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Resumo - Prova penal
Isadora Welzel

A imputação de um crime pressupõe, sempre, uma hipótese fática: a de que o réu praticou determinado fato, o qual subsume-se a certo tipo penal. O processo penal, portanto, é sempre um procedimento que objetiva esclarecer uma hipótese fática, o que ocorrerá por meio da produção de provas.

Pode-se dizer, assim, que o processo penal busca a verdade?
• Posição 1: a doutrina majoritária entende que sim, pois o processo penal pretende, por meio da atividade probatória, que o julgador decida baseado em elementos que indiquem como os fatos ocorreram na realidade, diferenciando, com isso, o inocente e o culpado. Afirma-se, comumente, que o processo penal busca a verdade material/real (standard probatório elevado, inadmissibilidade de presunções, poderes instrutórios subsidiários do juiz etc.), ao passo que o proc. civil busca a verdade formal/processual (standard probatório baixo, admissibilidade de presunções, produção probatória limitada às partes etc.); esses conceitos, no entanto, são bastante imprecisos.
• Posição 2: parcela minoritária, contudo, defende que esse não pode ser um objetivo do processo, pois a verdade (absoluta) é inatingível e sua busca no processo acaba por justificar a violação de garantias fundamentais em prol de seu descobrimento, o que ocorreu historicamente. Como alternativa à busca da verdade, afirma-se, por exemplo, que o processo penal busca a formação do convencimento do julgador acerca da narrativa das partes, com respeito às regras processuais (Lopes Jr.).

A verdade deve ser entendida como um dos fins do processo penal, que concorre com outros igualmente importantes (p. ex., respeito aos direitos fundamentais); ela não pode ser buscada a qualquer custo, mas apenas pelos meios legítimos e admitidos no Estado Democrático de Direito. Uma decisão sobre fatos somente poderá ser considerada justa se estiver baseada em uma versão correta (verdadeira) acerca de como eles ocorreram (se a suposta vítima aparece viva durante o plenário do Júri, ninguém aceitará como justa uma condenação do réu por homicídio consumado).

O princípio da culpabilidade exige demonstração da culpa para que possa haver condenação, proibindo a punição de inocentes, o que possui como corolário um dever de investigar a verdade sobre os fatos. A busca pela melhor qualidade epistêmica dos meios de prova, p. ex., interrogatório, prova testemunhal, reconhecimento pessoal, cadeia de custódia, vedação de provas sem base científica (cartas psicografadas), só pode ser justificada pela pretensão de se aproximar da verdade. Institutos como a revisão criminal e a apelação de decisões dos jurados por contrariedade à prova dos autos (arts. 621, I, e 593, III, d, CPP) só se justificam pela busca da verdade, pois em qualquer delas o julgador estava convencido e há uma decisão soberana (transitada em julgado ou regida pela soberania dos jurados).
1. Conceitos fundamentais:
• Fontes de prova: aquilo de que se poderá extrair informações relevantes para o esclarecimento dos fatos (pessoa que testemunhou o fato, documentos, arma utilizada no crime etc.). Classificação: pessoal (testemunha, vítima, réu), material (coisas, objetivos, vestígios etc.) ou documental
• Elementos de prova: informações extraídas das fontes de prova e que servirão de base para a decisão sobre os fatos (as declarações da testemunha, o conteúdo do documento, o resultado da perícia etc.)
• Meios de prova: instrumentos pelos quais as fontes de prova são introduzidas no processo (depoimento judicial da testemunha ou perito, interrogatório judicial, juntada de documento ao processo etc.). Atividades realizadas perante o juiz da instrução e julgamento, em contraditório, em regra na fase processual (excepcionalmente, na fase de investigação, como nas provas antecipadas)
• Meios de obtenção de prova: instrumentos para a investigação de fontes de prova e, em alguns casos, de elementos de prova (busca e apreensão, interceptação telefônica, infiltração de agentes). Atividades realizadas por órgãos de investigação, em regra na fase de investigação, com base na surpresa e sem contraditório prévio (se possível, devem ser precedidas de contraditório e, excepcionalmente, podem ser realizadas no curso do processo)
• Prova direta: é aquela que demonstra, de forma imediata, mediante uma só inferência, o fato que se pretende provar Ex: filmagem do réu agredindo a vítima, áudio do funcionário público solicitando vantagem indevida, testemunha que presenciou a importunação sexual, ata de reunião em se tomou decisão relativa à prática de crime ambiental
• Prova indireta (indiciária): é aquela que demonstra fato secundário que, a partir de inferências adicionais, leva à conclusão de que o fato que se pretende provar ocorreu. Art. 239 CPP: “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”. Ex: filmagem do réu saindo da casa da vítima logo após a agressão com sangue nas vestes, testemunha que viu o funcionário público conversando com o cidadão que lhe acusou de corrupção passiva, e-mail marcando a reunião em que teria sido tomada a decisão relativa à prática de crime ambiental. Meros indícios são, em regra, insuficientes para fundamentar uma sentença condenatória, no entanto, a existência de um amplo conjunto de indícios congruentes, que permitam eliminar hipóteses fáticas alternativas, podem autorizar o juízo de culpabilidade. No mais, indícios sempre podem fundamentar outras decisões, como recebimento de denúncia, meios de obtenção de prova, cautelares etc.

