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SEM PÉ NEM CABEÇA
fabio espirito santo

Resumo:
Todas as histórias estavam guardadas no oco de uma bola, até o dia em que a bola se abre e deixa escapar todos os personagens.


SEM PÉ NEM CABEÇA
Texto infantojuvenil para atores e bonecos
de Fábio Espírito Santo
fabioespiritosanto@gmail.com


PERSONAGENS:

Duende (Criatura)
Fulano de Tal
Contra-regra
Detetive Olho-Grande
Cavaleiro
Multidão
Minhoca
Ema 1
Ema 2
Pedro Sujeira
Principezinho
Mãe de Pedro
Atalaia
Barbosa
Lavadeira
Roberto Roberval
Apresentadores de TV

Salvador. Bahia. Brasil
1991_Versão 2007




SEM PÉ NEM CABEÇA
Texto infanto-juvenil para atores e bonecos
de Fábio Espírito Santo


(música de mistério; entra Duende brincando com uma imensa bola, no fundo do palco, uma tenda de teatro de bonecos)


CENA 1 – Duende

DUENDE
No início... Bem no iniciozinho mesmo, quando não havia nada, nadica de nada. Nem mar, nem chão, hortelã miúdo, graúdo, sapo beiçudo, cobra rasteira, tamanduá-bandeira... Isso tudo não existia não! Não tinha saci, cuca, coca-cola, nem cabra, nem cabra cabriola; não tinha arma, armamento, nem tanto sofrimento. Medo das alturas, acasalamento... Saudade ainda não existia. Só mesmo o pensamento é que se tinha! Cuscuz, arroz-de-leite, acarajé, abará? Nem pensar! Pra falar a verdade, faz muito tempo mesmo. Naquele tempo, as histórias eram guardadas num lugarzinho bem escuro... se é que o escuro já existia! As histórias eram guardadas dentro de um oco: no oco de uma bola. Só que elas de lá não saíam, não! Talvez porque não pudessem ou não quisessem de lá sair; ou então, porque simplesmente não tivessem nada que fazer do outro lado, de fora do oco, do outro lado, de fora da bola. Mas enfim, como tudo acontece um dia, tudo aconteceu neste dia.

(Duende joga a bola para dentro da tenda de teatro de bonecos e sai correndo; há um pequeno estouro e uma chuva prateada cai sobre tenda; de lá, aparece FULANO DE TAL.)


CENA 2 – Fulano de tal e Contra-regra

FULANO DE TAL
E de repente, apareceu! E esta história sou eu. Eu que mando, eu que faço e desfaço, dou o nó e dou o laço. A história é minha, o mundo é meu. Tenho o poder de mudar o curso do rio, a rotação da Terra e o brilho do Sol. Posso virar gigante e dar cascudo em gente falante. Sou o dono do mundo e disso eu não abro mão, nem por um segundo. E a minha história começa comigo mesmo, sendo eu, o ator principal! O mais bonito, o mais galante, entre todos o mais importante. E é assim que a minha história começa: eu, descobrindo o Anil!

(acordes épicos; Fulano de Tal desaparece; som de mar e gaivotas. Na mesma tenda, surge uma vela de caravela e o CONTRA-REGRA, vestido de marinheiro.)

CONTRA-REGRA (anuncia)
Estamos em pleno mar!

(Contra-regra sai. Na tenda, sobem panos que dão a idéia de ondas do mar. Entra Fulano de Tal segurando um guarda-chuva que imita uma vela de caravela.)

FULANO DE TAL
Estava em minha embarcação no meio de uma terrível tempestade!

(Conta-regra entra com um penico na mão e joga a água para os lados.)

FULANO DE TAL
Nunca tinha visto vento tão forte...

(Contra-regra desaparece e reaparece com um ventilador)

FULANO DE TAL
...e mar tão bravio, capaz de afundar qualquer navio. E chacoalhava daqui, tombava daqui, virava pra cá, caía pra lá, num balancê de fazer enjoar! Já estava ficando cansado, com tubarões por todos os lados.

(Contra-regra reaparece disfarçado de tubarão).

FULANO DE TAL
Gritei então: (Fulano de Tal dubla a voz de um outro ator) “Fora daqui seus tubarões famintos! Sumam comilões dos mares! A minha carne vocês não vão comer!”

CONTRA-REGRA (vestido de tubarão)
Sai pra lá!! Quem disse que eu quero comer sua carne, maninho? Só tô aqui curtindo o sol!

FULANO DE TAL
Esta não é a fala seu cara de mala. (bate na cabeça do Contra-regra, que sai de cena) Aí, os terríveis tubarões fugiram aos borbotões! (recompõe) Mas eu ainda continuava no meio da terrível tempestade, com ventos ferozes e ondas cada vez maiores.

(Contra-regra sobe o ventilador e joga a água do penico na cara do Fulano de Tal)

FULANO DE TAL
Ordenei então, que parasse a tempestade. (dubla a voz de um outro ator) “Que cesse a tempestade!”

(param todos os efeitos da tempestade)

FULANO DE TAL
Depois da tempestade veio um grande nevoeiro.

(Contra-regra joga talco pela tenda)

FULANO DE TAL
Não via nada pela frente, mas até que surge de repente...

(Contra-regra aparece disfarçado de dentista)

CONTRA-REGRA
Um dentista arrancando dente! (para Fulano de Tal) Abra a boca, diga trinta e três, noventa e seis.... Mal... Muito mal... Tá com bafo animal! (tapa o nariz)

FULANO DE TAL
Não seu bobalhão! (bate com o guarda-chuva na cabeça do Contra-regra, que desaparece) De repente, na minha frente, na ponta do meu nariz... Surge uma ponta de terra!

(acordes épicos; Fulano de tal desaparece. Na tenda, aparece o Contra-regra vestido de marinheiro)

CONTRA-REGRA (anuncia)
Terra a vista!!

(Contra-regra sai; somem os panos de mar e no lugar aparecem palhas de coqueiros. Entra Fulano de Tal)

FULANO DE TAL
Pronto! Esta terra é minha!

(entra o Contra-regra vestido de índio)

FULANO DE TAL
Mas veja quem vejo, olha quem olho: um índio!

CONTRA-REGRA
Mas veja quem vejo, olha quem olho: um branco!

FULANO DE TAL
Tu índio entender cara-pálida falar?

CONTRA-REGRA (desdém)
Gente branca pensa que índio é bobo!

FULANO DE TAL
Eu ser Fulano de Tal, o maioral, dono do mundo e deste lugar. Trago espelhinho para se olhar, panos para se cobrir e dinheiro pra gastar.

CONTRA-REGRA
Ora, vá te catar!

FULANO DE TAL
O quê?! Quer o rumo da história mudar?! Deixe de desatino, seu traquino.

CONTRA-REGRA
Mas veja só, seu bocó: você manda e eu faço! E sem eu não tem história, tá ligado?

FULANO DE TAL
Mas esta é a minha história.

