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Parada
✍️ Um conto tenso e humano, escrito por Pedro Trajano – O Poeta Tardio
Pedro Trajano de Araujo

Resumo:
Gilberto faz uma última entrega misteriosa que pode garantir o dinheiro necessário para salvar a vida de sua esposa. Porém, uma parada inesperada diante de uma linha férrea, a chegada de figuras suspeitas e a aproximação de uma viatura policial o colocam diante de um dilema angustiante: salvar uma vida… ou tirar uma.

O relógio marcava pouco mais de duas horas da manhã. Os números brilhavam no painel tecnológico do carro alugado. Após cinco horas ininterruptas de viagem, aquela era a primeira parada que Gilberto fazia. Estava a poucos quarteirões do destino final; bastava seguir a rua deserta à sua frente, virar à direita, passar em frente à prefeitura de Penápolis e seguir até o próximo quarteirão. Já conhecia o caminho muito bem até o ponto de entrega indicado pelos contratantes. Deixaria a encomenda sem fazer perguntas, como sempre; pois discrição era fundamental nesse seu trabalho atual. Pelo serviço, seria bem remunerado, voltaria para Campo Grande e, na manhã seguinte, pagaria a última prestação para o médico fazer a cirurgia que salvaria a vida de sua esposa. No entanto, agora que conseguira o valor que precisava, enfrentava um dilema: deveria abandonar esse trabalho tão lucrativo?
Gilberto não esperava ser obrigado a fazer uma parada em um lugar ermo naquela madrugada, a cancela abaixara antes que ele conseguisse cruzar os trilhos ferroviários. A rua, completamente deserta àquela hora, contrastava com suas visitas anteriores, quando o bar localizado na esquina à esquerda estava sempre aberto; mas hoje, não.
O céu carregado escondia a lua, e alguns raios cortavam o horizonte, anunciando uma tempestade iminente, acrescentando à noite uma pitada a mais de suspense. As luzes de dois postes estavam apagadas, lançando a rua à frente em uma penumbra inconveniente.
Ansioso, Gilberto tamborilava os dedos no volante aveludado, observando o ambiente atentamente. Todas as entregas que fazia geravam uma intensa descarga de ansiedade e adrenalina. As pessoas para quem ele prestava esse serviço freelancer não costumavam ser muito compreensivas em caso de imprevistos.
De repente, um motociclista virou a rua atrás dele e parou a moto. O farol alto brilhava intensamente. O capacete fechado e a capa escura do motociclista aumentavam a sensação de apreensão. Com as mãos no acelerador, o motoqueiro parecia pronto para arrancar a qualquer momento.
O vento soprava forte, arrastando folhas secas sobre o asfalto. Um jornal rasgou-se ao ser arrastado pelo chão e, apesar do barulho dos motores ligados, dava para ouvir o atrito do papel no asfalto. Gilberto ajustou o espelho retrovisor para ver melhor o condutor da moto, mas o que viu foi outro indivíduo chegando, desta vez de bicicleta. O homem usava um agasalho com toca e parou paralelamente com a moto.
Dentro do carro e com os vidros fechados, Gilberto estava sozinho. Uma brisa fresca encontrou um caminho para o interior do veículo, refrescando o rosto suado do condutor. Ele tornou a olhar pelo retrovisor e viu os dois homens conversando lado a lado. Com a mão tremendo, Gilberto colocou-a sob a camiseta e sacou sua arma, mantendo-a no colo. Se fosse preciso usá-la, seria a primeira vez nesses três meses de trabalho como entregador.
O apito estridente do trem cortou o ar, anunciando sua chegada iminente. O som ensurdecedor da grande serpente de ferro carregando grãos em suas costas ecoava pela área, fazendo as janelas do carro vibrarem. Gilberto manteve o olhar fixo no espelho retrovisor, observando os dois homens parados, quase encostados na traseira do seu veículo. Um misto de alívio e apreensão invadiu seu corpo, como um calafrio que percorreu sua espinha, enquanto um carro da polícia chegava e estacionava a cerca de cinco metros, colocando os dois estranhos entre seu veículo e a viatura. Gilberto colocou uma das mãos sobre a arma em seu colo, posicionando o dedo no gatilho, enquanto as luzes intermitentes da viatura dançavam na noite.