2. Princípios relacionados à produção da prova
• Comunhão da prova: a prova, depois de produzida, torna-se comum, podendo ser valorada em favor ou contra quem solicitou a produção (art. 371 CPC). Antes da produção, no entanto, a parte que solicitou pode desistir
• Identidade física do juiz: o juiz que preside a instrução deve proferir a sentença (art. 399, § 2º, CPP); no entanto, a jurisprudência tem entendido que não é uma regra absoluta.
• Imediação da prova: o juiz deve proceder à colheita da prova em contato direto com as partes. Não impede, no entanto, excepcionalmente, uso de videoconferência ou cartas precatórias/rogatórias.
• Concentração dos atos processuais: a produção da prova deve ocorrer em uma única audiência (art. 400, § 1º, e 411, § 2º, CPP), a fim de favorecer a visão do magistrado acerca da prova. Trata-se de regra pouco observada na prática e cuja flexibilização tem sido aceita pelos tribunais.
• Oralidade: o processo penal deve privilegiar as manifestações orais das partes e do juiz, em detrimento dos atos processuais escritos. Essa regra é bastante flexibilizada na prática.

3. Prova penal e contraditório
3.1 Regimes de contraditório
Toda a informação, para que possa ser valorada como prova pelo juiz na tomada da decisão deve ser submetida ao contraditório das partes. Porém, existem diferentes regimes de contraditório. Art. 155: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.
• Regime de contraditório para a prova: algumas provas precisam ser produzidas durante a fase judicial para que possuam valor de prova (provas constituendas), como as de fontes pessoais – depoimentos de testemunhas e peritos (art. 8.2, f, CADH). A informação apenas terá valor de prova plena se produzida em contraditório, perante o juiz, podendo as partes participarem da produção e inquirir os depoentes.
• Regime de contraditório sobre a prova: algumas provas existem previamente ao processo judicial e não podem ser repetidas em juízo (provas pré-constituídas), como as de fonte documental (contratos, extratos bancários, gravações, transcrições de interceptações, laudos realizados na investigação etc.). A informação terá valor de prova plena desde que submetida a contraditório durante a fase judicial.

