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O novo dia
Rejane Boeira

Resumo:
Ela acordou para mais um dia ... Apenas um outro dia em que a vida deveria seguir seu curso natural... Mas, o que nunca poderia esperar é que este novo dia lhe traria uma surpresa jamais imaginada....


Minha cabeça está pesada... Nao sei se de sono ou se em função dos calmantes que tomei na noite passada. A impressão que tenho é de ter dormido durante muitos dias seguidos. Olho para o meu lado e vejo que está vazio, com o travesseiro e lençóis perfeitamente arrumados, obviamente não usados nas últimas horas.

Levanto-me tonta e desorientada, um tanto cambaleante. Tentando recobrar o equilíbrio, me apóio na parede e abro a porta que dá para a cozinha. As tábuas do chão de madeira respondem aos meus passos com um rangido stridente, ecoando no silêncio das paredes quietas e inertes. Vejo que já é dia pelos raios de sol que tentam buscar espaço nas frestas das venezianas fechadas.

Dirijo-me ao banheiro e bato na porta, esperando ouvir a resposta de meu marido ou de algum outro membro da família, avisando que se encontra ocupado. Sem sucesso, tento a maçaneta, que reponde prontamente ao movimento. Lá dentro, as louças brancas jazem perfeitamente imóveis e desocupadas.

Opto pela porta da cozinha, que dá acesso ao quintal. Está apenas enconstada. Abro-a e meus olhos atravessam a varanda, aonde a rede de franjas continua pendurada nos ganchos da parede. A passos largos, atravesso o gramado ainda úmido pelo orvalho da noite, em direção ao pavilhão de jogos.

A porta entreaberta me permite o acesso fácil ao grande salão. A mesa de sinuca verde com as bolas em cima mostra uma partida abandonada ao meio, e os copos com restos de cerveja são os indícios de que seus jogadores ali estiveram em algum momento.

Meus olhos percorrem o local, escaneando os detalhes ao redor. Um moleton jogado displicentemente no encosto da cadeira, um boné esquecido ao lado.... Minha mente vai absorvendo lentamente os detalhes ao redor.

Enquanto chamo pelos nomes de meu marido, e de meu sobrinho, cujas imagens ainda conservo frescas na cabeça, desde que os deixei jogando bilhar na noite passada, vou olhando nos outros cômodos. Nada. Apenas o eco de minha voz responde.

Intrigada, volto à casa e dirijo-me ao quarto de meu irmão, na certeza de achá-lo ainda repousando em sua cama. Paro diante da porta escancarada do quarto e olho para dentro, aonde sua cama desfeita e vazia preenche meu campo de visão.

Cada vez mais confusa, vou até a cama e toco seu travesseiro. Está frio, como se há muito deixado. Com uma sensação incômoda que começa a se apossar de meu estômago, olho em cada peça da casa, apenas para deparar-me com o vazio e o silêncio.

Desisto da casa e começo a percorrer as imediações: quintal, horta, celeiro, galinheiro e adjacências, chamando aqui e ali pelos nomes de todos. Percebo que os cachorros também não estão em suas casinhas, tampouco no pátio gramado, aonde costumam deitar-se nas noites de verão.

Neste momento, tenho a certeza de que algo no mínimo diferente se passa nesta manhã por aqui. Tento pensar em uma resposta lógica para este sumiço coletivo, mas não chego à nenhuma conclusão.

Volto à casa, coloco minhas botas e um casaco e decido descer a estrada em direção ao portão de entrada.

Na quietude fria do dia que começa a se erguer, ouço apenas o cantar dos pássaros e o barulho das águas do rio ao longe, que me dizem “continuamos aqui”.

Já no portão, percebo que este continua trancado com o cadeado, como de costume, o que alivia meu coração por um instante...”Isso significa que nao saíram da chácara”, digo em voz alta e confiante.

Dirijo-me à casa de meu outro irmão, que se faz visível em meio às árvores. Ao alcançar o topo do pequeno morro, paro subitamente, ao perceber que não há ninguém lá, pois tudo continua fechado e igual como estava ontem. O carro não está aonde deveria estar, o que significa que não voltaram da cidade, para onde foram ontem à tarde.

Não me resta outro lugar a olhar a não ser o rio, pois é o unico local aonde poderiam ter ido a esta hora. Quase correndo, desço os 200 metros da ladeira pedregosa que leva ao rio. Mais uma vez, meus chamados se perdem em meio à mata, misturando-se ao barulho contínuo da corredeira das águas.

Percorro a extensão ao lado do rio, buscando algum indício de atividade, mas tudo está como deixamos no dia anterior, a grama alta denota a falta de passos recentes. O rio segue seu curso inalterado e alheio aos meus anseios.

Olho para o outro lado do rio, na encosta da mata nativa, mas tudo o que vejo é um pássaro solitário tentando pescar seu café da manhã nas águas rasas da margem.

Nada mais me resta a não ser voltar à casa e esperar. Tento me acalmar com o pensamento de que o que quer que tenha acontecido, logo será esclarecido com a volta de todos.