A locomotiva seguia seu caminho pacientemente e indiferente ao que acontecia ali. Uma porta da viatura se abriu, e Gilberto viu um policial uniformizado descendo do carona, acendendo uma lanterna e dirigindo-se até ele, passando pelos dois indivíduos e se limitando a cumprimentá-los com um aceno de cabeça. Duas batidas no vidro ao lado do motorista fizeram o coração de Gilberto disparar. Seus empregadores haviam alertado que, com o passar do tempo, ele poderia estar sendo monitorado pela inteligência da polícia, por isso sempre escolhia fazer as entregas com carros alugados. Gilberto engatilhou a arma e encostou o cano da pistola do lado de dentro da porta. Nunca imaginou precisar usá-la, muito menos contra um trabalhador da lei cumprindo seu ofício. Naquele instante ele tinha em suas mãos duas vidas: qual delas ele escolheria salvar, a do agente da lei na sua frente cumprindo o seu dever, ou a de sua esposa, que sem o dinheiro da entrega estaria condenada à morte por não poder ser operada? Era quase uma escolha de Sofia. Ele sentia o sangue circular nas suas veias com cada batida do seu coração tão rápido que um calor começou a percorrer todo o corpo, gotas de suor escorriam pelo seu rosto. Um trovão ecoou nos céus, fazendo as luzes da cidade piscarem; a escuridão apoderou-se de uma pequena porção do tempo, segundos que pareceram longos minutos. Quando a luz retornou, já não existia mais o trem passando à frente do seu carro; desaparecera como um espectro de um fantasma, a cancela levantou se vagarosamente.
O policial bateu outra vez na janela do veículo, e Gilberto não teve dúvida de que dessa vez o oficial estava mais impaciente. O motoqueiro e o condutor da bicicleta passaram lentamente pelo carro de Gilberto. Por um momento, o policial ficou entre eles e o automóvel. A viatura estava logo atrás do carro do entregador. Gilberto estava cada vez mais sem tempo; era preciso tomar uma decisão. O ar no interior do veículo estava tão denso que quase dava para cortar. Quando Gilberto aceitou relutantemente a oferta de trabalho, a ideia era de salvar uma vida, a da sua esposa, não de ceifar uma. Isso era inconcebível até segundos atrás, mas agora era uma possibilidade tão aterrorizante quanto real que estava fechando os circuitos de seu raciocínio lógico, a emoção estava apoderando-se dele.
O barulho do gatilho da arma foi abafado por grossos pingos de chuva que começaram a bater no para-brisa do seu veículo. O policial colocou a mão na frente do rosto para proteger-se da chuva que rapidamente se tornou uma tempestade e Gilberto ainda estava tão incerto de sua decisão quanto a chuva de cessar rapidamente. O vidro embaçava à medida que a água caía do céu, mesmo assim foi possível ver o policial com a lanterna acesa dando sinal para ele seguir em frente.
Gilberto soltou o ar que nem sabia estar prendendo nos pulmões, desengatilhou a arma e a deixou cair em seu colo. Engatou o carro, ligando o limpador de para-brisa. Com o coração ainda acelerado, atravessou a linha ferroviária, sentindo os solavancos dos pneus do carro passando sobre os trilhos de ferro. A tensão que o dominava foi diminuindo à medida que aumentava a incerteza sobre se continuaria sendo um entregador.


_________Pedro Trajano


Biografia:
Pedro Trajano é um poeta que chegou à escrita com a bagagem dos anos e o olhar amadurecido pelas experiências da vida. Casado, pai, formado em Administração e atuante como vendedor, começou a escrever aos 44 anos, dando voz a sentimentos antigos e reflexões profundas. Assina suas poesias como O Poeta Tardio, por acreditar que nunca é tarde para florescer em palavras.
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