Escolhi uma das quatro paredes para me encostar e te ouvir cantar até o amanhecer. Quando, de manhã, eu sinto sono eu o ponho de volta em sua jaula e deito sonhando com lembranças que poderiam ser mais reais. Sorrio. Mas você parece cansado, não canta mais como antes, velho amigo. Acendo as luzes para ver se tu canta mais alto, mas você não quer, você quer ver o mundo lá fora e ser alimentado por outrem. Você quer ter seu primeiro voou solo e ouvir outros pássaros cantarem também. Pois bem, vá!
Abriu tuas grandes asas de querubim enchendo o quarto com sua imponente sombra, ergueu-se em um pulo e voou longe da janela, do prédio e da minha vista.
O encontro de duas paredes se tornou minha nova companhia e eu não mais dormia fazia noite e dia. O chiado da televisão era o que me confortava naquela imensidão de quarto. Procurei a música perfeita no abrir e fechar da geladeira, no estalar da lata, no disco antigo e no meu assobio.
Um dia desperto de súbito e o vejo maltratado dentro de sua jaula aberta: Suas belas penas estavam sujas, sua pata machucada e teu voou prejudicado. Eu não ligo. Você também não. Você voltou para a sua gaiola dentro do meu coração, cantando uma música mais profunda que me faz murmura-la em dueto. Nesse pacto sempre vivemos: Você sai de noite e canta para mim, de manhã dormidos enjaulados, mas você ainda canta um pouco aqui dentro essa doce música dos anjos pagãos. Agora canta forte, canta alto quase como se pedisse ajuda.
Imagino por onde andou e quais foram suas vivências. Será que ouviu outros cantos? Será que pensou em nunca mais voltar? Eu gostaria de saber, todos gostaríamos, mas esse não é o conto de um pássaro que quer voar, e sim de um homem Solitário.
|