CONTRA-REGRA
Mas também pode ser minha, ora. Pode ser nossa, pode ser da galera!

FULANO DE TAL (impaciente)
Mas ora, mas veja... eu vou te pegar! (avança para o Contra-regra, que desaparece) Ué, mas pra onde ele foi?

(Contra-regra reaparece vestido de repórter, com microfone na mão)

CONTRA-REGRA
Aqui é o repórter Beltrano, e estamos na presença do senhor Fulano de Tal, o metido a sem igual. (para Fulano) Senhor Fulano, o senhor acha que realmente descobriu o Brasil?

FULANO DE TAL
Bem... é... é que... eu estava...

CONTRA-REGRA
Senhor Fulano, se o senhor acertar nossa perguntinha vai ganhar um prêmio surpresa!

FULANO DE TAL
Prêmio surpresa?

CONTRA-REGRA
Senhor Fulano, diga para os nossos telespectadores, uma palavrinha que rime com anil. Cinco segundos.

FULANO DE TAL (pensa)
É... é... Brasil!! Brasil!! (efeito de palmas e confetes)

CONTRA-REGRA
Muito bem, senhor Fulano, o senhor acertou!

FULANO DE TAL
Acertei? Verdade? Eu acertei?

CONTRA-REGRA
O senhor acertou e acaba de ganhar uma maravilhosa passagem de volta!

FULANO DE TAL
Oba! Uma passagem de volta! Que bom! Que legal! Eu queria mandar um beijo pra minha mãe, pra meu pai e pra você. (muda tom) Êpa! Passagem de volta?! Mas que história é esta?

CONTRA-REGRA
É a história da história!

FULANO DE TAL
Mas essa história é minha! Sou eu que faço e desfaço, marco o passo e o compasso... (reconhece) E eu te conheço!

CONTRA-REGRA
Xiii, sujou!

FULANO DE TAL
Ah, seu cretino! É você! Mas eu te pego, te amasso, arranco teu pescoço.


(Fulano de Tal avança para o Contra-regra; música; correria; Fulano de Tal pára, de súbito e o Contra-regra consegue escapar)


FULANO DE TAL
Êpa! Veja quem vejo, olha quem olho. Ai, ai, ai! Ele vai chegar, muita pergunta fazer, blá, blá, blá, lê, lê, lê. Eu vou embora, depois eu pego aquele que se intrometeu na minha história. (sai)


CENA 3 – Olho-Grande
(música instrumental, tema do detetive OLHO-GRANDE. Ele entra com uma lupa, procurando pistas)

OLHO-GRANDE
Muito bem, agora me digam: onde vocês estavam no dia 31 de fevereiro de 1993, às 17 horas, hein!? Quando foi que vocês viram a história pela última vez, hein!? Foi no cinema? Nos gibis? No quintal ou na casa de vocês, hein!? Sabiam que ela não regulava muito bem da bola, não sabiam? Hein!? Vamos, falem! Não querem colaborar, não é? Mas não adianta, vocês são todos suspeitos. Tenho informações secretas sobre o envolvimento de vocês com a história. Sei que neste dia, vocês estavam com ela, brincavam com ela... Vamos, não escondam nada, hein! Pois ninguém enrola-enrola e bota na sacola o detetive mais esperto entre os espertos: eu, detetive Olho-Grande, formado por correspondência pela Agência Secreta Secretíssima de Detetives Secretos. E por isso mesmo, mais cedo ou mais tarde, eu encontro a história.


CENA 4 – Olho-Grande / Cavaleiro
(na tenda, aparece o Cavaleiro montado em seu cavalo, na verdade, um burrico do folguedo popular, atravessa a cena à todo galope)

CAVALEIRO
Calma bela donzela, estou indo salvar-lhe! (sai)


CENA 5 – Olho-Grande
(Olho-Grande segue com sua Lupa o caminho por onde o Cavaleiro passou)

OLHO-GRANDE
Ah-ah! Um suspeito! Como eu esperava, hein!? O pegarei com a mão na botija, ou melhor, na história. Solucionarei o caso e serei recebido como herói nacional! Eu, detetive Olho-Grande. Sempre de olho! (flash da música tema; sai por onde o Cavaleiro saiu)


CENA 6 – Multidão
(suspense; na tenda, um boneco que faz parte da MULTIDÃO aparece, checa se a ‘barra está limpa’ e chama os companheiros; aparecem vários bonecos. Sorrateiros, cochicham e recolhem objetos, ou transformam o cenário; interferem de algum modo no visual da cena; um deles, chamado de CRIATURA, passa carregando um saco que aumenta de tamanho cada vez que aparece; saem com o mesmo clima mistério)


CENA 7 – Minhoca
(música tema da Minhoca, ela entra e atravessa a tenda. Cada vez que ela aparece sempre vai de um lado para o outro)


MINHOCA (triste)
Que tédio! Que melancolia! Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de meu amor! Que tédio! Que melancolia! Ninguém me ama... (sai)


CENA 8 – Ema 1 / Ema 2
(Ema 1 e Ema 2 aparecem de surpresa, olham uma para outra, como num espelho; param por um instante)

EMA 1
Ih, você é a minha cara, igualzinha a mim!

EMA 2
Conversa ora, ora. Ficou doida da bola? Você que comigo parece.

EMA 1
Você que parece comigo. Eu é que tenho o bico comprido!

EMA 2
E miolo mole também! Por acaso acha que é só você que tem o bico comprido? Eu também tenho, ora, ora. (para a platéia) Agora pirou de vez, tá ‘lélé da cuca’. Será que viu assombração? Só pode, né! Desse jeito que me olha!

EMA 1
Não fique falando de mim pros outros, que você não me conhece. (à parte) Será que estou sonhando, vendo eu na frente d’eu?! Parece coisa de cinema! (olham-se novamente por um instante) não disse? Não falei? Você é igualzinha a mim!

EMA 2
É, você tem razão. Eu sou igualzinha a você. Eu contigo pareço. Ou estarei vendo assombração! Minha Nossa Senhora da Conceição, tomara que não. Ora, ora, preciso voltar a usar meus óculos, ou quem sabe um binóculo!

EMA 1
Não. Olhando bem, observando todos os lados... eu é que pareço contigo. É! Te-ti contigo!

EMA 2
Me-mi comigo? Não, está enganada.

EMA 1
É sim, pareço-me contigo. É. Sou igualzinha a você.

EMA 2
Ora, ora, vamos deixar de enrolação. Tanto faz, tanto fez.

EMA 1
Então dê aqui um abraço com bastante espalhafato.

EMA 2
Se é pra dá o que falar, é pra já!

(As Emas se abraçam-se espalhafatosamente)

EMA 2
Eu sabia que te conhecia de algum lugar, já tinha te visto sim, agora lembrei! Foi naquele programa de calouro: o ‘O show do Chacrinha’.

EMA 1
É, foi isso mesmo! Eu fui cantar uma vez e levei a maior buzinada. (faz o som da buzina)

EMA 2
Mas você até que estava indo bem!

