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O filme proibido
(Boy erased e a moral de que "tudo é perversão" hoje em dia)
Roberto Queiroz

Que bom seria se o ser humano deixasse seu semelhante em paz com suas convicções políticas, econômicas e religiosas! Infelizmente, às vezes tenho a triste percepção de que a humanidade só existe para desmitificar o mundo e, no final das contas, acaba por se transformar ela mesma numa eterna mitologia sem sentido.

Profundo, não é mesmo? A sétima arte de vez em quando me deixa assim, reflexivo.

Pois bem: esta semana enfim consegui assistir o tão famigerado Boy erased - uma verdade anulada, do ator e diretor Joel Edgerton, que foi boicotado em nossos cinemas por "ofender" a determinados segmentos religiosos que apoiam o atual governo federal vigente. Digo de antemão: uma infeliz decisão, pois o longa reflete - e muito! - uma triste realidade que anda em voga no Brasil e no mundo afora.

Boy erased conta a história do jovem Jared Eamons (Lucas Hedges) que descobre, no auge da adolescência, seu interesse por homens. O problema é que ele é filho de um pastor evangélico de visão não somente conservadora, como por vezes extremista (aliás, um interessante trabalho de interpretação do ator Russell Crowe) e ele acredita piamente que seu filho sofre, isso sim, de uma perversão e ela pode ser curada, eliminada de sua personalidade.

Resultado: ele decide inscrever o filho numa terapia de conversão e é justamente nesse momento que começa o grande martírio do rapaz. Não bastassem os olhares tortos da população e dos colegas de faculdade na rua ele ainda tem de enfrentar o discurso intolerante e repressivo do "orientador" do programa, um homem - diga-se de passagem - sem a menor formação profissional necessária para conduzir tal tratamento..

O filme de Edgerton - que vêm se provando bom diretor, com longas como O presente -, mais do que traçar uma linha tênue entre certo e errado (vi alguns sites de cinema rotulando o filme de maniqueísta e, honestamente, não sei se concordo com esta interpretação!), mostra o quanto pioramos como sociedade.

Vivemos uma era de extremismos, pautada por um discurso religioso ferrenho, que acredita que a solução para todos os problemas da face da terra está exclusivamente na crença em Jesus Cristo, e não nos demos conta do quanto estamos perdendo no quesito diversidade. Ter uma opinião própria, decidir sua própria opção sexual ou mesmo escolher sua própria formação cultural viraram quase motivo de guerra, gerando bunkers ideológicos prontos para serem atacados a qualquer momento por qualquer um que se acredite acima do bem e do mal simplesmente por conhecer os preceitos da Bíblia.

Mesmo o momento-chave, em que pai e filho põem as cartas na mesa e tentam uma prestação de contas entre eles, é ocultado - ou bloqueado - por uma espécie de muro existencial (muito parecido com o muro, esse sim físico, que o presidente Donald Trump quer impôr aos mexicanos de qualquer jeito). É difícil para este pai velha guarda, que tornou suas escolhas no passado uma blindagem para lidar com os problemas da atual sociedade, confusa, perdida, tentando encontrar o seu próprio caminho, entender o próprio filho. Pior: parece tarefa impossível para ele, como cristão, permitir que sua prole faça suas próprias escolhas.

Ao final da película a sensação que fica no espectador - pelo menos, foi a que tive - é a de um gosto amargo, de um livro incompleto, em que você deseja ler o desfecho, mas ele não pode ser escrito, por imposição de pessoas que querem regrar o mundo, recontar a história, excluir os diferentes, evitar o futuro porque ele (visão dos conservadores) denigre o passado glorioso, porém manipulado em seus fatos e acontecimentos.

Fica aqui, da minha parte, um recado para os segmentos religiosos que boicotaram o filme: vocês deram não somente um tiro no próprio pé, como incentivaram uma geração de cinéfilos e curiosos a, isso, sim, correr atrás do filme nos serviços de streaming, google, etc... Digo isso, porque se existe algo de que o brasileiro médio não gosta é de polêmicas e proibições. Fizeram o mesmo com Je vous salue Marie, de Godard e O último tango em Paris, de Bertolucci no passado e eles se tornaram cults.

Ou seja: moral da história - quer ser visto? Basta dizer "não pode", "não acrescentará nada à sua vida".


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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