3.2 Elementos informativos provenientes da investigação
• Valoração dos elementos informativos: os elementos provenientes da investigação não possuem valor de prova plena e não podem fundamentar, sozinhos (“exclusivamente”), a decisão judicial (art. 155 CPP). Essa afirmação, contudo, se aplica às provas constituendas, que devam ser produzidas em juízo (p. ex., fontes pessoais); as provas pré-constituídas, como as documentais, e as que não possam ser repetidas, poderão ser valoradas desde que submetidas a contraditório na fase judicial. A jurisprudência tem entendido que perícias e reconhecimentos pessoais realizados na investigação não precisam ser repetidos em juízo, bastando submissão ao contraditório em juízo. Ex: se a perícia for produzida na investigação, as partes poderão requerer a oitiva dos peritos, formular quesitos complementares, indicar assistentes técnicos para apresentarem pareceres (art. 159, II, CPP).
• Corroboração dos elementos informativos: o termo “exclusivamente” (art. 155 CPP) significa que a informação proveniente da investigação não pode fundamentar a decisão sobre certo fato sozinha, mas apenas se for corroborada por prova produzida em juízo. Deve haver uma prova convergente, que aponte para o mesmo fato (p. ex., que o réu saiu do local do crime às 23h), não podendo o juiz, em caso de divergência, optar pela versão da investigação.

3.3 Provas cautelares, antecipadas e irrepetíveis
São hipóteses em que o contraditório será mitigado ou impossível, mas que, apesar disso, a legislação permite valoração como prova plena (art. 155 CPP).
• Provas cautelares: aquelas que, em razão da urgência em sua produção, não permitem a instauração de contraditório prévio, devendo este ser realizado posteriormente (p. ex., perícias urgentes ou meios de obtenção de prova que dependam de surpresa).
• Provas antecipadas: aquelas em que é necessária a produção em momento prévio ao normal em razão de risco conhecido de perecimento da fonte de prova ou dificuldade de produção posterior. Nesse caso, ela será produzida em contraditório judicial (p. ex., testemunha com doença grave – ver art. 225 CPP).
• Provas irrepetíveis: aquelas que, em razão de evento posterior imprevisível, não são passíveis de repetição, de modo que o contraditório é impossível (ex: testemunha saudável que, depois do depoimento na fase de investigação, faleceu). É o tipo de prova mais problemático, pois simplesmente não haverá contraditório, mas ainda assim, a legislação permite que seja valorada como prova plena. Deve, porém, ser considerada com cautela pelo menor valor epistêmico.

4. Sistemas de valoração da prova
• Prova legal ou tarifada: a lei estabelece de modo exato o valor que deve ser atribuído pelo julgador a cada meio de prova e quais são aptos a provar cada fato. Ex: na Inquisição, eram necessários dois testemunhos concordantes ou a confissão para a condenação (prova plena), o testemunho isolado (prova semiplena) justificava a tortura para obtenção de confissão.
• Íntima convicção: o julgador tem plena liberdade para decidir de acordo com seu íntimo convencimento (certeza moral), sendo desnecessário indicar as razões pelas quais entende os fatos como provados. Ex: foi o sistema adotado pelo Código de Instrução Criminal de Napoleão (1808).
• Livre convencimento motivado (persuasão racional): o julgador tem liberdade para apreciar a prova e atribuir a cada elemento o valor que entender apropriado no caso concreto, desde que observe as regras lógicas e de experiência e os conhecimentos científicos, devendo fundamentar a sua decisão sobre os fatos na prova produzida nos autos. Ex: o juiz pode entender que o depoimento coerente de uma testemunha segura tem maior valor do que outro, com lacunas e contradições, proveniente de uma testemunha hesitante.

Adota-se, atualmente, como regra, no processo penal brasileiro e da maioria dos países do mundo o sistema do livre convencimento motivado (art. 155 CPP c/c art. 93, IX, CF).
• Tribunal do Júri: adota o sistema da íntima convicção (art. 472 CPP: “proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência”), inexistindo dever de motivação da decisão. Há, contudo, limitações, como a possibilidade de apelação da decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, d, CPP).
• Prova legal: excepcionalmente, os legisladores estabelecem exigências ou limitações legais à livre apreciação judicial. Exigência de corpo de delito sempre que o crime deixar vestígios (art. 158 CPP) e a impossibilidade de condenar com base apenas em declaração de colaborador premiado (art. 4º, § 16, L. 12.850/2013).

