PARTE DOIS – HEITOR
Eu tinha consciência de estar respirando. Eu tinha. Em algum lugar distinto do meu cérebro eu sabia que deveria respirar. Mas eu só queria saber o estado que minha mulher e minha filha se encontravam.
Depois que soube do acidente, corri de uma forma desesperada para o Hospital em busca de notícias, em busca de saber que Estela ainda estava viva.
E estava. Mas os médicos disseram que tinha uma grande chance de ela não sobreviver.
Eu não considerava essas chances. Nenhum pouco delas. Eu só queria que esse pesadelo tivesse fim, que eu finalmente pudesse ter minha família sob minha proteção.
Queria poder abraça-las e dizer a elas que eu iria protegê-las. Mas isso não era verdade. Eu não podia dar o refugio que elas tanto queriam.
Por fim um médico veio falar comigo.
– Conseguimos salvar a menina, mas o estado de sua mulher é grave. – Disse ele, de um modo objetivo.
Depois de uma hora o mesmo médico de antes veio me disser o que eu temia.
– Seu estado não melhorou. Se quiser pode vê-la
agora.
Senti com se meus passos fossem mecânicos. Eu não imitia a ordem de mexê-los, apenas seguia o caminho até eu mesmo me deparar frente a frente a uma porta com o número 22.
Abri a porta lentamente, tentando ser o mais silencioso possível. Estela estava deitada com vários aparelhos ao redor.
Lágrimas apareceram em meus olhos e quis espantá-las, no entanto elas não queriam ser reprimidas, necessariamente porque eu não queria impedir de ser retirado da lama em que eu me atolava agora.
Eu queria Estela. Viva.
Debrucei-me sobre seu corpo, afagando levemente seu rosto.
– Eu... – tentei dizer com a voz embargada. Respirei fundo e continuei: – Eu estou aqui, amor. Não precisa se preocupar.
Algo iluminou seu rosto. Seus olhos se abriram.
Levei os lábios de encontro aos seus. Lábios. Lágrimas. Uma estranha mistura.
Naquele momento, seu olhar era uma arma com todas as balas prontas para atirar em mim.
– Eu quero... minha filha. – Estela disse falhando a voz.
– Ela esta bem, meu amor. Eu te amo. Muito. – Eu disse.
– Cuide... dela... pra mim? – Estela perguntou novamente sem forças.
– Nós dois vamos cuidar dela. Não diga isso. Você vai ficar bem... – Tentei dizer, mas desta vez minha voz perdeu-se antes de eu completar o que eu iria dizer.
– Cuide de minha Luíza. – Ela disse, forçando um sorriso.
Ela já sabia qual nome iria dar a menina. Luíza. Eu havia concordado. Porque Luíza é renascimento. É uma nova vida.
Seus ombros cederam, sua respiração foi um pingo no vazio. Sua lágrima bastou. Ela estava morta. E eu possivelmente também estava a certa altura dos acontecimentos.
A máquina que não podia sentir emoção alguma emitia sem parar, ecoando no cômodo grande demais o sinal que ela tinha partido. Minha Estrela tinha partido.
Minha Estela se foi.
Enquanto o barulho da máquina assinalava firmemente que ela tinha partido, me dirigi á porta. Meu corpo cedeu. Eu desmaiei.
Duas horas depois eu estava de pé. Rasgado por dentro com um imenso buraco no lugar do coração.
Procurei onde estava minha filha, certa enfermeira me disse que por ela ter nascido as pressas teve que ficar em uma incubadora.
Aproximei-me do vidro que me deixava á poucos metros da minha filha. E por aquele vidro mesmo, eu disse:
– Durma minha Luíza. Durma. O papai esta aqui.
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