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UM DIÁLOGO ENTRE ELIZABETH BISHOP E PABLO NERUDA
(ALGUMAS INFORMAÇÕES BIOBIBLIOGRÁFICAS)
VERA LÍGIA MOJAES MIGLIANO GONZAGA

Resumo:
Realizamos um estudo comparado entre as obras de Elizabeth Bishop e Pablo Neruda e descobrimos que a vida destes dois poetas também apresentam muitas semelhanças. Para confirmar leia o artigo no qual traçamos o roteiro de vida e de publicação dos dois autores.

UM DIÁLOGO ENTRE ELIZABETH BISHOP E PABLO NERUDA
(ALGUMAS INFORMAÇÕES BIOBIBLIOGRÁFICAS)

Uma vez que pretendemos manter um diálogo entre alguns poemas de Bishop e Neruda, iniciamos esta apresentação com um diálogo entre ambos, mostrando preocupações comuns que foram expressas na obra.
     
Ah, por que insistimos em sonhar os nossos sonhos
e vivê-los também?
E será que ainda temos lugar
para mais um pôr-do-sol extinto, ainda morno?
(Elizabeth Bishop)

Não, Não se desfia a rede dos anos: não há rede.
Não caem gota a gota de um rio: não há rio.
O sonho não divide a vida em duas metades,
nem a ação, nem o silêncio, nem a virtude:
a vida foi como uma pedra, um só movimento,
uma única fogueira que reverberou na folhagem,
uma flecha, uma só, lenta ou ativa, um metal
que subiu e desceu queimando-se em teus ossos.
(Pablo Neruda)


Será falta de imaginação o que nos faz procurar
lugares imaginados tão longe do lar?
Ou Pascal se enganou quando escreveu
que é em nosso quarto que deveríamos ficar?
(Elizabeth Bishop)

Outras coisas vi, talvez nada, países
purpúreos, estuários que traziam do útero
da terra o cheiro seminal da origem,
países ferruginosos com grutas de diamantes [...]
Vivi na desordem de pátrias não nascidas,
em colônias que ainda não sabiam nascer,
com bandeiras inéditas que se ensangüentariam.
Vivi na fogueira de povos malferidos
comendo o pão estranho em meu padecimento.
(Pablo Neruda)

Continente, cidade, país: não é tão sobeja
a escolha, a liberdade, quando se deseja.
Aqui, ali... Não. Teria sido melhor ficar em casa,
onde quer que isso seja?
(Elizabeth Bishop)

Se é verdade que partimos,
fomos nos consumindo
em pleno sal marinho
e a golpes de relâmpago.
Minha razão tem vivido na intempérie,
entreguei ao mar meu coração calcário.
(Pablo Neruda)

Pensemos na longa viagem de volta.
Devíamos ter ficado em casa pensando nas terras daqui?
(Elizabeth Bishop)


Até aqui cheguei.
Chegamos.
Os lineares, os encarniçados,
os chapeleiros que passaram a vida
medindo a minha e a tua cabeça,
os cinturistas
que se colavam a cada cintura,
a cada teta do mundo.
Aqui seguimos lado a lado
com os anacoretas,
com o jovem e sua terna indigestão de guerrilhas,
com os tradicionais que se assombravam
porque ninguém queria comer merda.
Mas, além disso,
glória do dia novo,
o juvenil orvalho,
a manhã do mundo,
o que cresce apesar
do tempo amargo:
a ordem pura
que necessitamos.
(Pablo Neruda)
     
BISHOP. “Questões de viagem”. In: Poemas do Brasil. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 64-69 (fragmentos).

NERUDA.   Ainda (aún). Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975, p. 49, 55, 57, 71 e 75 (fragmentos).


Segundo Paulo Henriques Britto (2001, p. 345), Elizabeth Bishop e Pablo Neruda chegaram a se conhecer pessoalmente em 1942, no México, onde Neruda ocupava o cargo de cônsul-geral. Todavia, o diálogo com o qual iniciamos esse capítulo de nossa dissertação é um diálogo imaginário entre os dois poetas, querendo revelar características comuns em suas vidas e em suas obras: foram eles – poetas viajantes que viveram muito tempo longe de suas terras natais. Mais importante ainda: ambos foram poetas sensíveis aos problemas das terras que percorreram e sensitivos às paisagens, as quais recolheram de maneira muito especial em seus poemas.