5. Standards de prova
Os standards probatórios estabelecem o grau de suporte probatório necessário para considerar uma proposição fática como provada em um processo. Busca-se responder “quanta prova é necessária para determinada decisão judicial?” A resposta pode variar a depender da natureza do processo (p. ex., penal ou civil) e do momento da decisão (p. ex., busca e apreensão, recebimento da denúncia, prisão preventiva, condenação), de modo que existem diferentes standards de prova.

Com base na discussão estadunidense, os standards mais conhecidos são:
• “Preponderância da prova” (preponderance of the evidence): probabilidade meramente maior que a hipótese oposta – maioria dos casos civis
• “Prova clara e convincente” (clear and convincing evidence): probabilidade elevada – casos que envolvem perda dos direitos parentais, fraude, retirada de suporte vital)
• “Prova para além da dúvida razoável” (beyond a reasonable doubt): probabilidade próxima da certeza – condenação criminal

No processo penal, em razão de estar em jogo a mais grave intervenção do Estado sobre o indivíduo, deve-se exigir um grau elevadíssimo de suporte probatório para a condenação. A posição doutrinária amplamente dominante defende a utilização no Brasil da Prova para além da dúvida razoável (BARD) - beyond a reasonable doubt, que significa que a prova deve levar o julgador a estar convencido da culpa em grau próximo da certeza, não restando dúvida que esteja justificada pela prova produzida ou pela falta de prova de que o réu é inocente, não sendo suficiente uma dúvida puramente especulativa.

Nos EUA, as instruções aos jurados sobre o significado de “prova para além da dúvida razoável” costumam ser: “crença altamente provável”, “uma convicção firme da culpabilidade do réu” ou “a segurança em crenças que consideramos adequada para a tomada de decisões importantes na vida”. Já o significado de “dúvida razoável” costuma ser “aquela dúvida para a qual se pode oferecer uma razão” ou “o tipo de dúvida que faria uma pessoa razoável vacilar em atuar em assuntos importantes”.

Recentemente, são crescentes as críticas ao BARD em virtude de estar baseado na ideia de que a decisão sobre a prova tem por finalidade gerar um estado mental no julgador, um convencimento subjetivo (p. ex., Laudan, Ferrer Beltran). Entendendo que a prova não se destina a gerar um estado mental (subjetivo) e que a decisão deve ter por base a corroboração da hipótese fática da acusação pela prova produzida, outros standards (alternativos) têm sido sugeridos a fim de propiciar maior objetividade à valoração probatória.

Embora a discussão sobre os standards de prova foque na decisão de condenar o réu, diferentes standards devem ser aplicados a outras decisões no processo penal, como, p. ex., o recebimento da denúncia e a decretação de prisão preventiva (“prova da existência do crime e indício suficiente de autoria” – art. 312 CPP).

6. Ônus probatório
Ônus são “imperativos de próprio interesse” (Goldschmidt), cujo cumprimento é relevante para obter uma vantagem ou evitar um prejuízo. Diferenciam-se de obrigações/deveres em razão de sua não realização não constituir ato ilícito. O ônus da prova se refere ao encargo atribuído a certos sujeitos processuais de aportar provas de determinados fatos, a fim de obter uma decisão judicial favorável.
• Dimensão subjetiva: indica qual das partes tem de provar cada fato no processo e sofrerá prejuízos pela ausência de prova suficiente (direcionamento da atividade probatória).
• Dimensão objetiva: indica quem o órgão jurisdicional deve favorecer com sua decisão no caso de não haver suporte probatório suficiente acerca de certo fato (regra de julgamento). A dimensão objetiva liga-se ao tema do standard probatório, uma vez que será ele que indicará o grau de suporte probatório necessário.

