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O HOTEL
O HOTEL
LLEAL

Resumo:
Uma longa noite.

O porteiro olhou para ela de alto a baixo, com a cara transformada em uma interrogação do tipo –“O que essa menina riquinha esta fazendo aqui?”
Ele usava óculos de lentes grossas com hastes de plástico que mal chegavam ás orelhas e seu rosto era vermelho, gordo e com um labirinto de rugas em volta dos olhos. O cabelo, crespo e grisalho, pintado de marrom, parecia não ser lavado há uma semana. A camisa era xadrez preto e vermelho, mais suja do que o cabelo.
Depois que ele terminou o exame visual e ela o seu, ficaram olhando um para o outro por uma eternidade, até que, finalmente ele fez um gesto afirmativo com a cabeça, murmurrou alguma coisa e lhe estendeu a chave com uma etiqueta pendurada.
Ela subiu os dois andares das escadas bolorentas com a testa franzida e ao chegar á porta do quarto com o número 43, parou, baixou os olhos para a chave enferrujada e depois de certificar-se de que estava no local certo, ergueu o rosto, abriu a porta e entrando, encontrou-se em um recinto escuro.
Fazendo um esforço corajoso, ela avançou alguns passos, apalpou a parede e acendeu uma luz amarelada, que a fez pestanejar e estremecer.
Ela observou que estava no interior de um pequeno quarto limitado por paredes mal pintadas e extremamente baixas que conduziam a um teto que parecia não ter vigas e nas paredes, penduradas umas sobre as outras, encontravam-se algumas coisas que pareciam ter a intenção de serem quadros, das mais variadas cores e formas.
Cautelosa, fechou a porta e sem largar a bolsa de equipamentos que mantinha presa junto ao ombro, girou a chave três vezes e assim que se sentiu trancada, na ponta dos pés, como se o assoalho de madeira apodrecida fosse ceder ao peso de suas passadas, arriscou andar mais alguns passos em direção à cama.
A meio caminho a luz repentinamente desapareceu então ela parou, petrificada, e o medo imediatamente subiu-lhe a garganta.
Completamente imóvel, ela viu um mundo desconhecido, cheio de escuridão diante dos olhos e sentiu um repentino tremor em suas pernas fortes.
De repente, fazendo com quase soltasse um grito, ela ouviu um ruido baixo e veloz, como se fosse alguem arranhando as paredes ou o assoalho e no instante seguinte, vozes misturadas a sons impossíveis de serem identificados, vindos do lado de fora, penetraram seus ouvidos.
Hipnotizada pelos diferentes barulhos, ela permaneceu na mesma posição, lutando contra o pânico que ameaçava tomar conta de sua mente, então os gritos, a risada selvagem, os barulhos e a voz de alguém que desesperadamente gritava pela mãe, desapareceram tão rápido quanto surgiram, como se tivessem sido engolidos pelas trevas.
No escuro, lamentando não ter trazido algum analgésico para acabar com o latejar que sentia atrás dos olhos, Karolina completou os passos que faltavam para chegar até a cama e tentou por em prática os três pensamentos que estavam formados em sua mente: esquecer o local onde estava, deitar e dormir.
Assim pensando, obrigou as mãos a percorrerem a cama, achou e ajeitou o primeiro travesseiro, pegou o segundo para arrumar, mas ao ouvir o ruído, seco, aranhado, pela segunda vez, deixou-o escorregar das mãos e ficou parada, ereta, cada músculo retesado com tensão, escutando, então quando sentiu que as lágrimas começavam a brotar-lhe dos olhos, apertou-os o mais forte que pode.
A lembrança de notícias em jornais sobre assaltos, assassinatos e outras formas de violência dirigidas a hóspedes se retorcia lentamente dentro dela, recusando-se a ir embora e o medo que retornara junto com a queda de energia, deixando o hotel completamente sem luzes e escurecendo as luzes piscantes da rua vazia, só estava piorando a situação.
“Qualquer que seja a origem deste barulho, o perigo é muito mais real do que eu jamais imaginei que fosse possivel, e apenas isto já me basta.”; ela pensou, depois de xingar baixinho, esfregando os olhos, como se quissesse apagar as notícias dos jornais, tão logo o arrepio chegou á seus pés, despois de percorrer-lhe o corpo inteiro
Desorientada, obrigando os olhos a abrirem-se, ela decidiu afastar-se daquele som apavorante indo para a sala, mas seus pés mal haviam percorrido alguns miseros centímetros quando uma porta, em algum lugar, no mesmo andar em que estava bateu, com força.
Assustada, sentindo a cabeça meio leve, ela recuou o passo dado anteriormente, obrigando o corpo a retornar a posição original, ao lado da cama, no quarto de hotel de baixa categoria onde estava hospedada e assim ficou, espreitando a negritude do ambiente.
Karolina ouviu vozes, sussuradas, muito distantes, disconectadas e então passos vieram subindo rapidamente pela escada, no sentido da porta do quarto onde estava.
Aterrorizada e com a mente produzindo sensações caóticas, incapaz de lembrar se trancara a enorme fechadura de ferro da porta, ela sugou o ar com força, trancou-o dentro dos pulmões e continuou parada, quieta, o corpo inteiro tremendo com histeria contida, sentindo o ritmo da própria respiração, contando as batidas do coração, mas depois de longos segundos as passadas fortes e as vozes afastaram-se, permitindo que o ar aprisionado no peito se soltasse, ruidosamente.
