A maldição do ator, penso eu, é essa.
Sempre que vasculho antigos álbuns, nunca sei, além de você, quem está nas fotografias.
Já fui político, bandido, doutor, roceiro.
Aquelas velhas botas eram minhas ou da personagem?
As dores? Senti eu mesmo, ou tudo técnica?
Aos poucos, o que fui, perdeu-se. Tornei-me uma soma equivocada de características produzidas por roteiros.
Mas você estava lá.
Hoje, não sei qual rosto escolher ao levantar pela manhã.
Fui — ou algum dos meus papéis foi — uma grande tormenta de sentimentos e sensações. Uma claraboia de assuntos metafísicos. Especialista em diversos temas. Alguém a se recorrer. Mas você permanecia intocável. Um retiro. Uma fuga da rotina.
Talvez o meu grande erro fora deixar você invadir os sets, as estreias, as festas. Foi quando tudo se misturou.
Não há nada mais além de retratos inertes.
Agora que você me deixou, sou uma casa grande sem móveis. E estou em chamas.
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