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Televisão
Cleyton Boson

A televisão!
O tempo todo me apresenta
o que eu não sou e
o que eu não tenho:

as viagens que nunca fiz,
os lugares que não conheço,
os esportes que não pratico.

Minha comida é inadequada:
é assimétrica e monocromática
Meu cabelo é seco nas pontas,
oleoso na raiz,
enrolado de mais
castanho de mais.

Meu Neutrox não é do Boticário.
Minha Gillette não é Super Max Platinus.
Minha barba não causa frisson.
Não causam frisson:
meu carro, minha camisa, minha casa, minhas músicas, meus livros.

                                  O computador que uso é atrasado.
                                  É atrasado o Harry Potter que leio.
                                  Meu Banco do Brasil não é Real e
                                  não faço compras em um bom supermercado.


A televisão me apresenta a televisão que eu não tenho:
Tela líquida de 39 polegadas em prestações a perder de vista.
A luz colorida por onde vejo o mundo
me clama seu próprio sacrifício.
Morte ao tubo de imagem sobre a estante da sala.


Biografia:
Nasci numa cidade grande. Goiânia, em 1974, já contava com cerca de 800 mil habitantes e polarizava outros 600 mil moradores e trabalhadores das cidades vizinhas. O bairro onde eu cresci ficava na periferia da cidade e eram necessários dois ônibus para almoçar com minha avó, aos domingos. Eu ficava impressionado com a capacidade de meu pai de não se perder naquele emaranhado de ruas e prédios e acreditava que jamais iria conseguir me guiar sozinho naquele espaço. Os pais de meus pais eram oriundos do campo e haviam migrado para Goiânia na década de 60, com a finalidade fazer fortuna. A construção civil lhes havia dado emprego, luz elétrica, água encanada e meus pais puderam freqüentar a escola. Contudo, tanto meus avós maternos quanto os paternos, bem como seus irmãos, eram saudosos dos tempos da roça: lá, pensavam, havia fartura de alimentos, as pessoas eram mais unidas, não vivíamos trancafiados em nossas próprias casas. Prometiam a si mesmos, e proclamavam aos quatro ventos, que um dia voltariam a viver no campo, trazendo assim sua felicidade de volta. Nunca cumpriram a promessa, nem quando possibilidades concretas se apresentavam diante de seus olhos. Aos 14 anos fui para Brasília, uma cidade que me espantava mais que Goiânia por ser incrivelmente veloz, populosa e solitária. Goiânia passou a representar meu paraíso perdido: um local em que os vizinhos se conhecem pelo nome e se ajudam mutuamente; joga-se bola na rua até altas horas da noite; a vizinhança se compromete com a proteção das crianças, independendo se são ou não seus filhos; e o trânsito é menos agressivo. Mas não voltei a morar em Goiânia e minhas visitas se tornam cada vez mais curtas. Os paraísos perdidos e os novos paraísos que produzimos baseados nas representações que temos da modernidade contemporânea (urbana, fragmentada, multifacetada, impessoal, instável) e das comunidades tradicionais (rurais, baseadas em laços de afetividade e solidariedade mútuas, estável, mesmo que estas características estejam em transformação) são a origem das inquietações de meus trabalhos
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