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A mulher grávida
Flora Fernweh

A figura da mulher que carrega um filho em seu ventre na contemporaneidade ocidental e desde os tempos mais remotos representa a mítica do Sagrado Feminino, e é logo associada à ideia de fertilidade e esperança na geração vindoura. A gravidez, princípio da maternidade, é por vezes representada como abundância e manutenção da vida em um grupo de indivíduos, tendo sido fonte de inspiração artística e símbolo do papel da mulher na continuidade existencial da espécie humana, desde a mais tenra idade da história do mundo, como representada pela Vênus de Willendorf, símbolo de fartura em sua forma naturalmente vistosa e de volumes avantajados.

Já na Idade Média, o imaginário envolvendo a mulher grávida era mais tímido e permeado pela imagem do sofrimento e das agruras do parto, sendo mais recorrentes as representações da mulher-mãe, já com sua criação em seu colo, em uma nítida tentativa de retorno à pureza do corpo e à proteção pueril do espírito. Avançando no tempo, em uma rara aparição cultural da mulher grávida na Itália renascentista, Rafael Sanzio pintou o Retrato de uma Mulher Grávida (La Donna Gravida) entre 1505 e 1506, com formas corporais contidas e uma expressão facial resignada com a prenhez evidente, sem evocar em um primeiro olhar o contentamento sublime do amor dirigido por uma mãe ao seu filho.

Apesar da beleza natural que uma mulher grávida emana, no auge da plenitude de sua mais primordial missão na Terra, tal estética não é agradável a todos, e é comum que a gravidez atraia olhares vis e intolerantes de outras mulheres, especialmente daquelas que não quiseram ou por determinadas razões não puderam gerar filhos. Não há grandes dificuldades em identificar uma mãe, que tem um elemento de mansidão mais sofisticado quando comparada com a mulher desprovida de prole, como se compreendesse o modus operandi da perpetuidade. Esse amansamento não tem a ver especificamente com o caráter ou com as experiências cotidianas, mas sim com um conformismo pacífico diante da incumbência geradora imposta invariavelmente pela subsequência da vida propriamente dita.

A maternidade é um assunto delicado para a maioria das mulheres, e é fundamental ser bem resolvida consigo para que a admiração não dê lugar ao ressentimento. Confesso que já considerei vergonhoso o amostramento da mulher grávida, como se essa situação denunciasse não apenas um corpo distorcido e desarmônico com as formas desejáveis, como também o resultado de uma transa. Questiono-me acerca do momento exato em que o corpo da mulher, maculado pela indecência do sexo se torna improfanável pelo fato de carregar em seu ventre um novo ser, dotado de uma alma proveniente do desconhecido e de paixões terrenas que o informam desde a sensorialidade da vida intrauterina a receita definitiva para a regeneração da espécie.

Confio que a gravidez, portanto, é um termômetro do Feminino na sociedade e das expectativas que as mulheres têm em relação a quem são e à sua finalidade enquanto sujeitos reprodutíveis em face de outras aspirações incutidas por nossa época. Se negativa é a opinião preponderante que se lança à mulher grávida, estereotipada e impura, faz-se necessário reavaliar os motivos da falta de ambição em tornar duradoura a vida em determinado agrupamento. Se positivo é o olhar que se lança, em tom de incentivo à renovação da vida, dentro dos limites do razoável e da moral de uma sociedade em determinado momento no tempo, conciliando-se os demais ofícios humanos, constantes e longevos parecem ser os rumos de um povo.


Biografia:
Sobre minha pessoa, pouco sei, mas posso dizer que sou aquela que na vida anda só, que faz da escrita sua amante, que desvenda as veredas mais profundas do deserto que nela existe, que transborda suas paixões do modo mais feroz, que nunca está em lugar algum, mas que jamais deixará de ser um mistério a ser desvendado pelas ventanias. 
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