Quando Elizabeth Bishop nasceu no hemisfério norte, em Worcester Massachusetts (EUA), no dia 8 de fevereiro de 1911, Pablo Neruda já tinha sete anos no hemisfério sul. Bishop perdeu o pai quando tinha oito meses e foi levada para Great Village, uma aldeia de pescadores em Nova Escócia (Canadá). Lá passou a primeira infância, aos cuidados dos parentes maternos que dividiam suas atenções entre ela (menina) e sua mãe (Gertrude Bulmer), que passou por um triste processo de insanidade mental irreversível. Com a morte da mãe e já em idade escolar, Bishop foi levada para os Estados Unidos, vivendo em companhia dos avós paternos que lhe garantiram uma excelente educação – estudou no Vassar College (Estado de New York), onde iniciou sua vida literária, participando na publicação da revista da universidade. Entretanto, Bishop sentia saudades de Great Village, a ponto de adoecer – passou a ter crises constantes de asma.
Do outro lado do mundo, no hemisfério sul, Pablo Neruda nasceu em Parral, Chile, em 12 de julho de 1904. Sua mãe, Rosa Neftalí Basoalto, morreu em seguida, em agosto. Era filho de um ferroviário, José del Carmen Reyes Morales, que não concebia o fato de alguém viver de poesia. Por isso, o poeta nunca utilizou em suas publicações seu nome de batismo – Ricardo Eliezer Neftalí Reys. Adotou um pseudônimo para escapar à repressão paterna e poder escrever seus versos. Escolheu o nome do escritor tcheco Jan Neruda, substituindo o prenome por Pablo, adotando-o, oficialmente, e de maneira definitiva, em 1946. No colégio, Neruda fundou com alguns amigos um ateneu literário e iniciou-se na política estudantil. Gostava muito de ler, principalmente os simbolistas franceses. Conheceu, nessa época, Gabriela Mistral (Prêmio Nobel de Literatura de 1945) que lhe emprestou alguns romances de escritores russos, entre eles Dostoiévski e Andreiev.
Enquanto, no Chile, Neruda lia os russos, Bishop, por intermédio de uma bibliotecária de Vassar, conhecia Marianne Moore nos Estados Unidos. Moore tornou-se uma grande amiga de Bishop, leitora e comentarista assídua de sua obra, crítica e conselheira fiel, antes mesmo de Bishop pensar em publicar. Moore recomendou a Bishop a leitura dos poetas metafísicos ingleses, como George Herbert e Andrew Marvell.

Bishop ainda estudava em Vassar e vivia do pecúlio legado pelo pai, quando Neruda abandonou a faculdade em 1921, em troca da política, da poesia e do amor. Ele publicou seu primeiro livro em 1923 – Crepusculario e, simultaneamente, iniciou sua militância político-intelectual, colaborando em duas revistas editadas pela Federação dos Estudantes: Claridad e Juventud.

Com a publicação de Veinte poemas de amor y una canción desesperada (1924) Neruda tornou-se reconhecido como poeta. Entre 1925 e 1927 publicou mais três livros: Tentativa del hombre infinito, El habitante y su esperanza, e Anillos. Sua vida diplomática começou em 1927, quando foi nomeado cônsul em Rangum (Birmânia). Em 1928, foi transferido para Colombo (antigo Ceilão). Partiu, em 1930, para Batávia (Java), onde se casou (em Djacarta) com a holandesa Maria Antonieta Vogelzanz (Maruca). No entanto, logo depois do nascimento da filha, em 1934, o casamento desfez-se.

Regressando em 1932 ao Chile, publicou, no ano seguinte: El hondero entusiasta e Residencia en la tierra. Ainda em 1933, foi designado cônsul em Buenos Aires, ocasião em que conheceu o poeta espanhol Federico García Lorca. A identificação entre ambos levou Neruda a pedir ao governo chileno uma transferência para a Espanha. Em 1934, foi designado cônsul em Barcelona e, em 1935, cônsul em Madri, onde passou a fazer parte de um grupo de poetas filiados ao partido republicano. No ano de 1936, eclodiu a Guerra Civil Espanhola e ocorreu o assassinato de García Lorca. Desde 1933 Neruda estava lutando a favor dos republicanos, por isso foi obrigado a demitir-se do consulado, por ter grande comprometimento político com a luta (1936).