Divergência doutrinária:
• Posição 1: há distribuição do ônus da prova no processo penal, cabendo à acusação demonstrar a existência do fato típico e a autoria + circunstâncias que aumentem a pena, e à defesa demonstrar excludentes de ilicitude, culpabilidade e punibilidade + circunstâncias que reduzam a pena. Deve haver repartição equitativa do risco de prejuízo que pode advir da indeterminação dos fatos, de modo que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer” (art. 156 CPP). Transplanta-se a regra clássica do processo civil segundo a qual o ônus probatório incumbe “ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.” (art. 373 CPC).
• Posição 2: o ônus da prova no processo penal é exclusivamente da acusação, devendo demonstrar todas as categorias do crime + circunstâncias que aumentem ou diminuam a pena. No processo penal não há distribuição de riscos, prevalecendo a posição do réu, que é presumido inocente (art. 5º, LVII, da CF; art. 8.1 da CADH), situação que somente será afastada após prova integral, pelo acusador, de que ele praticou um fato punível (típico, ilícito, culpável e punível); se restarem dúvidas, o réu será absolvido (in dubio pro reo).

O réu não possui ônus de demonstrar a inocência (sob pena de prejuízo), mas tem direito de produzir prova que lhe favoreça, o que pode configurar uma boa estratégia defensiva e aumentar as chances de decisão favorável. A acusação não precisa mostrar, em todo caso, a inexistência de todas as causas de exclusão do crime, embora a defesa não tenha ônus de demonstrar a inocência, precisa alegar a incidência de excludentes do crime, alegação que deve encontrar amparo mínimo na prova dos autos.

A doutrina e a jurisprudência sustentam a impossibilidade de inversão do ônus da prova no processo penal devido “à impossibilidade ou à excessiva dificuldade” (art. 373, § 1º, CPC), o que é entendido como incompatível com a presunção de inocência . O STF já decidiu que viola a presunção de inocência a exigência de que o acusado demonstre, no tráfico de drogas, que a substância adquirida se destina ao consumo pessoal, para que haja desclassificação para o crime de posse (STF, HC 107448, 2013). No entanto, há decisões do STJ afirmando que, no crime de receptação, se houver prova de que o bem foi apreendido em posse do réu, caberá à defesa produzir prova da origem lícita ou de que a conduta é culposa (STJ, AgRg-HC 331.384, 2017), o que já foi aplicado também ao furto (STJ, HC 413.696, 2017).

7. Ilicitude probatória
Prova ilícita é aquela obtida ou produzida “com violação a normas constitucionais ou legais”. Há, porém, divergências quanto ao seu conceito. O art. 5º, LVI da CF informa que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. O art. 157 CPP, por sua vez: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.
• 1ª Posição (Nuvolone, Grinover): há um gênero “prova ilegal”, que se subdivide em “prova ilícita” (inadmissíveis, violam norma material ou direito fundamental) e “prova ilegítima” (viola norma meramente processual, relaciona-se ao procedimento e sua nulidade é relativa).
• 2ª Posição (Badaró, Lopes Jr.): toda prova que viole norma constitucional ou legal é ilícita (inadmissível), independentemente de sua natureza, pois a CF e o CPP não fazem diferenciação.

O efeito da ilicitude da prova é a inadmissibilidade ou, caso tenha sido juntada, desentranhamento dos autos. Art. 157, § 3º, CPP: “Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente”. Para a 1ª posição, que distingue a prova ilegítima (efeito menos grave), esta não é “inadmissível”, mas deve ser avaliada conforme a teoria das nulidades (arts. 563 e ss. CPP), podendo haver nulidade absoluta, relativa ou mera irregularidade.