EMA 1
“Flor de maravilha”.

EMA 2
O quê?

EMA 1
A música que eu cantei: “Flor de maravilha”.

EMA 2
Ah, que música linda! Canta pra mim, canta! Eu gosto tanto desta música. Ela é tão romântica!

EMA 1
Ah, não! Eu tenho vergonha.

EMA 2
Que nada sua boba, canta vai.

EMA 1
Está bem, vou cantar só um pedacinho. (canta)*
“Eu ia passando
Flor de maravilha
Lá no bebedouro
Flor de maravilha
Meu chapéu caiu
Flor de maravilha
Meu amor ‘panhou’.”

(*música do folclore brasileiro)

EMA 2
Tão bonita, né? Dá um aperto no coração!

EMA 1
De amor, é?

EMA 2 (ri encabulada)
De vontade de amar.

EMA 1
Isso é bom!

EMA 2
Você já amou muito?

EMA 1
Muito! A lua, as estrelas... já amei muito!

EMA 2
É. Eu também! O barulhinho do rio, o vento...

EMA 1
O mar!

EMA 2
O mar! Que bom, né?

EMA 1
É.

EMA 2
É!

EMA 1
Pois é, não é?

EMA 2
É, né?

EMA 1
É!

EMA 2
E não é que é!

EMA 1
É mesmo!

EMA 2
Pois é!

EMA 1
É!

EMA 2
O amor é bobo, né?

EMA 1
É.

EMA 2
Mas é bom, né?

EMA 1
Ah, isso é!

EMA 2
Conta uma ‘historinha’ pra mim, conta.

EMA 1
Eu adoro contar historinha. Deixa ver qual eu vou contar uma bem legal! Escute só! Era uma vez, um homem mau.



CENA 9 – Ema 1 / Ema 2 / Pedro Sujeira
(entra Pedro Sujeira e se posiciona num lugar do palco)

EMA 2
Muito mau, mesmo?

PEDRO SUJEIRA (sem paciência)
Não tá ouvindo ela falar não, é? Tá surda? Se ela disse que é mau, então é mau e ponto final!

EMA 1
Esse homem se chamava Pedro Sujeira!

PEDRO SUJEIRA
Muito desprazer! Aqui estou pra muita porcaria fazer. Ou vocês pensavam que eu não iria aparecer. (para as Emas) E pode deixar que eu continua a história.

(Emas ficam acuadas num canto)

PEDRO SUJEIRA
Pedro Sujeira, este é o meu nome. Venho de muito longe espalhando lixo por onde passo. Já poluí mares, rios e lagos. Já destruí florestas e sujei várias cidades. Comigo é assim: escreveu, não leu, começo a sujar, e não importa se rima, o negócio é avacalhar. (para platéia) E por que vocês estão me olhando com essa cara de quem está tomando remédio? Deixa estar, deixa estar... daqui a pouco, vocês, eu também começo a sujar. Mas antes, eu vos apresento um amigo de quem muito me orgulho e que me acompanha por esse meio-de-mundo. As cadelas o acham gostoso! É o meu cachorro Cheiroso. (CHEIROSO, um boneco, sai de uma lata de lixo que Pedro Sujeira carrega) por onde o Cheiroso passa, seu perfume fica no ar. É ou não é, Cheiroso? (Cheiroso reage) Mas vamos deixar de blá, bla, blá. Afinal, nós viemos aqui pra sujar ou pra conversar.

EMA 2
Eu não tô gostando desta historinha, não. Que coisa mais triste!

PEDRO SUJEIRA
Experimente sujar, você vai adorar!

EMA 2
Já sei até qual vai ser o final dessa história! Ele vai sujar tudo, poluir todos os rios, destruir as matas, e fim. Pronto! Fim da história. Todos tristes com uma montanha de lixo em volta. Que coisa mais chata! Não gostei desta história, não!
PEDRO SUJEIRA
Ah! Então conte outra!


CENA 10 – Ema 1 / Ema 2 / Principezinho / Pedro Sujeira

EMA 2
E conto, sim. Deixa eu ver... qual eu vou contar? Deixa eu lembrar! Ah, sim. Era uma vez, num reino muito distante, um principezinho que vivia muito feliz!

(entra Principezinho com uma flor na mão)

PRINCIPEZINHO
Oh, que linda flor!

EMA 1
Eca!! Estas historietas de novo? Já estou cansada delas.

PEDRO SUJEIRA
Quanta bobagem!

EMA 2
Assim é o fim do mundo, estão todos contra mim. Esta bem, volta o Pedro Sujeira e seu cachorro Cheiroso.

(Sai principezinho)


CENA 11 – Ema 1 / Ema 2 / Pedro Sujeira

PEDRO SUJEIRA
Oi, aqui estou de voltar para o mundo todo sujar. Olê, lê; olá, lá!

EMA 2
Xi, que chateação! Vê se muda de canal! Sujeito assim vejo todo dia pela rua, ora, ora.

PEDRO SUJEIRA
Mas eu sou diferente, ando pra trás, ando pra frente, sujo muito e fico contente.

EMA 2
Ai, meu Deus, dai-me paciência. Vê se te enxerga ora, ora. Acho que você só tem cabeça, porque prego também tem. E quer saber? Quem já está de saco cheio sou eu. Vou embora, me divertir em outro lugar, quem sabe tomar um banho de mar.

PEDRO SUJEIRA (gargalha)
Que boboca! Praia limpa não vai achar, já levei todos os esgotos pra lá.


EMA 2
Então vou pro bosque passear.

PEDRO SUJEIRA
Muito pior, árvores você não vai encontrar, arranquei todas do lugar: da oiticica ao juazeiro, jaqueira e jacarandá, eucalipto, cajueiro, pitombeira já não há. Mangueira nem se fala, quanto mais, em pinheiro, vendi tudo pra ganhar muito dinheiro.

EMA 2
Ora, ora, ora, é de fazer raiva um negócio desse. (para Pedro) Olha, de gente como você eu quero ficar longe.

PEDRO SUJEIRA
Ai, ai, ai, calminha minha filha!

EMA 2
Calma, o quê? Eu vou pro ‘Cafundó-do-Judas’, lá eu posso descansar. E passe muito mal! Fui!

EMA 1 (para Ema 2)
Ei, espere, eu te conto outra historinha...

(Ema 2 sai)


CENA 12 – Pedro Sujeira / Ema 1

PEDRO SUJEIRA
Cafundó-do-Judas? Onde fica este lugar? Nunca ouvi falar! Preciso conhecer pra começar a sujar.

EMA 1 (triste)
Ela se foi, e agora?

PEDRO SUJEIRA
Junte-se à nós, aumentaremos os negócios...

EMA 1
Ah, vá te catar! (sai)


CENA 13 – Pedro Sujeira

PEDRO – Que criatura grossa! Mas tudo bem, tudo legal, começa agora a minha história fenomenal! (Canta)*

Esgotos fétidos, ratos imundos
Carros fumacentos, baratas cascudas
Corruptos, canalhas iguais a mim
Uni-vos!