Nesse mesmo ano Neruda conheceu Delia del Carril, posteriormente, sua segunda esposa. Regressou ao Chile em novembro de 1937 e no ano seguinte perdeu o pai e a madrasta, Trinidad Candia Marverde, (a qual ele tinha por verdadeira mãe). Seu livro España en el corazón foi publicado dias antes da Batalha de Barcelona (1938). No ano de 1939, nomeado cônsul para a emigração espanhola em Paris, conseguiu embarcar para o Chile muitos refugiados espanhóis. Neruda tornou-se cônsul-geral no México, em 1940, onde publicou Canto para Bolívar. Escreveu nesta época a Carta a Stalingrado, cuja reprodução em cartazes nas ruas, revoltou um grupo nazista por quem Neruda acabou sendo agredido em Cuernavaca.

Bishop também viajou pelo mundo, entre 1934 (data de sua formatura) e 1938, quando fixou residência em Key West (onde viveu por nove anos), Bishop já havia viajado pelo Canadá, França, Inglaterra, Marrocos e Espanha. E durante o período em que viveu na Florida conheceu o México e o Haiti.

Em 1942, Neruda ganhou o Prêmio Stálin pelo poema Canto de amor a Stalingrado, uma denúncia da autodestruição do homem pelas guerras. No ano seguinte, publicou Nuevo canto de amor a Stalingrado e ganhou o Prêmio Municipal de Poesia de Santiago. Em 1945, ganhou o Prêmio Nacional de Literatura, filiou-se ao Partido Comunista e elegeu-se senador. Em julho deste mesmo ano, visitou o Brasil, onde foi saudado na Academia Brasileira de Letras por Manuel Bandeira. Publicou, em 1946, Alturas de Macchu Picchu, mas passou a viver na clandestinidade devido a uma carta aberta e a um discurso no Senado Chileno contra o Presidente Gonzáles Videla que o processou. Fugiu do país, cruzando a cavalo a Cordilheira em 1949.

Enquanto Neruda estava na clandestinidade, Bishop publicava, em 1946 seu primeiro livro North and South (Norte e Sul). Se Neruda visitou o Brasil em 1945, Bishop adotou-o como sua segunda pátria permanecendo aqui desde 1951 até 1967, e mais tarde, residindo em Ouro Preto, nos primeiros anos da década de 70. Grande parte da obra de Bishop, apesar de ser produzida em língua inglesa, foi escrita no Brasil: A cold spring – Uma fria primavera (1955), Brazil (1962), Questions of travel – Questões de viagem (1965), Geography III – Geografia III (1970). Depois de sua morte, surgiram outras edições.

Em 1980, foi publicado The complete poems (1927-1979) que abarca os três livros anteriores e mais outros: Uncollected work (1969), New poems (1979) e Uncollected poems (1983). Há ainda as edições bilíngües (português/ inglês): Poemas (1990 – trad. de Horácio Costa), Poemas do Brasil (1999 – trad. de Paulo Henriques Britto) e O iceberg imaginário e outros poemas (2001 – trad. de Paulo Henriques Britto).

Em 1984, o editor de Bishop montou uma seleção de textos ficcionais e autobiográficos e publicou-os sob o título de The collected prose. As cartas (que Elizabeth escreveu a seu editor e aos amigos e parentes americanos) estão reunidas no livro One art.

Em 1972, Elizabeth fez publicar a melhor antologia de poemas brasileiros traduzidos para a língua inglesa. Com a colaboração de James Merril, Galway Kinel e W. S. Merwin, foram traduzidos poemas de Manuel Bandeira, João Cabral de Mello Neto, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes e Joaquim Cardozo.

Embora a obra de Bishop não seja extensa, todos reconhecem o valor de seus poemas. Eles são realmente esplêndidos, e isto nós devemos ao árduo e meticuloso trabalho de Bishop que levava anos revisando, eliminando, substituindo, melhorando, até liberar um poema para a impressão. Isto torna o contexto de publicação da obra de Bishop irrelevante, pois é impossível dizer quantos anos existem entre a escritura de um poema e a sua publicação.

