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A VIAGEM
Celio Dubanko

Entre as mais prazerosas lembranças da minha infância, uma ocupa um lugar especial: eu e meu irmão mais velho viajando juntos no banco traseiro do velho chevette do meu pai! Ali, alternando momentos de homéricas arengas e deliciosas brincadeiras a gente entortava o juízo dos coroas, ora dando-lhes verdadeiras canseiras, ora esgotando o que o pouco que lhes restava da já desgastada paciência.
Pelo menos uma vez a cada duas semanas viajávamos até uma cidade próxima para fazer a feira. Vez em quando íamos ao litoral, sempre nos finais de semana.
        Mas aquela viagem foi diferente, inesquecível! Só eu e meu irmão, viajando sozinhos, em uma aventura ímpar, tão fantástica quanto fantasiosa.
        Chovia a cântaros, o barulho dos trovões ribombando casa afora. Sentados nas poltronas da sala de estar, meus pais conversavam animadamente. Bem ao lado, aboletados no tapete de boas-vindas, estávamos nós, brincando de viajar.          
Alçado pela magia da nossa imaginação pueril à condição de banco dianteiro do chevette, aquele tapete era o nosso passaporte para a liberdade! De repente, tudo em volta havia sumido. Já não havia a sala nem a chuva lá fora.          Tampouco os meus pais com seu cercadinho de cuidados. Se estendendo à nossa frente, o asfalto era um convite irrecusável. Mais velho, meu irmão arvorou-se ao posto de motorista. Ele escolhia o destino e a gente partia, numa aventura sem freios pelas estradas e cidades que formavam nosso pequeno e conhecido mundo.
        - Vambora pá Caruaruuuu!
        - Vamo motolista! Êêêêêêê! – Gritava eu, batendo palmas animadamente!
        - Vruuuum! Vruuuuuuuuuum! Botá gasolina! Vruuuuuuuuuum! Chegooooooou!
        Hora de sair para conhecer a cidade! E assim, com os rostinhos afogueados e nossos pequenos corações acelerados pela agitação, íamos nos teletransportando, cidade por cidade, numa viagem que desafiava até mesmo os infindáveis limites da nossa imaginação. Até que...
        - Vamos pra Reciiiife!
        - Icife? – Hesitei. Aquilo era novo pra mim!
        - É! Recife! Eu fui lá com papai! Eu sei tudo! É bom, visse? Boooora!
        Senti firmeza!
        - Boooola! Icifeeee! êêêêêêêê!
        Viagem extraordinária, arrebatadora! Eu estava lá, junto com meu irmão, caminhando entre os prédios, cruzando as pontes, vendo as vitrines repletas de luzes e brinquedos! Lugares desconhecidos se materializando diante dos meus olhinhos extasiados! Lindo!
        Até o meu irmão me apunhalar pelas costas, ferindo de morte o meu deslumbramento.
        - Vou fazer xixi! – Gritou ele, já se levantando e disparando em direção ao banheiro.
        Banheiro? Que banheiro? O banheiro não estava em Icife! Aquele traidor soltou minha mão e correu me deixando sozinho, morrendo de medo, naquele lugar desconhecido com suas monstruosas avenidas quase sem fim! Cadê ele? Cadê minha mãe?
        O beicinho cresceu rapidamente e as lágrimas vieram acudir meu desencanto. O berreiro ecoou pela sala! E pipocou nos ouvidos do meu pai!
        Assustado, tão próximo de mim que sequer precisou levantar-se da poltrona, ele estendeu os braços e me puxou para o seu colo. Mas a gritaria não parou! Abraços, afagos, beijos, arrumadinhos... e nada! Meu estoque de berros estava apenas começando! Meu pai estava agora ali mas, e daí?          Aqueles monstros estavam também, passando enfileirados pela avenida, rugindo pra mim com seus olhos acesos e soltando fumaça pelo rabo! Socooorro!
        Angustiado, meu pai me abraçava cada vez mais forte, meus gritos tinindo em seus ouvidos.
        - Socorro papai! Leva eu pa casa papai! Leeeva eeeu!
        Meu pai já não sabia o que fazer, minha mãe, já chorando também, me acariciava nervosamente, me beijava, tentava de todas as formas me acalmar. Tudo em vão! O berreiro só aumentava!
        Não sei de onde meu pai tirou a ideia. Talvez o desespero a tenha cochichado em seus ouvidos.
        De repente, sem outra alternativa e prometendo me levar para casa, ele enterrou minha cabeça no seu ombro e começou a trotar feito um maluco pela casa toda fazendo “vruuuuum, vruuuuuuuum” repetidamente até, que depois de um sem fim de aceleradas, curvas e freadas, finalmente parou.
Então, na contramão de toda aquela agonia e com uma calma tirada sabe-se lá de onde, ele murmurou docemente em meus ouvidos:
        - Pronto! Chegamos! A gente já está em casa! Abra os olhos pra ver a mamãe!
        Abri devagarinho, as lágrimas embotando a visão. Pouco a pouco, as imagens do meu quarto foram ganhando forma e nitidez. E o rosto da minha mãe também, com aquele sorriso lindo como um bálsamo para meu desespero, seus braços estendidos me conduzindo para a amorosa proteção do seu colo.
        Me aconcheguei ali e, como nunca antes, me senti inteiramente em casa!
        Instantes depois, viajava outra vez, arrebatado por um sono profundo e reparador.


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