse repetindo a pergunta
Olhei para o garçon, implorando por ajuda, mas ele permaneceu impassivel, até que consegui extrair algum som da garganta.
“Sim, por favor”; murmurei, nervoso, enxugando as palmas úmidas sobre a protuberância, que esperava que nenhum deles tivesse percebido, na minha calça
Assim que ele afastou-se, ela pousou os olhos sobre mim, enquanto eu espremia o objeto de encontro a perna, e perguntou, sem cerimônias, o que eu mais temia:
“Você continua solteiro?”
Não ousei responder diretamente e dando de ombros eu disse:
“Todos nós somos casados de alguma forma. Alguns com a natureza, outros com a música e assim por diante.”
Antes que ela pudesse oferecer sua resposta, o garçon retornou e com espantosa rapidez, como se tivesse sido instruido para agir desta maneira, deixou a garrafa de vinho branco sobre a mesa, e sem mais se foi.
Como forma de ganhar tempo, sentindo a mancha de umidade em minhas costas aumentar, enchi as taças que estavam sobre a mesa, ofereci-lhe um brinde e sorvi o vinho vagarosamente, recostando-me na cadeira, com a vista baixa, incapaz de afastar os olhos do volume.
“Muito espirituosa a sua resposta.”; disse ela, depois de deixar passar alguns minutos
Levantei os olhos e olhei-a como quem nunca ouvira esta frase antes e sorrindo amargamente aproximei-me um pouco mais, até que ela não pode mais evitar o meu olhar, mas “a grande dama” não pestanejou uma vez sequer, então resolvi colocar de lado aquela questão e voltei a posição anterior, sabedor de que caso me envolvesse em debates desta natureza meu plano não funcionaria.
Ela, parecendo estar pensando no que dizer, juntou as mãos, esticou os dedos e ficou a bater uns contra os outros.
Forcei um sorriso, sem muito entusiasmo e mantendo agora o volume firmemente apertado por sobre a calça, perguntei:
“Você sabe o motivo pelo qual convidei-a para almoçar, certo?”
“Na verdade apenas imagino”; ela disse, sacudindo a cabeça
Com o coração aos pulos, imaginando que minha camisa trocara de branco para a cor marrom, da maneira mais discreta possivel, enquanto ouvia minha mente gritar “Cuidado!”, coloquei a mão dentro do bolso, apertei a superficie fria do objeto e senti-me um pouco melhor
Virei-me e olhei para trás, para dentro do restaurante elegantemente mobiliado, como se estivesse admirando as paredes de cores claras e as estatuetas de metal, mas na verdade queria me certificar de que não havia ninguem por perto.
“Não entendo você, ás vezes, o que gostaria de me dizer?”; continuou ela, mais amável, olhando-me de modo estranho
Balancei a cabeça, como se estivesse concordando e sorrateiramente, retirei o objeto de dentro do bolso da calça, colocando-o no colo. Não lhe daria chance de argumentar, agiria da forma como durante tanto tempo, pensara, planejara e até ensaiara, nas solitárias noites de minha casa vazia de sentimentos.
Ela pareceu ter percebido algo no ar e olhou-me com a testa franzida, os olhos muito verdes a refletirem preocupação e ambos nos viramos ao mesmo tempo, como se houvesse-mos combinado faze-lo e vimos que o garçon continuava distante.
Estavamos completamente a sós e eu sabia exatamente como agir.
Sem esperar mais, passei das palavras para a ação e sem pestanejar, fiz minha mão voar e o objeto de meu colo pareceu materializar-se sobre a mesa, já aberto, gritantemente exposto aos seus olhos.
Ela abriu a boca de espanto e instintivamente sua mão tocou o cacho branco, que se misturava ao cabelo escuro, sem poder dizer coisa alguma e pude ver que seu rosto ficara branco como cera.
Eu estava ao seu lado, portanto preparado, e mesmo com o suor encharcando-me a testa estava atento para qualquer movimento, mas este não aconteceu.
Continuei aguardado uma reação, qualquer que fosse, mas não houve reação alguma, ela permanecia imóvel, muito ereta, os olhos verdes fantasticamente arregalados, como se a visão daquele ser inanimado de repente tivesse o poder de petrifica-la.
“Fernanda, você esta bem?”; perguntei tentanto quebrar a imobilidade de seu comportamente inesperado e ouvi um suave - “Sim” - abafado em meio a sons que deduzi eram uma fraca tentativa de formar frases.
Era óbvio que eu a apanhara de surpresa.
Agora eu mal podia ouvi-la. Curvei-me para frente, chegando quase a encostar meu rosto ao dela.
“Supresa?”; perguntei, ansioso, irrefreável, parecendo mais um garotinho em busca do dinheiro da mesada
Ela deixou-se cair para trás, sobre o encosto marrom da cadeira, suas pernas deslizaram para a frente, até que seus joelhos, sugestivamente, quase tocaram os meus.
“Si...Sim.”; balbucinou, parecendo não estar muito certa de onde estava ou de quem era, os olhos, no rosto iluminado pela paixão interior, presos no objeto
Ri diante de suas palavras, um riso contido, como se tivesse sido aliviado por ter finalmente descortinado meu segredo, depois de tanto tempo e ela, quebrando o encantamento que mantivera suas reações paralisadas até este momento, levou a mão direita até o dedo em que mantinha o anel, retirou-o, colocando-o de lado, como se já tivesse perdido a sua utilidade, esticou a mesma mão até o objeto que eu trouxera, retirou a aliança de casamento que havia em seu interior e solenemente, mesmo sem a pergunta, colocou-a no dedo anular e disse:
“Sim...aceito”; ela disse, certificando as palavras com um gesto de cabeça
Balancei a cabeça em sinal afirmativo, e sem virar o rosto levantei o braço esquerdo, mostrando-lhe que o par da aliança que lhe oferecia já estava colocado em minha mão.
Estavamos casados.
A expressão de intensa paixão foi a última coisa que vi, antes de me desculpar, pedir para ausentar-me por alguns minutos e afastar-me, certificando-me que minha cabeça permanecia erguida com orgulho.
Mas quando fechei a porta do banheiro, com calma, atrás de mim corri até perto da pia e tremendo, ergui as mãos para o o teto branco e agradeci aos céus.
“Conseguira”.


Este texto é administrado por: luis carlos binotto leal
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