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O IDIOTA de FIÓDOR DOSTOIÉVSKI
Gilson Borges Corrêa

Resumo:
O idiota do autor russo Fiódor dostoiévski é um excelente romance que vale à pena ler pelo seu conteúdo social e psicológico através da construção humanística de seus personagens.

O protagonista, um príncipe chamado Liév Nickoláeivitch Míchkin sofria de epilepsia, uma doença considerada na época em que o livro foi publicado, 1869, uma desordem psiquiátrica. Foi internado num sanatório na Suiça por vários anos para tratar da doença e retornaria a Petersburgo, para receber uma herança deixada por um parente de seu seu pai. Ali ele pretendia retomar a sua vida. A trama se desenvolve a partir da sua inadaptação à sociedade corrupta, devido a sua integridade, lealdade e senso de justiça.
Trata-se de uma narrativa densa, pois envolve uma gama imensa de personagens e situações que se desenrolam a partir dos vários entrechos que se cruzam, enfocando de forma magistral a personalidade austera, virtuosa e íntegra de Míchkin, opondo-se às demandas sociais, que se manifestavam pela esperteza, individualidade e injustiça.
Por outro lado, a obra apresenta uma narrativa tensa, por tratar-se de um romance de cunho psicológico, cujo pano de fundo é a doença e tudo que a envolve, transmite uma dramaticidade que influi nos personagens, tanto no protagonista, considerado um idiota, em virtude de suas convulsões e transitórios “apagamentos”, bem como em relação aos demais que demonstram o grau de preconceito e ignorância relacionado à enfermidade, através de atitudes grosseiras, levando Michkin ao isolamento. Afinal, para eles, a elipsia é uma loucura real ou presumível, mas que está sempre presente. Dentro deste universo, onde as atitudes ficam reféns dos preconceitos e descaminhos próprios de personalidades deformadas, a construção do ritmo da trama é sob permanente tensão. Neste cenário, o autor delineia a perspectiva social, que segundo sua ótica literária e talvez até mesmo sua ideologia, a questão básica é a construção de um personagem perfeito, no qual há características fundamentais de Jesus Cristo e atitudes e sentimentos muito próximos a Dom Quixote. Na verdade, há elementos quixotescos, embora não propriamente cômicos. Há aqui, certamente, o aspecto utópico, muito explorado por Dom Quixote. Pode-se afirmar que idiotice, neste caso refere-se à utopia, que é a ausência de lugar, ou seja, um lugar que não existe, que é apenas um sonho, uma fantasia. O ideal. Ele nao tem um lugar, nao é de lugar nenhum, a sociedade não consegue compreendê-lo.   
Já a referência a Jesus Cristo, apresenta-se no seu caráter social, onde o outro tem um peso igual ao seu na medida da justiça, do amor, da verdade, da honestidade. Ele ama o seu semelhante, tal como Cristo, e pretende distribuir a sua forma de sentir e ver a vida, na sociedade em que vive, entretanto, este despreendimento causa um estranhamento, um desconforto para a comunidade que nao absorveu os seus conceitos, ao contrário, manifesta-se de forma totalmente diversa do que ele pensa. É criteriosa no seu convívio, porque não lhe interessa a coletividade, nem o bem comum, mas sim a individualidade, o direito de cada um, não os seus deveres. Muito menos, os conceitos éticos, virtuosos ou morais.
O que fez o homem sobreviver foi exatamente o bom senso de preservar a sua vida e de se reunir em sociedade, porque era a unica condição de sobreviver. Míschkin é um homem sensato, além de seu caráter virtuoso. Ele representa não somente um ideal humano, mas um ideal russo, que se contrapõe à cultura europeia. Para ele, a Europa estava se afundando num materialismo enquanto que a Rússia ainda propagava o espírito como fonte para uma vida melhor. É um problema importante, inclusive sob o ponto de vista da efetividade do direito. Quanto mais bom senso, as pessoas tiverem, menos lei. Não são necessárias leis para estruturarem regras para a sociedade, quando esta caminha no rumo certo, quando esta obedece a regras definidas e solidárias, cujo bom senso é utilizado. Dostoévisk propôs, no fundo, esta questao da Rússia tradicional. Educar para deveres e não apenas exigir os direitos, como o grupo de Petersburgo agia. Neste maneira de pensar, há uma noção clara de coletividade, tal como Míchkin se expressava.
Nesta questão de direito, percebe-se que pelo fato de Míschkin ser um príncipe, o cruzamento das relações ligadas ao poder se estabelecem. Complexidade que o personagem interpela desde o primeiro momento. Durante toda a trama há questões juridicas, como a reivindicação de sua fortuna. Isso é relevante, porque ele nao enfrenta a questao simplesmente do ponto de vista matemático, ele pergunta sobre o outro o direito do outro, a responsabilidade que ele tem sobre o outro. Uma questao paradigmática. Trata-se de uma atitude surpreendente até para os dias atuais, porque o indivíduo que se envolve em pendengas jurídicas, preocupa-se com o seu direito, não com o seu dever, ou o direito do outro. Ele, ao contrário, é alguém que se ocupa das outras pessoas, que se envolve emotivamente com as pessoas, uma postura ética que a modernidade nao entende. No final do livro, retorna para a Suíça, o isolamento originário. Este personagem em confronto com aquela sociedade corrompida pelos valores, não consegue um lugar, nao tem um lugar nesta sociedade.
Por fim, através dos confrontos de Míchkin e seus relacionamentos, percebe-se que o individualismo perpassa o texto. Apesar da construção excessivamente idealista do personagem, não ocorre uma interatividade que reafirme o caráter bondoso do personagem através de mudanças nos demais. Ele não toma atitudes que os tornem melhores, que os qualifique a vivenciar uma mudança de paradigma naquela sociedade obtusa e obsoleta com a qual ele não concordava. A contrário, ele tem uma impossibilidade prática para agir, pois não angaria apoio no grupo. Propõe soluções, mas mesmo assim teme ser mal compreendido em seus ideiais e acaba não realizando nada. Para comprovar a regra, ele tem uma ação efetiva com uma personagem, a qual a ajuda, recompondo a sua imagem social. Por outro lado, sua ação se estabelece a partir da ajuda das crianças, talvez aí esteja a grande lição do autor, pois estas ainda não estão imbuídas de individualismo, não perderam a esponteneidade, ao ponto de compreender suas aspirações.
Por fim, pode-se afirmar que o romance expressa uma dramaticidade intensa, mostrando um homem inadaptado no grupo em que vive, porque está fora dos padrões estabelecidos. Talvez, o autor queira além de traçar um perfil psicológico, mostrar a sociedade corrupta da época, a modernidade que chegava na Europa, através da industrialização, tornando as pessoas cada vez mais individualistas, integradas a uma cultura materialista que ele abominava. Por outro lado, queria conservar e enaltecer a força espiritual da Rússia. Segundo ele, o sentimento patriarcal e ortodoxo era o caminho para a realização pessoal de seu País.
O idiota, de Dostoiévski é um excelente romance que vale à pena ler ou reler pelo seu conteúdo social e psicológico, através da construção humanística de seus personagens. No Brasil, temos a tradução diretamente da língua russa, por Paulo Bezerra, do russo, 3.ª ed., Editora 34, 2010.


Biografia:
Bibliotecário e escritor. Literatura é respirar com sofreguidão a vida, nutrindo-a de sentido.
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