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Eventos incomuns
Flora Fernweh

O dia de hoje poderia ter terminado como outro dia qualquer, mas ao fim dele, algo surpreendente me ocorreu. Terminado o trabalho, fui ao shopping no fim da tarde, e já estava fazendo frio ao cair da noite neste inverno. Desci do ônibus e caminhei um trecho até o shopping, decidida a me esquentar com uma promoção que descobri recentemente sobre um café especial, mas infelizmente aquele sabor não tinha chegado até a cafeteria ainda, de forma que me dirigi a outro café.

Chegando lá, logo fiz o meu pedido e me deparei com um moço exalando bastante solitude e vibrando em uma frequência que chamou a atenção de minhas vibrações anímicas, inclusive ele trocou de lugar algumas vezes e me deu a impressão de que vir ao shopping poderia significar para ele uma forma de se distrair e ver gente. Como sou muito observadora, percebi que talvez ele pudesse estar esperando por alguém, mesmo que não parecesse tão entediado, mas acima de tudo, me demonstrou que ele simplesmente estava com bastante tempo livre e examinando o movimento de uma noite de sexta feira.

Eu certamente já o tinha visto em vários lugares antes, ao menos seria essa a impressão que minha mente teve assim que eu notei a sua presença, ele não me era nada estranho, mas como eu moro em um bairro universitário, então é muito comum que eu veja pelas redondezas muitos jovens com os quais tenho grande probabilidade de esbarrar novamente, apesar de no caso dele, eu ter a certeza de que seu rosto me era mais que familiar.

Assim que terminei o café, visitei brevemente uma loja logo em frente e segui meu roteiro pelo shopping, percebi que ele logo saiu em seguida do café também, eu subi as escadas rolantes e por um momento gelei quando eu observei que alguns degraus abaixo, ele também estaria subindo. Pensei comigo que até aí estaria tudo bem, ainda que eu já pudesse começar a estranhar, porque ele desde antes vinha me chamando a atenção, e talvez fosse uma premonição de que em algum instante daquela noite iríamos nos cruzar.

Sou bastante perspicaz para notar quando algo estranho está acontecendo no ambiente pelas intuições que me passam. Adiante, segui por um lado e ele por outro, de forma que me ocorreu o seguinte pensamento: “se eu for até a livraria e depois encontrá-lo por lá, posso ter a certeza de que estou sendo seguida”, já pensando em enviar uma mensagem de alerta ao meu companheiro, que neste momento, também se encontrava no shopping, acompanhando uma turma da graduação no cinema, tanto que tínhamos combinado de nos encontrar por lá ao final da sessão dele.

Se começo a desconfiar de algo, tenho razão para tanto, já que por vezes deixo-me levar pela ingenuidade. Então de fato neste momento comecei a temer, mas pensei comigo… ele não é um perseguidor muito profissional, porque ele certamente já tinha percebido que eu o havia notado e estava muito nítido para ambos. Para ter a última confirmação, saí da livraria, em menos de 5 minutos ele também saiu, resolvi esperar em frente a uma loja vizinha que me permitisse vê-lo exatamente saindo, de modo que se ele saísse com o ar de que está procurando alguém, eu iria tomar coragem e me dirigir até ele para descobrir o que estava se passando.

Mas para a minha surpresa, neste momento ele veio até mim e me perguntou se ele por acaso me conhecia de algum lugar. Neste ímpeto, eu lhe disse que sem dúvida alguma eu já o havia visto em outras ocasiões, ainda que eu não estivesse lembrada exatamente quais seriam elas. Em seguida, ele me relatou que teve a impressão de que eu o estaria perseguindo, sendo que foi claramente essa a minha sensação quanto a ele, então precisávamos nos encontrar para que pudéssemos elucidar algumas questões.

Sentamos em poltronas próximos ao cinema, de forma que ali eu já poderia esperar o meu companheiro chegar, e por via das dúvidas, foi mais seguro assim então elegemos rapidamente aquele lugar e conversamos por um curto período de tempo sobre esse evento que nos tinha ocorrido. Até então, eu poderia imaginar que seria invenção de minha cabeça essa série de coincidências, então fiquei bastante surpresa quando ele veio até mim e me contou a versão dele, assim pude saber que esta vivência inusitada foi recíproca.

Não tive muitas informações sobre ele além do nome, do fato de que estava agurdando um amigo para uma partida de xadrez, além de algumas constatações que costumam se perfazer internamente, e o que me chamou a atenção foi que sequer conhecíamos um ao outro neste plano, ao menos não sabíamos que conhecíamos, e como dois estranhos mas nem tanto assim, embarcamos em uma rápida conversa que já nos transportou para o assunto espiritual da sincronicidade, do fluxo de consciência, de energia superior e de um fio invisível que une as pessoas que com alguma razão deveriam se encontrar.

Não posso saber se tudo culminou para os eventos que hoje se sucederam ou se voltarei a encontrá-lo novamente, é um enigma, assim como foi inexplicável este acontecimento. Pode ser que tudo não tenha passado de uma perseguição ou que com o meu magnetismo eu o tenha atraído, e que toda a conversa foi apenas uma tentativa de aproximação… mas eu prefiro pensar que não. Aliás, quando eu cheguei no café, ele já estava lá, e assim que o vi eu tive a imediata impressão de que eu já o conhecia, de forma que até fiquei desconcertada.

Sinto, por fim, que foi uma conversa de força acentuada e quem sabe, inacabada, mas apenas o tempo e as circunstâncias têm respostas para as perguntas que me atravessaram após este encontro. Se tivermos algo de outras ordens e naturezas para resolver, como assuntos que são incompreensíveis até para eu e ele, se não sabemos exatamente as razões do que nos aconteceu, a sina em comum há de nos apresentar nesta existência ainda ou depois dela.

Se voltamos para nosso interior e simultaneamente temos a sagacidade interpessoal dos eventos que nos cercam, talvez pudéssemos compreender melhor e com mais naturalidade esses encontros excepcionais. É preciso ter sensibilidade para tanto, desligar-se do mundo por um instante e notar que é no olhar e no gesto humano que residem a verdade sobre o destino, os vestígios de transcendência e as pistas para o que somos e para o que seremos.


Biografia:
Sobre minha pessoa, pouco sei, mas posso dizer que sou aquela que na vida anda só, que faz da escrita sua amante, que desvenda as veredas mais profundas do deserto que nela existe, que transborda suas paixões do modo mais feroz, que nunca está em lugar algum, mas que jamais deixará de ser um mistério a ser desvendado pelas ventanias. 
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