Por outro lado, a produção de Neruda é vastíssima: a partir de l950, publicou pelo menos um livro por ano (Cf. AGUIRRE, 1976, p.27-30):
1950 – Canto general,
1952 – Los versos del capitán, Las uvas y el viento, Odas elementales,
1955 –Viajes,
l956 – Nuevas odas elementales,
1957 –Tercer libro de las odas,
1958 – Estravagario,
1959 – Cien sonetos de amor, Navegaciones y regresos,
1960 – Canción de gesta,
l961 – Las piedras de Chile, Cantos cerimoniales,
1962 –Plenos poderes,
1963 – Donde nace la lluvia,
1964 – Memorial de isla negra (cinco volumes),
1966 – Arte de pájaros, Una casa en la arena,
1967 – La barcarola,
1968 – Las manos del día,
1969 –Fin de mundo, Aún, Comiendo en Hungría (este último em parceria com Miguel Angel Astúrias),
1970 - La espada encendida, Maremoto, Las piedras del cielo,
1972 – Geografía infructuosa.

Além das obras nerudianas publicadas em vida, existem muitas outras publicadas postumamente, como por exemplo, a tradução em português – O rio invisível (poesia de juventude). Conforme uma pesquisa (realizada em algumas obras póstumas) são indicadas como publicações póstumas de Neruda:
•Obras completas, 1973 (3 vols.)
•Confieso haber vivido (memorias), 1973 – Confesso que vivi (memórias) –Incitación al nixoncidio y alabanza de la revolucíon chilena, 1973 – Incitação ao nixocídio e louvor à revolução chilena – A call for the destruction of nixon and praise for the chilean revolution
•2000, 1974
•El mar y las campanas, 1974 – O mar e os sinos – The sea and the bells
•Elegía, 1974 – Elegia
•Cinco décadas, 1974 – Five decades
•El corazón amarillo, 1974 – O Coração Amarelo
•El libro de preguntas, 1974 – Livro das perguntas
•Jardín de invierno, 1974 – Jardim de inverno – Winter garden
•La rosa separada, 1974 – A rosa separada – The separate rose
•Defectos escogidos, 1974 – Defeitos escolhidos
•Para nacer he nacido, 1977 – Para nascer nasci – Passions and impressions
•El fin de viaje, 1982
•Late and posthumous poems 1968-1975, 1988 – Últimos poemas.

Afora as obras póstumas, há outras edições bilíngües como Pablo Neruda – Antologia poética (1978), e livros publicados em diversas línguas, em diferentes países. Apesar de publicar tantos livros, a obra nerudiana não foi apenas reconhecida pela quantidade, mas, antes de tudo, pela qualidade; o que conferiu ao poeta muitos prêmios e títulos, dentre os quais se destacam: “Prêmio Internacional da Paz” (1951 – Pequim); “Prêmio Literário Internacional (1967 – Itália), “Membro da Academia Norte-Americana de Artes e Letras” (1968 – EUA), “Doctor Scientiae et Honoris Causa” (1969 – título concedido pela Universidade Católica do Chile), “Medalha de Prata” (1969 – condecoração dada pelo Senado Chileno apenas aos filhos ilustres do Chile).
Bishop também recebeu muitos prêmios, destacando-se: em 1956, o “Pulitzer” (o mais importante prêmio literário dos EUA), em 1965, o prêmio da “Academia de Poetas Americanos” e, em 1969, o “National Book Award”.

Neruda escreveu, ininterruptamente, e de maneira muito sentimental. Até os poemas políticos são carregados de romantismo e de um lirismo, muitas vezes, excessivamente alegórico. As últimas obras do poeta, entretanto, demonstram, segundo os críticos, a busca de uma expressão mais despojada. O secretário da Academia Sueca de Letras, Kar Ragnar Hierox, disse a Neruda ao lhe conferir o “Prêmio Nobel de Literatura”, em 1971, que sua tumultuada produção não impediu o aprimoramento de sua sensibilidade. Neruda sempre foi um poeta tão controvertido e incompreendido que muitos questionaram se ele merecia o Nobel de Literatura de 1971 . Sua vida particular também foi tumultuada. Sobre sua agitada existência, Neruda deixou dois livros de memórias Confesso que vivi e Para nascer nasci. Apesar de sua vasta produção literária, Neruda não deixou sucessores do mesmo sangue: perdeu sua única filha (do primeiro casamento), em 1942.