Latas de lixo eu vou chutar por aí
Passar a perna, fazer todo mundo cair
Muita sujeira vou espalhar pela cidade
Esculhambando qualquer sinal de felicidade

Porque sou mau, au, au
Porque sou mau, au, au

Vermes branquelos, poças de lamas
Chaminés de fábrica, sujismundos anônimos
Crápulas, víboras iguais a mim
Uni-vos!

*(música: Luciano Bahia / letra: Fábio Espírito Santo)



CENA 14 – Pedro Sujeira / Mãe de Pedro
(no final da música entra a Mãe de Pedro Sujeira)

MÃE
Mas que bagunça é essa aqui, Pedro? É você quem tá fazendo essa porcaria toda, menino?

PEDRO SUJEIRA (assustado)
Mamãe!!

MÃE
Veja só o que você fez, seu moleque! Eu não te criei pra isso, não. Foi essa a educação que eu lhe dei? Foi?

PEDRO SUJEIRA
Mas mamãe...

MÃE
Não venha com “mas mamãe” pra cima de mim que você não me engana!! Onde já se viu, fazer uma coisa porcaria desta!?

PEDRO SUJEIRA
Desculpa, foi sem querer!

MÃE
Que desculpa coisa nenhuma. Sei muito bem o que você está merecendo! Pra que te dei tanta educação, hein? Foi pra você me fazer passar vergonha!! Ai, meu Deus!! Onde foi que eu errei!? Me diz, me diz!!

PEDRO SUJEIRA
Já acabou o sermão, mãe?

MÃE
Mas que menininho petulante, este! Não sei a quem você puxou!

PEDRO SUJEIRA
Eu e Cheiroso temos muito trabalho pra fazer, mãe!

MÃE
Esse vira-lata tá precisando é de um bom banho!! E com certeza vocês vão ter muito trabalho sim!! Mas é pra limpar toda esta porcaria que vocês fizeram!!

PEDRO SUJEIRA
Mas mãe, aí é jogo sujo! Eu não vou limpar, não. A senhora quer me humilhar!

MÃE
Humilhada estou eu, de você ser assim!! Agora, já pra casa. Vai pegar uma vassoura pra deixar tudo isso aqui limpo!!

PEDRO SUJEIRA
Limpo?!

MÃE
É sim senhor!! Quer ficar de castigo?!

PEDRO SUJEIRA
Mas mãe!! Tá tudo tão bonito assim!!

MÃE
Tá sim! Tá bonito pra sua cara, seu pestinha! Vai deixar tudo isso aqui numa limpeza só! É isso que você vai fazer!

PEDRO SUJEIRA
Ah, mãe! Assim não vale, a senhora adora acabar minha brincadeira!! (vão saindo)

MÃE
Você vai adorar a brincadeira de varrer, eu te ensino!

PEDRO SUJEIRA
Que brincadeira mais boba!!

MÃE
Tenho outras brincadeiras em casa pra você. Agora anda!!!

(Mãe sai puxando a orelha de Pedro Sujeira)



CENA 15 – Atalaia /Barbosa
(toca um forró; na tenda, sobem bandeirinhas de São João, aparecem Atalaia e Barbosa, dois mamulengos)


ATALAIA
... E é verdade mesmo, compadre?

BARBOSA
Mas ora! E eu por acaso sou algum mentiroso? Quero que Deus tape a minha boca se eu estiver mentindo. (tempo) Pois foi, logo que me contaram o acontecido, fui até o local em que se encontrava a fera.

ATALAIA
Quer dizer que o compadre foi ao encontro da besta-fera!

BARBOSA
Mas claro!

ATALAIA (À parte)
Tá querendo me enrolar, tá querendo me enrolar!

BARBOSA
Tinham deixado no curral, um touro brabo: o Mimoso.

ATALAIA
Pelo nome se vê como o bicho é brabo. Mimoso era o nome do touro?

BARBOSA
Mimoso! Tinha até certidão de nascimento!

ATALAIA (à parte)
Tá querendo me enrolar, tá querendo me enrolar! (para Barbosa) Mas o compadre é muito valente!

BARBOSA
Pulei então a cerca e fui em direção ao touro. Pan, pan, pan, pan... O bicho pulava mais que pipoca, o compadre precisava ver!

ATALAIA
Pulava mais que gente em dia de carnaval?

BARBOSA
Ihhh, muito mais!

ATALAIA
Mimoso era o nome do touro?

BARBOSA
Mimoso!

ATALAIA
O bicho é brabo!

BARBOSA
Topei então com a cara do bicho-brabo! E fiquei olhando pra ele, cara-a-cara! Ele me encarando com aqueles olhos de breu, soltando fumaça pelas ventas e me babando todo! Foi então que dei então um pulo pra trás: vupt! puft! E chamei o valentão pra me enfrentar! O bicho veio pra cima de mim com mais de mil! Puff, puff, puff... levantando um poeiral que eu quase nem via danado!

ATALAIA
Meu São Jorge!

BARBOSA
E foi! Rezei então pra São Jorge, o santo guerreiro, e agarrei o valentão pelo chifre! Puuumm! Ele chaqualhava a cabeça e eu agarrado no chifre...

ATALAIA
E o compadre agarrado no chifre!

BARBOSA
E eu agarrado no chifre! Dele!

ATALAIA
Do boi?

BARBOSA
Mas claro, e tinha outro chifre ali, compadre!?

ATALAIA (à parte)
Tá querendo me enrolar, tá querendo me enrolar!

BARBOSA
Só sei que eu montei no bicho brabo e ele saiu em disparada, arrebentando as cercas e cancelas que via pela frente... dando pulo comigo de mais de 100 metros de altura!

ATALAIA
Ôôôô tourinho pra pular, compadre! (à parte) Tá querendo me enrolar, tá querendo me enrolar!

BARBOSA
Até que de tanto pular o bicho acabou se cansando e deixei então ele lá, estirado, estatalado no chão e agarrei no rabo no primeiro cometa que passou!

ATALAIA
E como foi que o compadre conseguiu se agarrar no rabo do cometa!?

BARBOSA
Num pulo só!

ATALAIA (à parte)
Tá querendo me enrolar, tá querendo me enrolar! (para Barbosa) E aí, compadre!?

BARBOSA
Pois bem, aí o cometa me levou pra onde estava a besta-fera.

ATALAIA
Não diga, compadre! E como era a tal da besta-fera?

BARBOSA
O compadre nem imagina!

ATALAIA
Imagino mesmo não.

BARBOSA
Nem podia compadre, não se parecia com nada deste mundo!

ATALAIA
É! Não se parece com nada deste mundo as coisas que acontecem neste mundo! Não é compadre?

