Compartilho da indignação de muitos brasileiros que torceram fervorosamente pela vitória de Fernanda Torres na categoria de melhor atriz, mas novamente a Academia evidenciou seu elitismo e seu viés ideológico ao eleger Mikey Madison por sua atuação como personagem principal no filme Anora, uma jovem que em sua primeira atuação, ganhou a cobiçada estatueta dourada, deixando para trás artistas talentosas com anos consolidados de uma carreira brilhante.
Certamente Mikey seria a predileta e não é tão difícil distinguir as razões: entre uma negra (Ariana Grande), uma latinoamericana (Fernanda Torres), uma idosa (Demi Moore) e uma mulher trans (Karla Sofía Gascón), a Academia achou por bem premiar uma jovem branca norte-americana de 25 anos. Nós criamos muita expectativa em torno da atriz que interpretou Eunice Paiva em Ainda Estou Aqui, mas a própria Fernanda Torres estava segura de que não levaria o prêmio para casa, e inclusive vibrou com sinceridade o reconhecimento de Mikey. O mesmo não se pode dizer de Demi Moore, cuja decepção restou nítida após perder para uma ninfeta um prêmio tão sonhado após tantas produções.
Embora eu não tenha assistido A Substância, sinto que a vitória episódica de Mikey Madison trouxe para a realidade visível, porém, bem mais leve (ou não?) o cerne da crítica que o filme estrelado por Demi Moore fez em relação ao etarismo, tornando a academia uma propulsora dos estereótipos, que já se sagraram solenes entre vestidos bufantes e tapetes vermelhos. O filme brasileiro que concorria à premiação, igualmente alerta em peso sobre o tempos autoritários que assombram nossa história, o que não é digno de repetição, ainda que atemporal de tempos em tempos. Mas há repetições que queremos ver melhoradas: Fernanda Torres, ao ser entrevistada sobre a também indicação de sua mãe, afirmou que ser indicada estava em seu DNA. Na época de Fernanda Montenegro, a atriz foi desbancada por Gwyneth Paltrow, e a semelhança entre ela e Mikey Madison é indiscutível, inclusive na juventude preferida e no estilo rosa bebê do vestido escolhido para a cerimônia.
A incredulidade de muitos brasileiros perpassou a ignorância de sequer tomarem conhecimento da lista de indicados ao Oscar, tamanha a obstinação pelo nosso cinema nacional. Ao ser agraciado como melhor filme estrangeiro, que, a meu ver, é uma categoria superior a de melhor ator/atriz, já foi possível sentir o eco indireto da vitória de Fernanda ressoando pelo Teatro Dolby, a verdadeira rainha da noite. Nem mesmo Mikey acreditou ser merecedora do prêmio, tanto que seu discurso dependeu de um pedaço de papel mal cortado que delatava uma falta de ensaio e de preparo, além de a atriz ter sido completamente invadida pela emoção desacreditada.
Não faltaram boatos e rumores de que Mikey Madison interpretou tão bem seu papel no filme, a ponto de “dar” para a crítica como uma prostituta em troca do prêmio, haja vista o roubo escancarado que se presenciou. Não se pode negar que Mikey despiu-se de quem era para dar vida a Anora, papel que executou magistralmente bem, embora não o suficiente para ser digna de Oscar, longe disso, a meu humilde ver. Apresentei algumas críticas ao filme em outro texto de minha autoria e que se encontra nessa plataforma: Anora - impressões pessoais. Convido-os a ler!
A potência do papel de Fernanda Torres foi, sem dúvida, superior à da ganhadora da noite. E após uma trajetória admirável no cinema, a academia não prestigiou Fernanda com esse mesmo entusiasmo, já que a carreira e os feitos talvez não importem tanto quanto deveriam. O olhar técnico ainda é imperante e a comoção popular não tem ouvidos, olha-se o momento, não o passado e suas grandiosidades já conquistadas.
Convenhamos que Fernanda Torres é impecável em demonstrar as emoções com a alma, bem como é muito expressiva no quesito facial, o que sabemos, herdou de sua mãe. Mas a performance de Mikey, que foi ajudada por um papel que lhe permitiu explorar suas habilidades teatrais, ganha no que toca à desenvoltura de um corpo rítmico e em movimento, atendendo às expectativas harmônicas entre atriz e personagem.
De fato, o Oscar deste ano ficou marcado pelo destaque dado ao cinema independente, visto que parte significativa dos filmes indicados que receberam mais prêmios contaram com uma produção comedida em termos de orçamento. Razão plena assiste à musa Fernanda, que sem perder a elegância e a empatia, celebrou junto a Sean Baker a consagração de Anora como melhor filme e de Mikey como a melhor atriz. Mas confesso que a imaginação brasileira me encanta, porque o espírito combativo que desta vez se fez mostrar na cultura do cinema estava em clima de copa do mundo, tanto que o prefeito de Araçatuba, no interior paulista, levou a sério essa brincadeira ao proibir a entrada de Mikey Madison na cidade, o que deve ser uma perda para ela, que talvez sonhe em passar suas férias estelares por lá…
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