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O PLANO
O PLANO
LLEAL

Resumo:
Nem tão bem calculado.

Passei a noite toda andando de um lado para outro do quarto, remoendo cada detalhe.
Conclusão: Tudo certo.
Agora não havia mais nada a ser feito e percebi que havia muito mais de fascínio do que prazer em minha ação, criteriosamente estudada e jamais me passou pela cabeça falhar, especialmente depois dos filmes que assistira na televisão. O plano era, sem falsa modéstia, simplesmente perfeito.
Dia após dia, eu só esperava pelo momento de invadir aquele banco e pegar o que era meu por direito e desta vez sem nenhuma dúvida para me confundir, mesmo assim, algo que não sabia dizer exatamente o que, me incomodava.
Enquanto calçava as luvas negras, pensei:
Esqueci alguma coisa?
O quebra-cabeça, ou seja, o plano estava triplamente verificado e já dava para ver a montanha de cédulas bem a minha frente, mas parecia faltar uma peça fundamental, que estragava o efeito do todo.
Talvez a máscara? Ao invés de ir mascarado de caveira deveria ir fantasiado de zorro? Ou seria a pistola automática? Talvez devesse invadir o banco carregando uma bazuca?
Tentei esquecer a sensação gelada nas espinha e me concentrar mais, talvez eu estivesse simplesmente sobrecarregado de informações. A invasão, o roubo, a fuga, o dinheiro.
“Informações demais”; sussurei para a casa silenciosa
Tornei a sentar na poltrona de tom cinza escuro e cochilei, não sei por quanto tempo, pois na última semana meu relógio voara para a loja de penhores.
Percebi que estava um pouco cansado, mas era óbvio que estivesse. O ritmo acelerado dos últimos dias me abalara.
Sem perder tempo, fui até o banheiro, olhei no espelho e vi que estava com olheiras, abatido e pálido como uma vela branca em um altar, ainda assim fiz um grande esforço para aparentar ânimo.
Dando ás costas para o espelho, retornei à sala, peguei a jaqueta, acomodei a arma na cintura, enfiei a máscara de caveira no bolso da calça marrom que vestira, expulsei o pensamento incomodo de que estava esquecendo algo e me encaminhei para a rua, sem olhar para trás.
Chegando ao banco, um dos guardas, tão logo atravessei a porta de entrada, veio em minha direção e colocando-se a uma distância na qual eu conseguia ouvir-lhe a respiração, me olhou de cima a baixo por debaixo do boné azul com os dizeres “segurança” e espremendo as sobrancelhas, perguntou:
“Esqueceu algo ou se trata de uma visita Fernando?”
Esperando aparentar tranquilidade, respondi:
“Hoje eu sou um cliente, Jorge. Digamos que vim sacar algum dinheiro”.
Poucos minutos depois eu estava folgadamente sentado em frente ao gerente, no caso meu chefe, na sala de paredes cinzentas que eu limpara pela última década inteira.
Sem explicações, deixei minha jaqueta entreaberta para que não houvesse dúvidas de que estava armado e era perigoso.
Ele olhou para mim como se não estivesse me vendo, na verdade da mesma forma que fizera durante os dez anos em que eu trabalhara como faxineiro no banco e enquanto com uma mão segurava o telefone de côr combinando com as paredes junto ao ouvido, levantava um dedo da outra, calejada de contar dinheiro, pedindo-me que aguardasse um minuto.
Enquanto esperava, fui aproximando minha mão, meio hesitante, e toquei a coronha fria da arma.
Depois de um minuto, ao mesmo tempo em que tapava o bocal do telefone, ele disse:
“Fernando! Que bom vê-lo em seu dia de folga. Esqueceu algo aqui no banco?”
Em sinistra combinação minha respiração e coração pararam.
Ele dissera meu nome, ou seja, eu estava sem a máscara!
Com seus olhos sobre mim, aguardando por uma resposta, finalmente consegui recuperar a respiração e sentindo o corção bater fraco e indeciso consegui dizer:
“Bem, sim, digo, não, bem, digamos que vim buscar algo”
Ele alteou uma das sobrancelhas na face redonda transformada em interrogação e falou:
“Claro Fernando, fique a vontade, apenas tome cuidado com as mãos.”
A frase me paralisou. Sem pensar fechei a jaqueta e enfiei as duas mãos nos bolsos para que ele não as visse tremerem.
Percebi que meu coração adotara um novo ritmo. Passara a dar pulos incontroláveis.
Pensei: Ele vira a arma ou não?
Como se tivesse notado a aflição que tomara conta de minha mente, deixando um sorriso zombeteiro dançar em seus lábios finos e tortos, ele disse:
“Algumas partes da sala foram pintadas hoje. Você pode se sujar de tinta e nem perceber.”