(vão saindo)


CENA 16 – Atalaia / Barbosa / Ema 2
(aparece a Ema 2 e fala com os dois)

EMA 2
O que é que não se parece com nada deste mundo, hein? (some)

ATALAIA (para Barbosa)
Aí compadre, não falei? Tem até Ema falante!

EMA 2 (aparece e some)
Falante e com muito prazer!

BARBOSA
Ôxe, compadre! Cadê a tal da Ema? Tá inventado coisa compadre!!? Iiii, tá querendo me enrolar, tá querendo me enrolar!

(saem)


CENA 17 – Ema 2
(Ema 2 reaparece)

EMA 2
Ora, ora, ora... será que eu não me pareço com nada deste mundo? Mas também, o que importa, né? Aqui se encontra de tudo mesmo: é cavaleiro andante, palhaço, príncipe galante, hipopótamo, goiamum, girafa e elefante!


CENA 18 – Ema 2 / Cavaleiro
(passa Cavaleiro a todo galope)

CAVALEIRO
Calma bela donzela, estou indo salvar-lhe... (sai)

EMA 2 – Iiii, mas pra tanta correria? Querem me deixar zonza pra eu não falar heresia!

(Entra Cavaleiro do lado oposto)

CAVALEIRO
Tô chegando linda donzela!! (sai)

EMA 2
Ora, ora, ora, quer comigo brincar! Me roda pra cá, me roda pra lá... Estão pensando que eu sou roda-gigante pra viver a girar?!

(Cavaleiro entra acalmando seu cavalo)

CAVALEIRO
Ôô-ôô!!! Calma Escadinha, calma!

EMA 2
Vixe! Mas pra que toda essa pressa? Parece até um furacão, daqueles que arranca o calção. Cuidado pra nessa correria não meter a cara no chão.

CAVALEIRO
É preciso correr, é preciso se apressar... Preciso salvar uma donzela que está em perigo.

EMA 2
Em perigo!? Onde?

CAVALEIRO
Em algum castelo distante... ou melhor, na torre de algum castelo gigante!

EMA 2
Castelo... castelo... Mas eu até agora não vi nenhum castelo por aqui.

CAVALEIRO
Não sei, não interessa... estou com pressa! Alguma donzela está em perigo e eu preciso salvá-la. (grita para longe) Fique calma bela donzela, seu cavaleiro está à caminho! Vamos embora Escadinha, sebo nas canelas!! (sai)

EMA (sai atrás dele)
Ei, espere! Qual o seu telefone se por acaso eu precisar. Ei espere, você precisa me contar! Ei, espere!

(sai)


CENA 19 - Lavadeira
(entra LAVADEIRA cantarolando com uma trouxa de roupa na cabeça)

LAVADEIRA
Sou a lavadeira do tempo. É. Eu lavo os panos do tempo. Quando as nuvens estão pesadas, é porque os panos estão sujos; aí eu tenho que passar uma ‘agüinha’. Por isso chove aqui embaixo. É um trabalho insano! Tenho que molhar, ensaboar, botar pra quarar, enxaguar, torcer, estender... e depois esperar secar pra passar! Sabe quando se sente um calorzão, vê o céu limpinho, sem nuvem nenhuma? É porque estou passando os panos do tempo! Ele é muito vaidoso! Mas chega de conversa pois tenho roupa demais pra lavar. Por isso vou estender um rio que vai dar no mar: um rio azul! (canta* estendendo o rio, um pano azul; neste momento, na tenda, aparecem umas bonecas lavadeiras que formam o coro e ajudam a estender o pano azul pela tenda; saem logo ao final da música)

Pra lavar a roupa tem que ter o rio
Tem que ter o rio, tem que ter o rio
Pra lavar a roupa tem que ter o rio
Lauera, lauera, lauerá

Ai, ai, ai
Oi, oi, oi

Estender o rio pra lavar a roupa
Lavar a roupa , estender a roupa
Estender a roupa pra secar a roupa
Lauera, lauera, lauerá

*(música e letra de Luciano Bahia)


LAVADEIRA
Pronto! Já tem o que estava faltando: água azul de rio pra toda roupa eu lavar. E não pensem vocês que eu apenas lavo os panos no tempo. Não! Lavo também o véu do mistério, o manto lunático, as flores de plástico, a lona do circo, a barba da mulher-barbada, a cara melada... Ihhh, lavo tanta coisa! Ah, mas sempre me sobra um tempinho pra olhar o curso do rio, pra jogar pedra n’água. (pega algumas pedras imaginárias) Cada pedra que se joga n’água, o som é diferente! (vai jogando as pedras no rio) As maiores fazem: plulum!! As de tamanho médio: ploum!! As menores, por exemplo, fazem: ploin! As menorzinhas: plium!! Isso tudo, é claro, dependendo da altura que a pedra caia n’água. O tempo está tão bom, que dá vontade de cair neste rio e nadar, nadar, nadar... até encontrar o mar! Depois que encontrasse o mar, nadaria tudo de volta! Até chegar aqui, onde estou agora! Mas é tanta conversa, né? Deixa eu voltar ao meu trabalho, senão no final do mês não tem salário! (volta a lavar a roupa e a cantarolar)


CENA 20 – Lavadeira / Roberto Roberval

(A lavadeira é interrompida por ROBERTO ROBERVAL, um cantor brega, que faz sua performance na tenda de bonecos)

LAVADEIRA
Ihhh, quem é que canta tão mal assim?!

ROBERTO ROBERVAL (na tenda)
Oh, uma fã! Deve estar querendo um autógrafo e não consegue chegar perto de mim. Vou então até ela. (desce e sobe) Sim... pois uma fã é uma fã! Garotas... uau!!! (desce da tenda)

LAVADEIRA
Nesta história aparece cada figurinha, não é mesmo!?

R.ROBERVAL (como se estivesse com seguranças)
Calma, calma! Esperem! Deixa que ela chegue perto de mim! Ela quer apenas me tocar e pedir um autógrafo e um beijo de seu ídolo. Darei, pois sim. O que é que eu não faço pelos meus queridos fãs! Darei, e darei muito mais. Darei uma foto autografada. (para Lavadeira, que continua parada) Como é seu nome minha fã? Não, não precisa desmaiar minha pérola! Sou eu mesmo! Cantarei para que minha voz acalme tua alma! (canta)

LAVADEIRA
Aiii! Chega! Quem é que pode trabalhar com uma zuada dessa?! Ei, moço! Ô meu senhor! O pior é que ele finge que não escuta! Você quer fazer o favor de calar esta matraca!

R.ROBERVAL
Calma, calminha! Não tenha pressa, dar-te-ei o meu delicado beijo. (beija a Lavadeira) Agora você poderá dizer para todas as suas amigas, que você ouviu e viu o seu ídolo: Roberto Roberval, a voz apaixonante do Brasil! Garotas.... uau!!!

LAVADEIRA
Mas que história é essa de beijo? Te dei alguma ousadia? E quem é esse tal de Roberto Roberval?

