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A Caminhada
Vinícius Luiz

Faz frio. A temperatura deve estar negativa. Se não fossem as 3 doses de vodca que acabei de beber, esse simples agasalho não iria conseguir me proteger totalmente.
A previsão do tempo me enganou, não disseram nada sobre essa queda brusca.
O grande problema do frio são as extremidades. As mãos não aquecem o suficiente dentro dos bolsos dessa velha calça jeans.
Meus pés congelam, já quase não sinto a ponta dos meus dedos. A meia fina por dentro do coturno apenas incomoda.
São 22:30, não há mais ônibus para casa e nenhum taxi circula após as 22:00, todos com medo da onda de assaltos e violência que domina a cidade. Meu único meio de condução são esses velhos coturnos encharcados, que, com sorte, me conduzirão pelos próximos 2 quilômetros.
Meus lábios estão extremamente trincados e o vento corta as bochechas. Fica difícil manter as pálpebras abertas, tudo está seco. Dois quarteirões já se foram, até agora não vi ninguém na rua. O frio espantou até mesmo os mendigos que devem estar procurando abrigo em algum lugar tampado.
Meu coração está acelerado e a respiração ofegante. A cada passo dado meu fôlego diminui, preciso desacelerar, caso contrário, vou ter que sentar em algum lugar para descansar, e ficar parado nessa hora da noite é um convite para ser assaltado. O frio é um cúmplice criando essa oportunidade perfeita para eles. Claro, caso tenham coragem e suportem esse gelo.
Não possuo nenhum patrimônio comigo, os últimos trocados ficaram naquele bar para pagar a bebida. Isso é ruim. Se algum vagabundo aparecer por aqui e eu não tiver nada pra dar pra ele, pode me custar caro. Pode me custar a vida. Merda, não posso pensar nessas coisas, meu coração já está acelerado o suficiente.
Esse tipo de ideia é igual ao barulho de uma goteira caindo incessantemente no silêncio da noite. Quando você percebe que ela está lá, não consegue pensar em outra coisa, até que aquele maldito barulho te enlouquece.
Para piorar, a cada metro de rua que desço o silêncio vai se tornando mais profundo. A cidade parece um grande cemitério com esse frio.
Começo a ouvir passos e barulhos que provavelmente não estão lá... Provavelmente.
Olho no relógio de pulso e não se passaram sequer 15 minutos de caminhada. Parece que estou há horas andando.
Agora estou ouvindo passos. Meu pescoço já dói por causa das excessivas olhadas por cima do ombro. Não há nada lá, exceto sombras.
Mas e nas sombras, existe algo naquela penumbra? Impossível, nenhum ser humano seria capaz de se esgueirar pelas sombras sem ser notado.
Começo a me lembrar das histórias de espíritos e fantasmas e gotas de suor começam a escorrer em minha nuca.
Mas está tão frio! Minhas articulações já não respondem totalmente. Meus reflexos estão cada vez mais lentos.
Estou perto, devo estar há uns 600 metros de casa, mal posso esperar para chegar em casa e me cobrir com todas as cobertas e mantas que estão disponíveis. Não serão muitas, infelizmente, pois aqui nunca faz frio!
As paredes das casas e os muros da cidade parecem estar cada vez mais opacos. Minhas pupilas não conseguem mais lubrificar meus olhos, foram vencidas pelo vento gelado.
Os passos continuam atrás de mim, cada vez mais fortes. Parecem tambores.
Tum tum, tum tum, tum tum, tum tum.
De onde? Aonde?
Começo a andar de costas na esperança de encontrar a fonte daquela caminhada maldita que me perseguia...
Inferno, não vejo nada. Forço minha visão tentando encontrar alguma pista. Gotas caem em meus olhos e um ardor toma conta.
Gotas? Não são gotas, é o suor escorrendo de minha testa, misturado com o gel do meu cabelo, por isso o motivo de tanto ardor.
Argh... Oh Deus! Não consigo enxergar direito, alguma alma viva me ajude por favor!
Não há ninguém na rua, tudo é escuridão!
Minha visão está turva e meu senso de direção está prejudicado.
Ao fundo vejo um breve lampejo de luz, talvez um comércio aberto.
Vou tateando as paredes tomado pelo desespero, de modo que nem mais quero saber o que reside ali naquela penumbra.
Minha respiração está cada vez mais rarefeita... por que? Parece que estou subindo uma montanha quando na verdade estou descendo a rua!
Os muros já não me suportam mais. Me esborracho no chão e me arrasto em direção à luz pedindo socorro.
De repente, minha visão clareia perfeitamente! Quase como se tudo houvesse voltado ao normal. Vejo pessoas vindo em minha direção em atenção ao meu chamado! Mas espere... as pessoas estão sem camisa, de bermuda, bebendo bebidas geladas, quase um carnaval! Não sentem frio! Não há frio, pelo contrário, há uma onda de calor!
O frio está apenas em mim, o suor agora está gelado, o barulho dos passos que me cercam está cada vez mais alto! Minha respiração está a cada segundo mais dificultosa e todo esforço que faço para encher meus pulmões de ar não é suficiente. E os malditos passos parecem estar dentro de mim!
Não há como suportar aquilo, por favor, faça parar!
E parou. Os passos pararam, o mundo parou. Por um momento tive esperança. Apenas por um segundo.
Uma mão congelante agarrou meu ombro por trás, um sopro gelado invadiu minha espinha e tomou todo meu corpo.
Percebi que os tenebrosos e barulhentos passos que me seguiam estavam dentro de mim. Era meu coração palpitando.
O mundo não havia parado, mas meu coração sim.
O sopro gelado era o aviso de que a morte chegara.


Biografia:
Escrevendo por ai, por aqui, por lá. contato: ldzdireito@live.com
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