Se estiverem preparando algum tipo de brincadeira de esconde-esconde para me assustar, deixarei claro que nao tem a menor graça. Não posso crer em algo sério, como alguém doente ou machucado que precisou ser levado às pressas ao médico, já que o carro permanece estacionado na garagem ao lado da casa.

As horas passam-se lentamente e sinto a tensão e impaciância crescerem dentro de mim. Depois de muita consideração, e percebendo que nao obterei nenhuma resposta imediata, decido desvendar o mistério de uma vez por todas.

Com a coragem que estou longe de ter, pego as chaves do carro de meu irmão, que continuam penduradas no lugar de sempre, ao lado da porta da cozinha.

Já dentro do carro, e me preparando para ligar o motor, lembro que o portão está fechado com o cadeado. Volto à casa e encontro o molho de chaves em cima da mesa. Como precaução, fecho a porta da cozinha e viro a chave na fechadura.

Mais determinada, dou a partida e manobro o carro devagar, tentando me recordar das poucas aulas de direção que tive na ocasião em que tentei me tornar motorista, com pouco sucesso, diga-se de passagem.

Cautelosamente, engato a marcha ré e tiro a camionete da garagem, para depois fazer a pequena volta no pátio, com um sentimento misto de orgulho e apreensão.

Desço a estrada sinusoa devagar e paro em frente ao portão, retiro o cadeado, mas o deixo aberto, para o caso de alguém precisar entrar depois que eu sair. Lembrando das observações de meu irmão a respeito dos problemas da estrada de terra, concentro-me em subir a ladeira em primeira marcha.

Já no topo do morro, mais uma vez sinto-me orgulhosa de ter superado este obstáculo, que jamais pensaria em ter que passar, a apenas poucas horas atrás.

Decido parar no bar logo adiante para perguntar se alguém sabe do paradeiro da família. A porta está aberta, mas não há ninguém ali, nem mesmo os cães que costumam deitar-se à porta. Com a voz estrangulada, chamo por alguém, mas novamente os sons se perdem em meio às paredes de madeira.

Com o coração aos saltos e a boca seca, bato em algumas das casas vizinhas. Ninguém aparece. Entro no carro e esqueço a precaução de iniciante. Pisando fundo no acelerador, disparo em direção à vila, que fica a 7 Km da chácara.

Ao longo do caminho, vou parando em frente às chácaras vizinhas, gritando em frente a portas e janelas fechadas, portões trancados a cadeados. A situação repete-se a cada parada. Todas as tentativas provam-se inúteis.

Quando finalmente chego à auto-estrada, perecebo carros parados no meio da pista, alguns com as portas abertas, um deles capotado ao lado do barranco. Desviando dos carros cuidadosamente, atravesso a estrada e dirijo até a casa de Dona Celia e seu Valmor, nossos amigos de longa data.

Salto do carro ainda ligado e corro para o portão: está só encostado. Entro já chamando por seus nomes e vou até a porta da cozinha. A porta está escancarada. Percorro cada um dos cômodos, mas somente encontro a cama desfeita no quarto de casal e a casa vazia. Nem mesmo a cadela deles aparece para me receber.

No centro da vila, o cenário não é diferente: ruas vazias, o único mercado está com as portas abertas mas sem atendentes nem clientes. Alguns carros estão no meio da rua, com as chaves nas ignições, como se tivessem sido abandonados às pressas.

Uma sensação de desespero se apossa de mim, com a certeza agora que algo muito sério ocorreu neste pedaço do mundo. Só não consigo decidir se é realidade ou parte de um longo e medonho pesadelo.

Volto ao carro e decido ir até a cidade. Lá, certamente terei mais chances de obter respostas, encontrar alguma alma que me explique o que se passa, tento ponderar comigo mesma.

Durante todo o percurso de 30 Km, não encontro um carro sequer trafegando ou alma viva em parte alguma. Tentando respirar pausadamente e controlar o tremor das mãos, seguro firme na direção.

Meu coração dá pulos no peito, a garganta apertada como se tivesse dificuldade de engolir, e o estômago dá voltas por dentro.

Na cidade, outra decepção. Mais uma vez as cenas se repetem rua após rua: carros abandonados em meio ao tráfego, muitos estacionados no meio-fio, com as portas abertas.

Sigo devagar, ziguezagando entre os veiculos até chegar ao centro, aonde a desolação é total no dia ensolarado de verão. A maioria das lojas estão com as portas cerradas e um silêncio fantasmagórico cobre a cidade que parece ter ido dormir e não acordou.

Apenas os meus passos e minha voz que clamam por uma resposta ecoam e se perdem no emaranhado de prédios.

Após dirigir pelas ruas centrais decido parar, com a esperança e energia drasticamente reduzidas. Fecho os olhos e encosto a cabeça na direção do carro, esperando que eu possa dormir e acordar e perceber que tudo não passou de um sonho... ou um pesadelo. Quando sonhei com o dia em que acordei só no mundo....



Biografia:
Jornalista/tradutora, que gosta de escrever sobre coisas que chamam a atencao, como vida e seus aspectos filosoficos, educacionais, emocionais e tudo o que diz respeito ao ser humano.
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