R.ROBERVAL
Ora, minha pequena! Não estás me reconhecendo? (cantarola) Sou eu, Roberto Roberval, o cantor das multidões, o rouxinol do alvorecer, a bela das mais belas vozes, o que está em todas as paradas...

LAVADEIRA
De sucesso!

R.ROBERVAL
Não, de ônibus, minha fã. Sou um cantor popular. Todos clamam por mim! (canta)

LAVADEIRA
Ai, ai, ai, ai... está doendo os meus ouvidos! O senhor quer se calar, por favor!

R.ROBERVAL
Calma minha fã!

LAVADEIRA
Que fã, coisa nenhuma! Eu nunca te vi, bem-te-vi!

R.ROBERVAL
Já sei porque não está me reconhecendo: é o meu novo visual. Não estou mais bonito? Garotas... uau!!

LAVADEIRA
Tem sujeito que não se enxerga!

R.ROBERVAL
Mas a minha voz... Não lembra!?


LAVADEIRA
Não. Ainda não tinha tido este desprazer!

R.ROBERVAL
Vou refrescar a sua memória. O que esta música de lembra? (canta)

LAVADEIRA
Felizmente, nada!

R.ROBERVAL
Ah, mas esta talvez você se recorde, foi logo quando eu comecei, um dos meus primeiros e grandes sucessos. (canta) E aí?

LAVADEIRA
Nunca ouvi coisa pior!

R.ROBERVAL
Mas assim não é possível! Sua memória está horrível! Você está com amnésia!

LAVADEIRA
Agora, o senhor vai embora e me deixe lavar minha roupa na paz que eu estava!

R.ROBERVAL (triste)
É... realmente você não me conhece! Que pena! (chora)

LAVADEIRA
Ora! Calma moço! Eu não te conheço porque nunca te vi. Desculpa... eu só fui grossa porque você não parava de cantar. Mas não fique triste, não.

R.ROBERVAL
Mas quem é que está triste aqui!? Só pode ser você que não sabia quem eu era, mas agora já sabe. E será, com certeza, mais uma fã de Roberto Roberval, o garganta de ouro! Veja só, a felicidade bateu em sua porta! E para selar este grande momento, cantarei de minha autoria, pois foi eu mesmo que fiz, uma música em homenagem a minha mais nova fã. Maestro! (canta)

LAVADEIRA
Aiiii! Acabou-se a calma! Vou pedir férias, assim não dá, tá impossível de trabalhar! Vocês me desculpem, mas eu não posso ficar. Vou lavar minha roupa em outro rio onde eu possa ficar em paz. (para ele) Ouviu, seu Roberto Roberval? Pois com o senhor cantando, eu acabo passando mal! Tchau! (sai)



CENA 21 – Roberto Roberval / Apresentadores de TV / fãs

R.ROBERVAL
Mas tem pessoas que não sabem reconhecer um talento, não é mesmo? Não sabem definir uma bela voz! Mas não tem nada! Quando eu estiver estampado em todas as revistas e jornais, nas telas de cinema, tocando em todas as rádios, cantando na TV...

(vinheta de programa de TV; surgem na tenda, dois bonecos apresentadores)

APRESENTADOR
Agora, com vocês...

APRESENTADORA
A sensação do momento!

APRESENTADOR
Ele, que é está em todas as paradas de sucessos!

APRESENTADORA
Mais de cem milhões de discos vendidos!

APRESENTADOR
Primeiro lugar em todas as rádios!

APRESENTADORA
Considerado pelos críticos como o melhor cantor da década!

APRESENTADOR
Ganhador do prêmio “S”, de melhor tudo!

APRESENTADORA
É ele mesmo!

APRESENTADOR
Você pediu...

APRESENTADORA
...e o “Ovo de Ouro” trouxe até você...

APRESENTADOR E APRESENTADORA
Roberto Roberval!

APRESENTADOR
Cantando...

APRESENTADOR E APRESENTADORA
“Não me deixe sozinho aqui”

(Aplausos; bonecos saem; sobe na tenda um coro de lavadeiras; Roberto Roberval canta*)

Meu bem
Não me deixe sozinho aqui
Aqui, sozinho meu amor, não me deixe
Só, sozinho
Se você me deixar sozinho
Aqui neste lugar, nesta solidão
Sozinho, sozinho eu vou ficar
Se você me deixar
Sozinho aqui
Aqui neste lugar
Sozinho aqui
Aqui eu vou ficar
Sozinho, sozinho
E querendo te amar.

*(música e letra de Alexandre Alves e Márcio Valverde)

R.ROBERVAL (fala com fãs imaginárias)
Obrigado minhas fãs, muito obrigado!! Comprem meus discos, compareçam em meus shows, cantem minhas músicas... Calma, calma, tem autógrafo pra todo mundo! Não precisa rasgar minha roupa!! Me desculpe, vocês são fãs adoráveis, mas preciso ir... tenho um encontro marcado com as multidões. Foi bom está com vocês. Foi muito bom, mesmo! Um beijão em todas vocês, todas as fãs do pop-star Roberto Roberval!! Garotas... uau!!! (sai)


CENA 22 - Multidão
(Mistério; Multidão entra com a Criatura carregando um saco ainda maior; a Multidão coloca sobre a tenda de bonecos um véu, o véu da noite; a cena escurece; misteriosamente a Multidão saem)


CENA 23 – OLHO-GRANDE
(Olho-Grande entra logo atrás; vem com uma lanterna e ao som de grilos)

OLHO-GRANDE
É noite! Mas não pensem que vocês podem me passar a perna, hein!! Mesmo no escuro, eu, o detetive Olho-Grande, posso perceber o menor movimento de fuga. Meus olhos podem enxergar tão bem de dia quanto à noite. E então!? Resolveram confessar? Onde vocês estavam na tarde de 31 de fevereiro de 1992, às 17 horas, hein? E não adianta vir com lero-lero... não sou trouxa e nem quero que me botem na bolsa. (vê o rio) Ôpa! Espere! Que rio é este, hein? Huumm... muito bem! Um rio... o anoitecer... agora as coisas se encaixam! Fiquem onde estão! O menor movimento e estão todos liquidados, hein!! Estou mais perto do que pensava. Só preciso de provas concretas; pois sei que este caso é canja para mim! Eu, detetive Olho-Grande!!


CENA 24 – Contra-regra / Fulano de Tal
(Música; na tenda, entra o Contra-regra correndo, seguido pelo Fulano de Tal; Contra-regra consegue fugir)

FULANO DE TAL
Pode correr por todo o mundo que um dia te pego! (pausa) Êpa! Que escuridão é esta? Quem colocou a noite na minha história? Eu quero o dia bem claro, um dia ensolarado. (tira o véu; a cena fica mais iluminada) Ei, que rio é este? Eu não quero um rio, quero o mar, um oceano enorme onde eu sozinho possa navegar. Isto só pode ser coisa daquele cretino que fica querendo inventar. Mas deixa estar... deixa estar... eu percorro todo o mundo, todo o sistema solar, vou ao planeta mais distante... mas um dia, eu encontro aquele tratante, que quer minha história mudar! (começa a correr) Não adianta correr... eu vou te pegar!!!