Devolvi-lhe o sorriso e sei que pareceu o sorriso de um retardado.
O sorriso dele se alargou e eu tirei as mãos do bolso novamente, abri a jaqueta um pouco mais e voltei a colocar a mão sobre a arma, deixando-a bem a mostra, numa sequência perfeita, como vira num filme.
Seus olhos captaram a imagem da pistola em minha cintura e então, lentamente, muito lentamente, como se não quisesse acreditar, pousou o telefone suavemente sobre a mesa, deixando a voz do outro lado a falar sozinha, depois colocou as duas mãos sobre a mesa e como num passe de mágica fez o sorriso sumir.
“Quero dez mil reais. Agora!”; eu disse, imitando a voz do bandido da televisão.
“Estou falando sério”; acrescentei, apenas para não deixar dúvidas.
Sérgio – esse era seu nome – parecendo repentinamento tomado pelo pânico, engoliu em seco algumas vezes, apertou o botão verde no lado direito da mesa e executando seu segundo passe de mágica naquele dia, fez com que Cristina, outra funcionária do banco, se materializa-se no lado esquerdo da mesa.
Ele torceu a cabeça, fazendo uma careta engraçada, ergueu o olho esquerdo para ela e mantendo o direito sobre mim, com voz assustada, disse:
“Ele quer dez mil reais!”
Cristina, afastou os cabelos, deixando ver as incontáveis espinhas que lhe enfeitavam o rosto magro, parecendo um céu cheio de estrelas, balançou de leve a cabeça, fitou-me por vários segundos, parecendo estar decidindo se devia dizer alguma coisa ou não, até que finalmente cedeu a pressão dos três olhos, dois meus e um de Sérgio, e disse:
“Eu não esperava por você hoje.”
De certa forma, senti que ela estava me gozando. Seus olhos agora brilhavam de uma maneira que eu já conhecia muito bem.
Tamborilei o queixo por alguns segundos e resolvi avançar para a etapa dois do plano.
Levantei-me num pulo, saquei a arma e fazendo um movimento circular, da direita para a esquerda, apontei a pistola os dois ao mesmo tempo, dando-lhes a entender que não tinha preferência em quem atirar primeiro.
Sérgio, sem mover as mãos que pareciam estarem pregadas na mesa, desviou o olho que me vigiava e focou os dois sobre ela.
Como se um código secreto tivesse sido digitado em sua mente e dado inicio ao processo de movimentação, ela falou:
“Não entendo, mas acalme-se. Volto com o dinheiro em cinco minutos”.
Como confirmação, inchei o peito, espremi os olhos como os de um gato, e disse:
“Fale com alguém e ele morre”.
Parecendo mais surpresa do que resignada, ela afastou o cabelo da testa, girou o corpo e desapareceu.
“Fernando, em minha opinião...”; começou ele, mas eu já sabia que tentaria demover-me, estava preparado.
Dei um passo para trás, interrompendo-o e apontei a pistola diretamente para sua fronte larga, bem no meio das sobrancelhas cheias e tanto seu bigode quanto a barba de sua face eriçaram-se quando eu falei, aumentando o tom de voz nas últimas palavras:
“Você teve sua chance, uma semana atrás, agora é tarde demais, quero o dinheiro”
De repente me lembrei que estava sem a máscara. Rapidamente tirei-a do bolso e sem desviar a pistola, usando a mão esquerda, coloquei-a.
A etapa três do plano estava em andamento.
Tão logo terminei de colocar a máscara, o gerente, com a face cada vez mais branca, conseguiu dar vida ás mãos e as torceu nervosamente enquanto seus olhos flutuavam entre minha face mascarada e o telefone.
A assistente retornou em três, talvez quatro minutos - que transcorreram como se fossem dias - e antes que ela fechasse a porta pela qual entrara e colocasse o pacote de notas em cima da mesa, pude ouvir o burburinho de gente do lado de fora da sala, alguns conversando, outros reclamando e entre esses, nitidamente, o som que se tornara familiar para mim durante os anos e que tanto me encantava: o monótono ruído da máquina de contar cédulas.
Quebrando o silêncio que se instalara, o gerente, interrompendo o exercício de torção das mãos, apanhou e colocou num saco de papel o pacote de dinheiro e inclinando-se á frente, sem levantar da cadeira, estendeu-me o valioso embrulho.
Sem pestanejar, ofegante - a máscara não me deixava respirar direito – apanhei-o com a mão esquerda e sentindo o gosto do triunfo na boca ao mesmo tempo em que a sensação de frio nas costas aumentava, voltei a fazer a pistola desfilar em círculo e falei:
“Agora, não se movam até eu saia ou atiro”
Ela permaneceu em pé, parada ali ao lado da mesa, como se fosse uma régua de tão rígida e ele recostou-se na cadeira, cruzou os braços e assentiu com a cabeça, sem sorrir.