Quanto ao impedimento do juiz, dispõe o art. 157, § 5º, CPP: “O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão”. Tal dispositivo foi declarado inconstitucional pelo STF no julgamento da ADI 6.298, 2023.
São razões pelas quais a prova ilícita deve ser excluída do processo:
• Prevenção de ilegalidades pelos agentes estatais: a vedação de utilização de prova ilícitas desestimula a prática de ilegalidade probatórias por agentes estatais (principalmente policiais).
• Integridade do Poder Judiciário: se o Poder Judiciário basear suas decisões em provas ilícitas estará manchando sua reputação e dignidade, mostrando-se condescendente com ilegalidades. Este fundamento, bem como o referente à prevenção de ilegalidades pelos agentes estatais são de cunho coletivista, indicando argumentos ponderáveis.
• Proteção de direitos fundamentais: a exclusão da prova ilícita é uma compensação à vítima da violação do direito fundamental, o qual, caso se admitisse a utilização da prova, seria mera “letra morta”. Trata-se de um fundamento baseado em um argumento individualista, sendo mais forte e tendo pretensão absoluta.

A ilicitude da prova impede a sua valoração apenas contra o réu, em seu favor a prova poderá ser valorada, uma vez que o interesse na demonstração da inocência prepondera sobre o interesse em afastar o uso da prova produzida com violação ao ordenamento jurídico (proporcionalidade). A valoração da prova ilícita em favor do réu também afasta os fundamentos relacionados à prevenção de ilegalidades dos agentes estatais e da proteção de direitos fundamentais. A prova ilícita, portanto, não pode ser utilizada para condenar, mas pode ser usada para a demonstração de inocência do réu.

7.1 Prova derivada da ilícita (frutos da árvore envenenada/efeito à distância)
Se uma prova que foi, em si mesma, produzida licitamente, só existe em consequência (relação causal) de uma prova ilícita anterior, ela também será considerada ilícita por derivação. Ex: confissão sob tortura levou à identificação do local em que se encontra objeto roubado, e então foi requerida e autorizada busca e apreensão.

A teoria dos frutos da árvore envenenada, bem como a maior parte das exceções a ela, são provenientes de precedentes da Suprema Corte dos EUA ao longo do Sec. XX, e foram adotadas ao redor do mundo.

Previsão legal:
• Art. 157, § 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
• Art. 157, § 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

São exceções legais à ilicitude por derivação:
• Fonte independente (real): quebra do nexo causal entre a prova ilícita e a posteriormente obtida. Em verdade, não é uma exceção, porque não há “derivação” (relação causal) – art. 157, § 1º, CPP.
• Descoberta inevitável (fonte independente hipotética): baseada na probabilidade próxima à certeza de que a prova derivada seria encontrada ainda que inexistente a prova ilícita anterior. No Brasil, entende-se majoritariamente que está prevista no art. 157, § 2º, CPP, por utilizar o futuro do pretérito (“seria”), o que indica hipótese. Critica-se que é especulativa, pois a prova, em verdade, existe em consequência da prova ilícita anterior, nunca se terá certeza de que ela seria realmente encontrada.

Há ainda outras exceções à ilicitude por derivação, embora sem previsão legal:
• Proporcionalidade: quando o crime for de elevada gravidade e a ilicitude probatória for pequena, o interesse na punição e na busca da verdade poderiam prevalecer, autorizando a valoração da prova. Crítica: trata-se de uma perigosa flexibilização de direitos fundamentais, tirando o caráter absoluto à proteção. Em geral se aceita, com base na proporcionalidade, a utilização de provas ilícitas em favor do réu, embora os tribunais não venham aplicando-a.
• Consentimento: a autorização do titular do direito, demonstrada sua voluntariedade e respeitados os limites do consentimento afastaria a ilicitude da prova (p. ex., busca domiciliar, acesso a smartphone). A jurisprudência admite a licitude da prova obtida com o consentimento do titular do direito, mas com reservas quanto à comprovação da voluntariedade, bastante questionável em determinadas circunstâncias, cabendo à acusação o ônus de prová-la. O STJ decidiu que, na busca domiciliar, o ônus da prova do consentimento é do Estado, sendo necessária declaração escrita do morador e registro audiovisual da busca (HC 598051, 2021), devendo-se ainda verificar a inexistência de constrangimento ambiental/circunstancial capaz de macular sua validade (HC 762932, 2022).