CENA 25- Principezinho
(Sons de pássaros cantando; entra Principezinho)

PRINCIPEZINHO (passeando)
Oh, que lindo dia! Oh, que lindo sol! Oh, que lindas flores! Oh, que lindo público! (sai)


CENA 26 – Minhoca / Olho-Grande
(Tema da Minhoca; ela entra; durante a fala da Minhoca, entra o detetive Olho-Grande e a observa)

MINHOCA
Que tédio! Que melancolia! Que tristeza! Ninguém me ama... ninguém me quer... ninguém me chama de meu amor! Que tédio! Que melancolia...

OLHO-GRANDE
(à parte) Outra suspeita! (para Minhoca) Não adianta tentar esconder, hein! Eu já sei de tudo, hein!

MINHOCA
Tudo!?

OLHO-GRANDE
Vamos, confesse para o seu próprio bem! Onde está a história, hein? Onde você a escondeu, hein?

MINHOCA
Onde está o quê? Que história? Não estou entendendo!! Do que você está falando?

OLHO-GRANDE
É sempre assim, não muda nunca: o suspeito nunca sabe de nada!

MINHOCA (vai saindo)
Que tédio! Que melancolia!....

OLHO-GRANDE
Tem nada, não, quem ri por último... ri por último, não interessa! Mas vocês podem esperar... podem esperar, hein! Esta, não é nenhuma missão impossível, este caso eu solucionarei. Eu, hein! O detetive mais esperto entre os espertos. O mais perspicaz, o mais-mais! E não adianta tentar me passar a perna. Eu estou de olho em vocês!! (música tema; sai)


CENA 27 – Minhoca / Cavaleiro
(apressado, entra Cavaleiro por um lado e atropela a Minhoca)

MINHOCA
Que tédio! Que melancolia! Que tristeza! Ninguém me ama... ninguém me quer...

CAVALEIRO
Estou indo bela donzela, não se aflija estou indo...

(eles se recompõem)

CAVALEIRO
Oh, desculpe bela dama! Acabei atropelando a linda donzela. É que ando tão apressado!

MINHOCA
Eu é que ando tão distraída! Atrapalhei o senhor, não foi? Pra onde o senhor ia com tanta pressa?

CAVALEIRO
Ora, me chame apenas de você.

MINHOCA
Está bem. O que é que você faz?

CAVALEIRO
Sou salvador de donzelas em perigo!

MINHOCA
Puxa, muito interessante! É um trabalho muito perigoso, não é mesmo?

CAVALEIRO
Mais ou menos, bela dama! E a senhorita? O que faz?

MINHOCA
Eu!? Eu não faço nada. Só ando triste de um lado pro outro!

CAVALEIRO
Triste!? Mas por quê?

MINHOCA
Ora... ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de meu amor!

CAVALEIRO
Oh, não acredito! A senhorita é tão... se me permite, é tão simpática, tão charmosa, tão bela!

MINHOCA (ri encabulada)
Ora, não me faça ficar vermelha!

CAVALEIRO
Mas preciso ir, preciso me apressar... uma donzela preciso salvar! Adeus! Sebo nas canelas, Escadinha! (sai)

MINHOCA (sozinha, depois de um suspiro)
É! Ninguém me ama... ninguém me quer... ninguém me chama de meu amor! Que tédio!... (vai saindo)

CAVALEIRO (volta) Linda donzela! Espero não estar sendo... assim... audacioso, inoportuno... mas não aceitaria tomar um sorvete comigo?


MINHOCA
Sorvete!? É, bem... acho que vou aceitar, porque o senhor... quer dizer, você é uma pessoa muito simpática! (começa a tagarelar e vão saindo) E eu adoro sorvete, sorvete de chocolate, sorvete de morango com cobertura de baunilha, ou baunilha com cobertura de chocolate....


CENA 28 – Ema 1 / Ema 2
(Sobem Ema 1 e Ema 2; olham-se como num espelho)

EMA 1 e EMA 2
Ih, você é a minha cara. Igualzinha a mim. Conversa ora, ora.. ficou doida da bola? Você é que parece comigo.

EMA 2
Ah, não! De novo não, já chega de confusão.

EMA 1
É verdade. (tempo) Estava com saudade de você!

EMA 2
Eu também, ora, ora...

EMA 1
Você saiu correndo... furiosa!

EMA 2
Você me promete não contar mais aquele tipo de historinha triste?

EMA 1
Prometo sim. (ela se olham; riem) O amor é bobo, né?

EMA 2
É!

EMA 1
Mas é bom, né?

EMA 2
Ah, isso é! (riem encabuladas) Canta uma musiquinha pra eu dormir, canta! Canta, vai!

EMA 1
Qual?

EMA 2
Aquela: “Flor de maravilha”.

EMA 1
Está bem, mas só um pedacinho, tá? (começa a cantar)

“Eu ia passando
Flor de maravilha
Lá no bebedouro
Flor de maravilha
Meu chapéu caiu
Flor de maravilha
Meu amor panhou!”

(Emas saem apaixonadas)


CENA 29 – Todos os personagens
(música de suspense; a Multidão entra sorrateira, um a um, e atravessa o palco; logo após todos os personagens atravessam o palco como estivessem fugindo ou sendo procurados; um tempo depois de cenas de perseguição o detetive Olho-Grande interroga alguns personagens)

OLHO-GRANDE (para R.Roberval)
Cadê a história?

R. ROBERVAL
Um fã. Quer um autógrafo? Pois não...

OLHO-GRANDE
Fã? Está querendo me passar a perna, onde está a história?

R.ROBERVAL
Então você é um repórter? Claro, claro, que cabeça! Contarei a história da minha vida. Eu canto desde de pequenininho, sabia? (cantarola)

OLHO-GRANDE
Não se faça de bobo, quero saber onde você a escondeu.

R.ROBERVAL
Posso te contar as histórias das minhas canções. São tantas emoções! (sai cantarolando)

(entra Contra-regra)

CONTRA-REGRA
Estamos em pleno mar!

OLHO-GRANDE
Onde está a história?

CONTRA-REGRA
História?

OLHO-GRANDE
A história.

CONTRA-REGRA
A história? Que história?


OLHO-GRANDE
A história...

CONTRA-REGRA
História, que mané história?

OLHO-GRANDE
Chega!


(sai Contra-Regra, entra Mãe de Pedro)


MÃE
Pedro, meu filho. Onde você se meteu?

OLHO-GRANDE
Muito bem... a senhora me dá um minuto de sua atenção?

MÃE
Me desculpa moço, não quero fazer teste de sabão em pó nenhum. Deixa pra outra hora, preciso encontrar o moleque do meu filho. (chama) Pedro! Pedro! Cadê você, seu pestinha?

OLHO-GRANDE
Olhe dona...