Em 1955, Neruda separou-se de Delia del Carril, sua segunda esposa, chamada de “Hormiguita”, e casou-se com Matilde Urrutia. Ele fez de tudo em sua vida... Foi desde um arruaceiro até candidato a presidente. (Em 1957, foi detido por um dia e meio na Penitenciária Nacional em Buenos Aires, por causar tumulto em praça pública). Em fevereiro de 1970, então candidato à Presidência do Chile, pelo Partido Comunista, renunciou à candidatura para apoiar o único candidato dos partidos populares – Salvador Allende (que se tornou amigo íntimo do poeta). Mas, seu amigo Allende, embora defendesse “a transição pacífica para o socialismo”, acabou por morrer vítima da violência, quando as forças armadas rebeldes do país atacaram o Palácio de La Moneda (1973).

Neruda estava no Chile, por ocasião da morte de Allende, pois gravemente doente, havia renunciado, em fevereiro de 1973, ao posto de embaixador na França, recolhendo-se, logo depois, a sua mansão em Isla Negra (balneário particular a sudoeste de Santiago).
Doze dias após a morte de Allende, Neruda faleceu em uma clínica de Santiago a 23 de setembro de l973, vítima de um câncer. Muitos especularam sobre sua morte, afirmando que o tal “câncer” nunca existiu, associando a morte do poeta a questões políticas. Até a morte de Neruda foi motivo para controvérsias .

A popularidade de Neruda contrapõe-se ao anonimato que Bishop escolheu para viver. (Ela queria manter anônimas as muitas inquietações que moviam sua própria vida, pois ela era uma mulher com duas difíceis posições a assumir que batiam de frente com os preconceitos da época em que vivia: ela era poeta de profissão e mantinha uma relação amorosa homossexual com a arquiteta fluminense Maria Carlota Costellat Macedo Soares – Lota).
Bishop, acompanhada de Miss Breen, estava no Brasil de passagem (1951).

Bishop conheceu Santos, São Paulo e o Rio de Janeiro, enquanto aguardava os preparativos de seu navio. Seu objetivo era o de realizar uma viagem de circunavegação pelas costas da América do Sul. Seu destino era o de atingir a Terra do Fogo. Seu desejo íntimo era o de fugir da vida monótona que levava como consultora de poesia na Biblioteca do Congresso em Washington D.C., que muito contribuiu para uma crise depressiva associada a suas duas outras doenças: a asma e o alcoolismo.

Bishop foi apresentada a Lota por uma amiga comum – a dançarina norte-americana Mary Morse (amante de Lota nesta época). O apartamento de Lota, localizado na praia do Leme (Rio de Janeiro), havia sido emprestado a Bishop até que chegasse a hora de seguir viagem. Entretanto, Bishop preferiu permanecer no sítio de Lota em Samambaia (Petrópolis), onde ela resolveu experimentar alguns cajus, vendidos por um ambulante. O contato de Bishop, com a “exótica fruta”, resultou em uma forte reação alérgica que impediu o prosseguimento de sua viagem de circunavegação. Durante o longo período de convalescença, em que Bishop foi obrigada a permanecer em Petrópolis, ela e Lota se apaixonaram. A permanência de Bishop no Brasil, que deveria ter sido de algumas semanas, prolongou-se por mais de quinze anos.

O relacionamento entre Bishop e Lota começou a melindrar quando, em 1961, Lota aceitou a incumbência de seu amigo Carlos Lacerda, então governador da Guanabara, para coordenar a construção do Parque do Aterro do Flamengo. Por isso, Lota e Bishop passaram a viver mais tempo no Leme do que em Samambaia. Lota passou a trabalhar demais, envolveu-se com a política e chegou a um colapso nervoso (1966). Bishop, nesta época, já viajava muito, pois havia aceitado um convite para dar aulas em Seattle (final de 1965) e já havia comprado uma casa em Ouro Preto, neste mesmo ano.

Em setembro de 1967, Bishop estava em Nova York, quando recebeu um telegrama de Lota, dizendo que estava indo visitá-la. À noite, Lota ingeriu grande quantidade de sedativos e levada para o hospital permaneceu em coma por uma semana, vindo a falecer em 25 de setembro. Depois da morte de Lota, Bishop e Mary Morse travaram brigas judiciais, porque Lota havia escrito um testamento favorecendo Morse. A família de Lota (excetuando-se seu sobrinho Flávio Macedo Soares), posicionou-se contra Bishop. Sentindo-se abandonada, ela embarcou para São Francisco (Califórnia). Pouco tempo depois, passou a viver com uma moça que havia conhecido em Seattle e seu filho. Bishop chegou a trazer ambos para Ouro Preto (1969), mas a relação terminaria no ano seguinte. Em 1971, Bishop conheceu Alice Methfessel, em Cambridge, que se tornou sua companheira dos últimos anos.