Existem outras exceções provenientes do direito estrangeiro (sobretudo estadunidense) cuja aplicação no Brasil é discutida. Em regra, no entanto, não têm sido aplicadas pelos tribunais:
• Mancha purgada (vício diluído): circunstâncias supervenientes (ex: confissão ou prisão independente), a passagem do tempo e a (menor) gravidade da ilegalidade poderiam atenuar a relação causal. Crítica: se a circunstância superveniente for uma fonte independente, não haverá causalidade. Nos demais casos, em verdade a prova é derivada de uma ilicitude e não deveria ser utilizada.
• Boa-fé: o fato de o agente policial atuar de boa-fé afastaria a ilicitude da prova derivada (ex: realizar busca confiando na legalidade do mandado, que no entanto é oriundo de juiz incompetente). Crítica: parte da ideia de que a ilicitude por derivação existe para prevenir a prática de ilegalidades exclusivamente pela polícia, e não pelo Judiciário, diferenciação que não se justifica.

7.2 Encontro fortuito (Serendipidade)
Se, durante a obtenção/produção lícita de prova relacionada a certo crime (com justa causa, observância dos requisitos legais e do procedimento, motivação etc.), encontram-se ocasionalmente provas de outros crimes, estas serão lícitas. Ex: na busca domiciliar de uma arma encontram-se drogas; na interceptação telefônica ou telemática por crime de corrupção descobre-se uma tentativa de homicídio. Aproxima-se da chamada teoria da “visão aberta”, do direito estadunidense.

Limitações:
• Excesso de poder ou desvio de finalidade: cumprimento da medida investigativa para além do que está autorizado no mandado ou para finalidade diversa. Ex: vasculhar locais no interior de um domicílio em que o objeto buscado não poderia ser encontrado ou após ter sido encontrado; acessar dispositivos eletrônicos diversos daqueles cuja quebra de sigilo foi autorizada.
• Pescaria probatória (fishing expedition): investigação que inicia ou meio de obtenção de prova que é autorizado sem justa causa relacionada a crime específico e finalidade determinada, buscando, de forma especulativa, indícios para basear uma imputação criminal futura. Subverte a lógica da persecução penal no Estado Democrático de Direito (a suspeita deve anteceder a persecução, não o contrário), dá margem para perseguições arbitrárias e permite devassa na vida privada.

Quanto à propositura e admissão da prova, aplica-se ao processo penal o princípio da liberdade probatória, admitindo-se todos os meios de prova não expressamente vedados em lei e liberdade quanto ao momento e ao tema da prova. Há contudo, alguns limites lógicos e fundados na eficiência processual:
• As provas documentais podem ser juntadas em qualquer fase do processo (art. 231 CPP), porém o rol de testemunhas deverá ser apresentado em momentos específicos (arts. 41 e 396-A CPP) e com limite numérico (8 ou 5 por fato imputado – arts. 401 e 532 CPP).
• O juiz poderá controlar a pertinência e a relevância da prova proposta Art. 400, § 1º, CPP - “As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias”. O mesmo vale para o Júri, cf. art. 411, § 2º, CPP.
Art. 184: Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade.
Art. 212: As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

8 Cadeia de custódia da prova penal
O registro da cadeia de custódia é o conjunto de procedimentos voltados à documentação da sucessão de pessoas que tiveram contato com a prova e da forma de manuseio e armazenamento, a fim de garantir a sua fiabilidade.

Art. 158-A CPP: Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. Ex: como saber se a arma/amostra de sangue encontrada na cena do crime é, realmente, a que foi periciada e disponibilizada aos assistentes técnicos das partes? Como saber se a substância apreendida não foi adulterada?

O objetivo é garantir a fiabilidade da prova a ser valorada em um processo penal por meio da sua rastreabilidade, que permite a constatação da sua autenticidade (“mesmidade”) e integridade.
• Autenticidade (“mesmidade”): garantia de que a prova é a mesmo que foi coletada.
• Integridade: garantia de que a prova não sofreu dano ou adulteração.

