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American dream
Roberto Queiroz

Por incrível que pareça: sonhei em inglês.

Não é sacanagem, não. É verdade. E olha que eu vinha reclamando que os meus amigos sonhavam mais do que eu.

Aconteceu na última quinta-feira. Cheguei em casa cansado do trabalho e caí direto na cama, sem banho nem nada. O corpo exaurido de tanto empilhar caixas dentro daquele estoque fedorento e apertado. Mal comecei a roncar, aconteceu.

Eu estava dentro de uma boate (boate não, nightclub. Boate é coisa de pobre) fumando um lucky strike e vestindo um terno risca-de-giz feito sob medida. O garçom se aproxima do balcão do bar e deixa um whisky on the rocks na minha frente. Eu digo "Thank you" e na mesma hora me assusto. Eu não sei falar uma palavra de inglês.

Uma morena estilo femme fatale em seu vestido carmim com um rasgo de cinco centímetros na perna direita pede: "Fire, please". Eu lhe digo sem titubear: "I don't speak english". Mas peraí... Tem algo errado. Eu não consigo falar uma palavra em português. Um simples bom dia. Nada. O que está acontecendo? Ao fundo um trio toca um jazz melancólico e o vocalista, um negão estiloso que canta cheio de falsetes na voz, me faz um sinal de "So what, man?" e eu fico estupefato. Pareço ser um habitué da casa.

De repente sou acordado de meus devaneios por um private eye que exige que eu compareça urgentemente ao 14th Precint para prestar depoimento sobre o assassinato de uma call girl ocorrido ontem entre as duas e as três da tarde em frente a 35th street. "Don't leave the city", ele completa num som gutural que me apavora de tal maneira que começo a transpirar.

Ouço um grito. Um choro. De criança. "A child, here? Where is this bastard father?", penso. Quando começo a gritar no bar sobre o paradeiro do pai da criança ouço um estalo.

E acordo.

Minha mãe me olha meio sem graça. "Tá ficando maluco, garoto? Deu pra falar sozinho agora? E nessa língua esquisita?".

"O que foi que eu disse? O que foi que eu disse?", pergunto insistentemente e ela balança os braços irritada. "E eu que sei? Um língua de gringo. Eu não sabia que você falava outras línguas."

"Nem eu", penso comigo.

Preciso mudar de turno. Esse negócio de trabalhar até de madrugada está acabando comigo.


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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