Reunindo cada fragmento de coragem que ainda tinha disponível dentro de mim, preparei-me para dar inicio a etapa quatro do plano, ou seja, desaparecer.
Respirei fundo, sacudi a cabeça e assim que meus pensamentos pararam de rodar, - todos aqueles acontecimentos eram tão bizarros e irreais em meus pacatos dias de faxineiro - dei outro pulo para trás, sorri por detrás da máscara e por um instante me esqueci dos reféns.
“Consegui”; gritei em pensamento, mas meu grito silencioso, foi sufocado pelo pensamento que desde o primeiro momento assombrava minha mente.
A peça do quebra-cabeça que continuava sem ser encaixada.
“O que seria?”
“O que estaria esquecendo?”; perguntei, esperando que meu cérebro encontrasse a resposta por si mesmo.
Nenhuma resposta.
Voltei a atenção para ambos, que aguardavam com olhares que começavam a me deixar mais nervoso ainda.
Quebrei os olhares dizendo:
“Vocês viram meu rosto. Se disserem alguma coisa, qualquer coisa, volto e liquido com os dois. Vocês irão ficar aqui dentro desta sala, bem quietinhos por quinze minutos.”
Impossível dizer qual dos dois ficou mais surpreso com minhas rudes palavras. Tanto Sérgio quanto Cristina ficaram pálidos e automaticamente encolheram-se em seus lugares.
Ele foi o primeiro a recobrar a fala.
“Mas, Fernando, isto não é necessário, eu já...”
Pelo visto, ele ainda não estava convencido de minha atitude, mas o simples giro da pistola em sua direção foi o suficiente para interromper a ladainha.
Cristina pareceu recobrar a côr e seus ombros se endireitaram então, com os olhos semicerrados, - imitando meu olhar de gato - ela deu dois passos na minha direção e fez a sua tentativa:
“Fernando, eu tinha praticamente tudo...”
Utilizei-me do mesmo gesto e a arma apontada diretamente para sua barriga, fez com que ela recuasse para onde estava, encerrando aquele irritante festival de tentativas.
Eu estava tentando fazer o assalto transcorrer com tranquilidade, como se fosse um passeio no campo, mas eles estavam estragando tudo.
Houve uma longa pausa e então tudo começou a acontecer.
“Mexa-se! Mexa-se!”; gritava minha mente.
Arranquei a máscara, guardei-a no bolso, coloquei a arma de volta na cintura, fechei a jaqueta, penteei os cabelos com os dedos e dirigi-me a porta.
Antes de sair, com a mão na maçaneta, parei, colei o ouvido á porta, para certificar-me de que ninguém se aproximava e um pensamento projetou-se no topo de minha mente.
A peça pendente do quebra-cabeça.
Não havia mais tempo e também lembrei que estava numa situação terrível.
Lutei para tirar o pensamento da mente.
Eu precisava fugir.
Cerrei os dentes, pisquei varias vezes e num movimento ágil e rápido, virei o rosto para trás dando-lhes um último olhar de advertência, atravessei a porta, fechei-a as minhas costas e como se tivesse esquecido todo o perigo iminente fiquei ali, do lado de fora da porta, escutando.
Estranhando o silêncio do banco, impaciente, sentindo a boca seca e a língua do tamanho de um pepino, ouvi:
“...ele enlouqueceu...”; ela falou
“...completamente. Você não estava com toda a documentação pronta para entregar-lhe o prêmio de dez mil reais, que ele ganhou como funcionário da década?”; ele perguntou
“...claro que estava, mas ele estava de folga hoje, eu iria entregar o prêmio amanhã...”; ela respondeu.
“...quem está ao telefone...?”; ela emendou a pergunta em sua fala
“...Oh! Esqueci. É o delegado. Alô? Sim...o senhor ouviu tudo? O banco já esta cercado? Sim... Claro... Todo o público e os funcionários já foram retirados? Sim...Claro...Vou fazer isto...”
Silêncio. Sua voz ressurgiu:
“Cristina...o delegado mandou trancar a porta...”
Então, de repente me deu um frio, apesar do ar condicionado do banco estar funcionando e ouvi uma centena de “cliques” em minha cabeça, um deles, despertou minha memória e finalmente lembrei qual a peça que faltava em meu quebra-cabeça.
Esquecera que EU ganhara o prêmio de dez mil reais oferecido pelo banco para o funcionário exemplar da década.
Então, como forma de lembrar qual seria o prêmio que receberia por meu esquecimento, me dei conta de que os outros noventa e nove cliques eram de armas sendo engatilhadas e apontadas em minha direção.


Este texto é administrado por: luis carlos binotto leal
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