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A PENDÊMICA
CHEILA DA SILVA LAZZARETTI

Por entre a fresta da janela os fachos de luz do sol sobrepunham aquele rosto alvo, erubescido pelo calor. Seus olhos arderam e se fecharam. Apesar de inverno, a temperatura continua elevada. Não era a primeira vez que ela se atrasara, mas agora tanto fazia, seus horários estavam em picos e remotos. Nada mais fora normal desde dezembro (não que tivessem sido desde que chegou em Xangai). Levanta, pega sua caneca de café, a mesma que lhe trouxera quando esteve em Roma. Por mais que suas coisas foram encaixotadas e bem guardadas no sótão, suas memórias enriquecidas de dor e incertezas; tanto quanto seu coração; fazia questão de buscá-la ao decorrer do dia.
Senta no sofá, quase sobre o gato que se confundia com a papelada deixada espalhada no dia anterior, ficou também algumas lágrimas. Porque ainda não acostumara com home office depois de quatro meses dessa pandemia? Checa e-mails, procurando qualquer vestígio de palavras suas, que seja para pagar a conta de energia que permanecia em sua titularidade. Nada. E pensar que esse era o emprego dos sonhos, o casamento dos sonhos. O distanciamento social e moral se cumpriu como falara. Nada, absolutamente nada.
Tantas noites. Toque de recolher, à princípio. Telefone bloqueado. Celular desligado. Luzes acessas percebidas através das persianas ofuscava seu grito silencioso todas as noites que fora escondida até seu prédio. O porteiro não deixava mais ficar ali. Muito menos o governo. Senta mais uma vez na calçada, arranca suas máscaras empática e equilibrada, suspensas de seu cotidiano. Vem a memória sua matriarca, apesar de saudades laços desfeitos após discussão; inúmeras delas; ninguém via como seu amor o via. Agora reconhecia, como tantas outras vezes que lhe havia alertado.
O caos, fora e dentro de casa. TV noticiando mortos, como suas plantas e seus sentimentos apodrecidos da falta de notícias. Na teoria é sempre mais fácil. Esfria o café, o gato muda de lugar, seus pensamentos também. Mais 6 mil mortos hoje. Planilhas, pastas, credores, minutos parecem horas. Doce ilusão “depois que for rica".
Uma prisão domiciliar, sem domínio algum. Não há mais espaço para o belo. Nenhuma frase motiva, não consegue se distinguir. No lugar da dor o amor. Não. No lugar da dor a dor. Acorrentada em seu sofá, em seus infortúnios. Aprisionada aprisiona. Mente borbulhando.
...
Ela é loira. Ele sempre teve queda por loiras. Tentara duas vezes descolorir o cabelo, insucesso. Emagrecer também. Ela é magra, poderia isso ter sido o pivô. UTIS lotadas, inclusive com sua amiga confidente, com quem poderia debater sobre isso. Seus pensamentos lhe testam, aguentará ou enlouquecerá.
No hospital falta de ar, palpitação, tremedeira, tosse seca. Sintomas de corona vírus, testada e negativada, apenas estresse. Apenas. Também pudera, sensação que explodiria como esse mundo. Caótico. Quatro paredes se estreitando, seu lar diminuindo junto com seus cabelos. Olheiras profundas e roupas furadas. A marca da aliança saíra borrando doces memórias. Jaime; o gato; é a única vida ali, nada mais respira, palpita.
Chega enfim o almoço. Tragada pela pequinês.
Todos os dias em sua tela desenha as mesmas indagações, expressões. Quantos sinônimos há para solidão. Assim não cruza com rostos, não levanta a cabeça, quisera um sorriso. Por fim cai a chuva, acalanta um pouco. Sol obriga alegria, hoje alegórica.
Finda a tarde, afirme de tristeza.
E por entre a fresta da janela, home office, checa e-mails, gato muda de posição, 7 mil mortos.
Prometo amar-te e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na doença todos os dias de minha vida.


Biografia:

Este texto é administrado por: Cheila da Silva Lazzaretti
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