Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
🔵 Machucado: o soco que nunca existiu
Rafael da Silva Claro


O sinal iniciava a correria. Numa escola, a prioridade era, logicamente, a aula, mas no recreio valorizávamos cada segundo. Bola, copinho de plástico, papel amassado ou pedra eram chutados, quando as pernas eram poupadas.

Pois bem, o alarme começou a esvaziar o pátio, os corredores e a quadra. Tendo sobrado apenas eu, a sensação de solidão e medo foi estranha. No primário, eu ainda tinha medo de chegar na sala de aula e pedir licença para entrar. A porta ficava na frente da sala, isso deixava as coisas muito mais complicadas. Para não deixar a timidez tornar a situação incontrolável, eu não poderia ser o centro das atenções. Pois era exatamente isso o que estava prestes a acontecer.

Eu teria que chegar na sala de aula antes da professora. Esta corrida, que a docente participava sem sequer imaginar, começou. O vazio e o silêncio me apressaram, a ausência de adversários visíveis fazia com que a disparada cega fosse mais angustiante. O maior obstáculo era o morro que separava a quadra poliesportiva do corredor do primário.

A pressa e a pressão desencadearam uma disparada desajeitada. Previamente concentrado no obstáculo mais difícil, composto por barro e mato íngremes (o morro), não me preocupei com os degraus de cimento da arquibancada. Foi aí que eu errei a passada. A velocidade e o giro no eixo imaginário do corpo fizeram com que eu caísse com o rosto no degrau de concreto.

Foi pior do que eu imaginava. Pior, foi dramático como numa novela mexicana: abri a porta e, chorando, encarei uma plateia atenta e assustada com o meu pranto, bem como, minha cara estragada. Como se eu fosse um palestrante, todos me olhavam atentamente, inclusive a professora. Para quem temia enfrentar a timidez, não poderia haver prova de fogo mais apoteótica. Mas a dor superou a vergonha.

Uma aluninha voluntária ajudou a recolher o meu material e uma inspetora me acompanhou até a minha casa. A pressa, que sempre foi inimiga da perfeição, quis expôr a timidez, então fui humilhado e obrigado a cumprir, pela minha rua, um desfile com o rosto destruído.

Fui entregue em casa. Fui devolvido em condições precárias. Avariado, portanto, num estado inferior ao que fui despachado para o colégio.

Reparação histórica: Não falei! Foi uma queda, não um soco.


Biografia:
Ensino secundário completo. Trabalhei em várias empresas, fora da literatura. Tenho um blog, onde publico meus textos: “Gazeta Explosiva” Blogger
Número de vezes que este texto foi lido: 191


Outros títulos do mesmo autor

Resenhas 🔴 Euforia e exaustão Rafael da Silva Claro
Ensaios 🔴 Chuchu beleza Rafael da Silva Claro
Ensaios 🔴 Mascote politicamente incorreto Rafael da Silva Claro
Ensaios 🔴 Apenas um instante no universo Rafael da Silva Claro
Ensaios 🔴 “Um museu de grandes novidades” Rafael da Silva Claro
Ensaios 🔴 O mundo de Nárnia Rafael da Silva Claro
Ensaios 🔴 A pior propaganda do mundo Rafael da Silva Claro
Ensaios 🔴 A imprensa e a manifestação Rafael da Silva Claro
Ensaios 🔴 O descobrimento do Brasil Rafael da Silva Claro
Ensaios 🔴 Um maluco solto na África Rafael da Silva Claro

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última

Publicações de número 21 até 30 de um total de 421.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
Desabafo - 54344 Visitas
O Senhor dos Sonhos - Sérgio Vale 54301 Visitas
A menina e o desenho - 54160 Visitas
Jornada pela falha - José Raphael Daher 54156 Visitas
sei quem sou? - 54135 Visitas
MENINA - 54132 Visitas
Depressivo - PauloRockCesar 54109 Visitas
Vivo com.. - 54109 Visitas
eu sei quem sou - 54108 Visitas
viramundo vai a frança - 54081 Visitas

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última