Apesar da qualidade intrínseca da obra bishopiana ter sido sempre reconhecida por um pequeno colegiado crítico americano, Bishop faleceu, no anonimato, de aneurisma cerebral, em Boston, em 1979. Recentemente, é grande o número de estudos biográficos e literários, que se consagra à poeta norte-americana, tornando sua obra imortal .   

Por outro lado, ainda que Neruda, possuísse já em vida grande popularidade, ele sempre foi um poeta incompreendido pela crítica. Mas em um ponto tanto os críticos como o poeta estão de pleno acordo: a natureza, principalmente, o encontro com a terra e com o mar fizeram a grandeza da poesia nerudiana.
Temístocles Linhares (1976, p. 129) alerta para a presença e força do elemento terra, na poesia nerudiana:

A força germinativa da terra se alastra por todos os seus poemas, muitas vezes, prenhes de símbolos violentos, de metáforas antipoéticas. “Sensual e rebelde, – diz dele Rioseco – Neruda derramou em sua poesia todos os desejos, sonhos e experiências, com tão inteira entrega de si mesmo, que se torna desconcertante e ocasionalmente pueril”.

Neruda parece que tinha plena consciência de sua postura pueril perante o envolvimento com o elemento terra :

Perdão se quando quero
contar minha vida
é terra o que conto.
Esta é a terra.
Cresce em teu sangue
e cresces.
Se se apaga em teu sangue
te apagas.   
(Neruda. Ainda (aún) 1975, p. 19).

Dentre os motivos poéticos preferidos de Bishop, destacam-se as paisagens brasileiras e canadenses, que trazem o elemento “água” em todas as suas formas (gota, fonte, riacho, rio, cachoeira, cascata, chuva, tempestade, neve, nevoeiro, mar, oceano) e torna sua obra uma união entre o norte e o sul do continente americano; as memórias da infância e a busca de um auto-conhecimento, que fazem Bishop ser chamada, por alguns críticos, de “poeta da infância”; e finalmente, o motivo poético da perda, muito bem representada em seu poema “Uma arte” (“One art”):


UMA ARTE

A arte de perder não é nenhum mistério;
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! e nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

–Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por mais que pareça (Escreve!) muito sério.

(Bishop O iceberg imaginário e outros poemas. Trad. Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 309).

Se, por um lado, a obra de Bishop mantém traços firmes e todos possuem uma idéia geral acerca de sua conturbada vida e da fidelidade temática de sua obra, por outro lado, acerca de Neruda, é difícil formar uma idéia abrangente que abarque todos os diversificados estilos e as abundantes temáticas que ele cultivou. A obra nerudiana é plural, em todos os sentidos, é formada de muitos contrastes. Esses contrastes da poesia nerudiana já foram ressaltados por outros estudiosos do assunto, como Langlois (1978, p. 150), por exemplo, que esclarece que:

[a] poesia nerudiana pode ser definida por um sem número de [...] matizes: [...] oposições entre a natureza e a história, entre o objeto e a situação, entre a sensibilidade e a consciência, [...] culto do hermético e o culto do claro, tendência ao solilóquio e tendência ao discurso, sonolência hipnótica e lucidez cotidiana da linguagem, cosmopolitismo e tradição autóctone, esteticismo sub-reptício e moralismo descarado; poesia gorda e poesia magra [...] tais contrastes poderiam multiplicar-se sem fim.

Em nossa opinião, Neruda possui muitas linhas temático-estilísticas diferentes e divergentes. Por exemplo, Neruda possui uma linha comprometida com o realismo socialista (marcada, principalmente, pelos livros: Residência na terra, Terceira residência, 2000 e Defeitos escolhidos). Outra linha com tendências mais românticas encontrada nos Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, em Os versos do capitão e em Cem sonetos de amor.

Há uma linha com tendência didática livre, mais comprometida com o cotidiano (que leva o poeta ora ao inventário realista, ora à desconstrução surrealista) marcada pelos livros de odes (Odes elementares, Novas odes elementares e Terceiro livro de odes). Há, também, uma linha empenhada na poesia autobiográfica (como os cinco volumes de Memorial de Ilha Negra, e parte do livro Estravagário).