MÃE
Aquele menino deve tá fazendo alguma traquinagem! Como mãe sofre! (chama) Pedro! Pedro!

OLHO-GRANDE
Não me engane.

MÃE
O Pedrinho me engana toda hora. Veja só que menino da gota-serena. Mas deixa só eu meter as mãos nele... vou trancá-lo no banheiro e em baixo do chuveiro por um dia inteirinho. (chama) Pedro! Cadê você, menino?

OLHO-GRANDE
Essa mulher é suspeita! (vai atrás da mãe)


(sai Mãe e pelo mesmo lugar entra Lavadeira, batendo de frente com o Olho-Grande)


LAVADEIRA
Que é isso, seu moço. Saia da frente que eu tenho que trabalhar.

OLHO-GRANDE
Não adianta, não adianta... você tem as mãos sujas.

LAVADEIRA
Endoidou, foi? Se eu tivesse as mãos sujas, como é que eu ia lavar os panos do Tempo?

OLHO-GRANDE
Quer dizer então que lavaram as suas mãos, você também é cúmplice. Não tente me enganar... cadê a história?

LAVADEIRA
Quer cor é essa história?

OLHO-GRANDE
Que cor? É... bem...deixa eu ver... acho que é multicor!

LAVADEIRA
Então eu não conheço! Me deixa em paz. Se fosse azul, tudo bem. Sei da história do rio de água azul, mas essa não serve.

OLHO-GRANDE
Mas...

LAVADEIRA
Tchau seu moço, passe bem! Tenho roupa demais pra lavar. (vai saindo)

OLHO-GRANDE (corre atrás dela)
Ei, ei, espere. Você ainda não me contou. Espere!

(volta a cena de corrida e perseguição com todos os personagens; ao final entram Multidão e Olho-Grande)

OLHO-GRANDE
Parem todos! Fiquem onde estão! O menor movimento e estarão todos liquidados.

(Multidão foge, ficando só a Criatura, que na verdade é o Duende disfarçado)

OLHO-GRANDE (para o Duende/boneco)
Pare! Não corra! Muito bem... desta vez eu te peguei! Você está cercado! Não fale nada! Tudo que disser poderá ser usado contra você, hein! Eu já sei de tudo!

DUENDE
Como assim?

OLHO-GRANDE
Como assim o quê? É Isso mesmo! Venha para cá, devagar! Não tente fugir.

(Duende boneco sai da tenda e entra em cena o Duende ator)

OLHO-GRANDE
Muito bem... sei que você escondeu a história dentro deste saco.

DUENDE
Dentro do oco do saco no oco da bola?

OLHO-GRANDE
Como?

DUENDE
Muito simples! Dentro da bola que está dentro do saco?

OLHO-GRANDE
Não venha me confundir! Sei que a história está contigo.

DUENDE
É realmente, realmente. A história está comigo. Mas também está contigo.

OLHO-GRANDE
Comigo?

DUENDE
Comigo também. Com eles, contigo, comigo.

OLHO-GRANDE
Pare! Pare! Me dê esse saco, vamos!

DUENDE
Quer este saco mesmo, tem certeza?

OLHO-GRANDE
Certeza? (dúvida) Mas claro que eu tenho certeza. Esperei por isso durante toda a minha carreira de detetive. Está é a minha grande realização.

DUENDE
Se é assim, pois sim! Toma lá!


(depois de um jogo cênico em que o Duende brinca de entregar o saco e ficar com o saco, Olho-Grande consegue ficar com o saco)


OLHO-GRANDE
Finalmente! Eu, detetive Olho-Grande, o mais esperto entre os espertos, acabo de solucionar o rapto da história. Mais um caso desvendado por mim. Eu, que estou sempre de olho!

(música tema do Olho-Grande; ele vai saindo; sutilmente, o Duende tira a bola que está dentro do saco; Olho-Grande sai. Aos poucos, os bonecos que formam a multidão vão aparecendo, juntamente com os outros personagens)

DUENDE
E no final... bem no finalzinho mesmo. O criador pensou por um segundo: “Já que existe tudo no mundo, o que falta agora, criar?” Já tinha jaca, jabuti, jabuticaba.

MULTIDÃO 1
Frevo e maracatu.

MULTIDÃO 2
Tinha boi, tinha tatu...

DUENDE
E caldo de sururu.

EMA 1
A lua... a estrela...

EMA 2
Feriado e sexta-feira...

PEDRO SUJEIRA
Tinha mosca, mosquito, muriçoca.

CONTRA-REGRA
Periquito.

FULANO DE TAL (no pescoço do Contra-Regra)
Concriz e carcará.

EMA 2
Tinha caju...

EMA 1
Tinha cajá.

PEDRO SUJEIRA
Bicho-de-pé também já tinha!

MULTIDÃO 1
Claro que tinha!

MULTIDÃO 2
Tinha sim!

DUENDE
E como também já existia a rede pra deitar, o criador resolveu alguns dias descansar! E ficou vendo o pôr do sol, que acabara de criar!


(música final)

cai o pano

SEM PÉ NEM CABEÇA
Texto infantojuvenil para atores e bonecos
de Fábio Espírito Santo
fabioespiritosanto@gmail.com
Salvador.Bahia.Brasil
1991_Versão 2007


Biografia:
Fábio Espírito Santo é diretor, dramaturgo, roteirista e iluminador cênico. Formado em Comunicação Social – Cinema e Vídeo, tem especialização em Roteiros para Audiovisual. Como dramaturgo, é premiado pelo texto A Farsa da Usura, no Concurso Nacional de Dramaturgia Álvaro de Carvalho/SC.1998. É também de sua autoria a comédia Matilde, La Cambiadora de Cuerpos e o infantojuvenil Sem Pé Nem Cabeça, entre outras obras desenvolvidas em parceria. Assinou a direção artística do concerto/DVD “Yèyè Omó Ejá – Mãe das águas” (2010), e dirigiu os espetáculos Sobre Flores no Asfalto Quente (2009); o circense Histórias Contadas de Cima (2008); a comédia Divorciadas, Evangélicas e Vegetarianas (2005); o musical infantil Do Outro Lado do Mundo (1999); e o espetáculo de rua Quem Não Tem Cão Casa com Gato (1996). Na área da iluminação cênica, recebeu o troféu Braskem de Teatro/2008 pelo seu trabalho nos espetáculos: O Olhar Inventa o Mundo, Batata e Casa Número Nada. No campo do audiovisual, trabalhou como roteirista e diretor de filmes educativos e institucionais. Entre seus trabalhos de ficção, destacam-se o curta-metragem Cabidela (2006) e Onde está Lynch? (2002) vídeo premiado em festivais de Santa Maria (RS) e Rio de Janeiro (VídeVideo/RJ). Trabalhou na elaboração e coordenação de projetos culturais como Diretor do Teatro Vila Velha (2008/2009); como repórter do Correio da Bahia e diretor técnico de eventos e casas de espetáculos. Contato: fabioespiritosanto@gmail.com
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