O art. 158-B CPP estabelece dez etapas da cadeia de custódia: (1) reconhecimento, (2) isolamento, (3) fixação, (4) coleta (5) acondicionamento, (6) transporte, (7) recebimento, (8) processamento, (9) armazenamento, (10) descarte.

Embora o CPP tenha regulamentado a cadeia de custódia apenas para “vestígios” corpóreos, entende-se que a necessidade de registro é ainda mais importante para a prova digital (dispositivos, arquivos, sites, mensagens etc.) que, pela sua natureza, é extremamente volátil e vulnerável, podendo ser facilmente manipulada ou adulterada.

Os dados digitais estão escritos em linguagem não natural, composta por impulsos elétricos em circuitos eletrônicos, os quais utilizam um código binário (bits 0 ou 1) que precisa ser lido por um sistema informático. Assim, um print ou a impressão de um e-mail não é confiável, pois não garante a autenticidade. O registro da cadeia de custódia de provas digitais envolve, portanto, profundos conhecimentos técnicos de informática, com uso de metodologias e procedimentos certificados.

É preciso realizar a cópia integral (bit a bit) dos dados digitais para outro dispositivo, criando uma cópia que espelhe fielmente o conteúdo original, e aplicar técnicas de criptografia que garantam a autenticidade e a integridade dos dados digitais, como a técnica de algoritmo hash, que gera um código único para cada arquivo, de modo que qualquer modificação resultará também na alteração do código hash. A ABNT possui norma específica regulamentando o tratamento de evidências digitais: NBR ISO/IEC 27037:2013. O software mais conhecido e utilizado no Brasil é o israelense Cellebrite, que permite a extração, a análise e o manuseio de dados digitais.

A violação (do registro) da cadeia de custódia é a inobservância dos procedimentos estabelecidos para garantir a autenticidade e integridade da prova, com o que sua fiabilidade é posta em dúvida.
• Ilegitimidade da prova: a posição dominante entende que a falta de registro constitui questão procedimental, aplicando-se a teoria das nulidades. A prova não necessariamente será excluída, devendo ser avaliada a gravidade da violação e as demais provas dos autos a fim de verificar se a prova deixou de ser confiável (cf. STJ, 653.515, 2021).
• Ilicitude da prova: posição minoritária entende que a ausência de registro configura ilicitude probatória, tornando a prova inadmissível no processo.

Por fim, prova emprestada é aquela que, produzida em determinado processo (penal, cível ou administrativo), é trasladada, na forma documental, para outro processo a fim de ser utilizada para a formação do convencimento judicial. Embora seja introduzida na forma documental, terá o valor probante original (p. ex., testemunhal).
Requisitos:
• Prova lícita e produzida diante do juiz natural: deve ter sido produzida licitamente e diante de autoridade jurisdicional competente no processo originário (não terá valor de prova se oriunda de processo administrativo). Parcela da doutrina critica a possibilidade se admitir a prova emprestada se o julgador em ambos os processos não for o mesmo, em razão da violação ao princípio da identidade física do juiz.
• Submissão ao contraditório das partes: a jurisprudência tem entendido suficiente a submissão ao contraditório das partes no processo de destino. Parcela da doutrina entende que deveria haver identidade de partes no processo original, para propiciar a produção da prova em contraditório.
• Mesmo objeto da prova: os fatos a que se referem a prova devem ser iguais nos dois processos.

Disciplina: Processo Penal I
Resumo feito com base no material produzido e disponibilizado pelo Prof. Felipe da Costa de Lorenzi.


Biografia:
Além de grande admiradora da escrita e da literatura, sou estudante de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina e meu propósito no Recanto das Letras é traduzir conteúdos do mundo jurídico para a comunidade leitora, de modo a propagar conhecimentos sobre o Direito e propor reflexões. 
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