Há outra linha marcada pela poesia épica de Canto geral, que pela abordagem da natureza, aproxima-se do tom de crônica de viagens contido em As uvas e o vento, em Navegações e regressos, em Viagens e em A barcarola.

Há, ainda, uma linha que se aproxima mais do hermetismo e das associações subterrâneas do surrealismo localizada nos livros: O fundeiro entusiasta, Tentativa do homem infinito, O habitante e sua esperança, Anéis e Geografia infructuosa. Todas estas linhas, muitas vezes, cruzam-se dentro de um mesmo livro, e outras vezes, dentro de um mesmo poema.

Tudo isso mostra o quanto a obra nerudiana é complexa e o quanto é merecedora de um estudo mais aprofundado. Jorge Edwards (1978, p. 16) comenta que:


[n]ão é fácil formar uma imagem verídica de Neruda. Foi desde jovem objeto de elogios incondicionais e de ataques furibundos. Mas, fora da deformação interessada de admiradores e inimigos, o personagem Neruda sempre deu asa à fabulação. Um dos mitos mais correntes é o do poeta instintivo, alheio a toda formação literária. Em certa medida, ele mesmo permitiu que se desenvolvesse esta crença ao expressar ostensivamente o seu desprezo pela erudição pelo saber livresco [...].

Entretanto, através do seu jogo poético, Neruda manteve fidelidades essenciais. Manteve, sobretudo, o seu amor à Natureza, que o transformou em poeta antes de que ele se desse conta. Os seus outros amores e o seu trabalho mesmo derivam desta adesão inicial. Realizam-se com o ritmo compassado e orgânico da Natureza, como a respiração. Daí que o mito, que não segue os homens de escritório, tenha rodeado Neruda sempre. “Un poeta debe ser un mito” disse ele uma vez. [...] Os mitos não podem morrer de morte natural. Devem continuar em alguma região remota, navegando e criando poesia (EDWARDS, 1978, p. 21).

Nosso estudo comparado das obras destes dois autores pretende manter um diálogo vivo e constante entre ambos. Não pretendemos apenas resgatar os mitos que rodeiam estes dois excelentes poetas, mas acima de tudo almejamos navegar nas águas de suas poesias que fazem com que nós, leitores e admiradores, flutuemos – entre os símbolos, as percepções sensoriais e a tradições literárias – para podermos atingir: o viés da imagem poética na arte de Elizabeth Bishop e de Pablo Neruda.

REFEÊNCIAS BIBLIOGÀFICAS:

AGUIRRE, Margarita. “Breve Cronologia da Vida e da Obra de Pablo Neruda”. In: NERUDA, Pablo. Antologia Poética. (Trad. Eliane Zagury) Rio de Janeiro: José Olympio, 1978, pp. 27-30.

BRITTO, Paulo Henriques. “Elizabeth Bishop: Os rigores do afeto”. In: BISHOP, Elizabeth. O Iceberg Imaginário e Outros Poemas. (Trad. Paulo Henriques Britto) São Paulo: Companhia das Letras, 2001, pp. 351-370.
––––––––––––––––––––– “Notas do Tradutor”. In: BISHOP, Elizabeth. O Iceberg Imaginário e Outros Poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, pp. 341-350.

CASTRO, Raul Silva. Historia Crítica de la Novela Chilena. Madrid: Cultura Hispánica, 1960.

COSTA, Horácio. “Atualidade de Elizabeth Bishop”. In: BISHOP, Elizabeth. Poemas. (Trad. Horácio Costa) São Paulo: Companhia das Letras, 1990, pp. 9-17.

EDWARDS, Jorge. “Alguma Coisa sobre Pablo Neruda e a Sua Poesia”. In: NERUDA, Pablo Antologia Poética. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978, pp. 7-21.

LINHARES, Temístocles. “Chile, Geografia e Paisagens Únicas”. In: Problemática das Literaturas Hispano-Americanas. São Paulo: Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia, Conselho Estadual de Cultura, 1976, pp.125-128.




Biografia:
Com mestrado e doutorado em Estudos Literários, professora de espanhol e LTT do Colégio Industrial de Araraquara (ETEC - Anna de Oliveira Ferraz - Centro Paula Souza), e eterna estudante da UNESP - FCLcar, Vera Gonzaga é uma apaixonada por poesia. Estuda a fundo o poeta chileno Pablo Neruda (Nobel 1971), mas ama a poesia em todos os idiomas e em todos os estilos.
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