O suor começou a correr pelas costas de Karolina e por sua testa, em gotas cada vez maiores, e ela tornou a fechar os olhos, apertando-os com os dedos, tentando ignorar o medo que sentia, mas as notícias dos jornais do dia que se recusava a nascer, dançavam em sua mente:
“Esquiadora brutalmente assassinada em quarto de hotel é encontrada...”
A total falta de quartos disponiveis em hotéis, naquela época do ano, para os jogos de inverno forçara a situação, obrigando-a a deslocar-se até aquele bairro extremamente perigoso e sem outra alternativa, decidira passar a noite ali.
“Ao menos, vou poder dormir”; lembrou de ter dito para o homem, na portaria do hotel, antes de regitrar-se
Passados alguns outros segundos, quebrando a imobilidade e a terrivel sensação de claustrofobia que a assaltava e antes que a histeria a dominasse, com um gesto irritado ela empurrou os cabelos para trás das orelhas, passou as mãos pelo rosto e lembrou, deixando pela primeira vez naquela noite escapar um sorriso leve, que estava em segurança, literalmente trancada no quarto e completamente desperta.
Um pouco mais calma, respirando em pequenos arquejos, ela cedeu às pernas bambas e sentou-se na beira da cama, sentindo que a exaustão, provocada pelas próprias emoções, mais e mais começava a tomar conta de seu corpo, trazendo junto um leve enevoar dos olhos, então após girar a cabeça dolorida sobre o pescoço dolorido, como se estivesse espantando a pressão, mexeu os ombros, para exercitar os músculos parcialmente dormentes, e de repente, impelida por uma nova onda de pânico, pulou para fora da cama, dando tapas no ar.
A compreensão veio de imediato.
O barulho como se fosse uma espécie de tortura aplicada com conta gotas voltara.
O terror dominou-a, deixando-a com as costas rigidas, paralisando seus pensamentos, enfraquecendo sua determinação e ela foi lançada de volta a aura de perigo brutal e violência aterradora que pairava no ar.
Sua boca ficou seca. A garganta, involuntariamente, soltou um gemido baixo e sentindo o estômago se contorcer, ela comprimiu a mão contra os lábios, impedindo os dentes de continuarem a bater e tão logo conseguiu, se remexeu, coçou a nuca, tomou um ar pensativo e num movimento rápido jogou-se de volta na cama e enfiou a cabeça debaixo do travesseiro, decidida a ficar ali sem se mexer até amanhecer.
Imóvel sobre a cama, apertando os punhos com tal força que as unhas penetraram nas palmas, sentindo o coração martelar em suas costelas, parecendo estar cutucando-a, ela esperou, esperou e esperou até que, com renovada coragem, respirou fundo quatro vezes, jogou o travesseiro contra a parede, levantou a cabeça, estreitou os olhos com determinação e ficou a escutar.
Acompanhando seus movimentos, o barulho se manifestou novamente, parecendo estar rindo dela, como um espirito maligno.
Enfurecida, entendendo que não tinha escolha, ouvindo o coração a trovejar nos ouvidos, percebendo os ossos vibrarem sob os músculos tensos de esquiadora, ela arreganhou os dentes, grunhiu alguma coisa e num salto se colocou de pé, recuperada com nervosa energia, espumando de raiva, os punhos cerrados, tentando orientar-se em meio á escuridão e pronta para lutar por sua vida.
Freneticamente, parecendo abandonar a ideia de usar as mãos nuas, enfiou-as nos bolsos do abrigo de esportista que estava usando, e ali encontrou um pequeno objeto de metal.
Tirou-o e para sua alegria viu que era um canivete.
Sem pestanejar, abriu-o, colocou-o firmemente entre as duas mãos e ficou ali, de pé, com as pernas entreabertas, em franca posição de ataque, prestes a perder o controle da realidade, mas disposta a resistir até a morte.
O problema é que não sabia o que fazer com este sentimento.
O ruido estava ali, mas invisível, então a quem atacaria?
Ela sacudiu a cabeça, os músculos retesando-se em seus braços, pernas e pescoço, e gritou, desafiante, com os olhos cheios de um medo selvagem:
“Apareça e lute como um homem!”
Inesperadamente, parecendo aceitar o desafio, o quarto explodiu em absurda claridade amarelada.
A energia elétrica fora restaurada, ela rapidamente deduziu, enquanto esfregava os olhos cansados, tentando apagar os pontinhos negros de sua visão.
Tão logo terminou o pensamento, o barulho repetiu-se, em algum ponto do quarto, às suas costas, de maneira rápida, furtiva.
Rapidamente ela virou-se naquela direção, piscou com força e fixou o olhar no ponto de onde o ruído surgira, o rosto suado, os olhos negros muito brilhantes, os cabelos que caíam, emaranhados, sobre a testa pequena e então sentiu o queixo cair.
De repente, o riso brotou dela, numa corrente de histeria cascateante.
Ali, diante dos olhos de Karolina, deixando-a completamente sem graça, um ratinho, corria e parava, muito próximo a parede e voltava a correr e parar, arranhando, com as garras pequenas, o piso de madeira do quarto.
Karolina, sentindo que alguma coisa afrouxava em volta de seu coração, respirou fundo e depois soltou o ar dizendo em voz alta para o quarto vazio:
“Realmente, hotéis baratos e descanso, não combinam.”
Sem desperdiçar um único segundo, ela jogou-se na cama, fechou os olhos e adormeceu.


Este texto é administrado por: luis carlos binotto leal
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