Aqui ou ali, fala-se de “Tolerância Zero” no combate à criminalidade. A expressão passou a ser usada até com conotações humorísticas para tipificar alguém intransigente. Mas o aumento da violência nas grandes cidades – e seus reflexos nas pequenas – nos leva à discussão e ao debate necessários. Um artigo do promotor de Justiça de Porto Alegre (RS), Daniel Sperb Rubin abordou isso em 2003. É oportuno, neste momento, discutir isto nas pequenas e médias cidades. Entre os anos 1960 e 90, a criminalidade só aumentou nos Estados Unidos. Após 1993, uma teoria chamada Tolerância Zero foi aplicada em Nova Iorque, durante a gestão de Rudolph Giuliani. Deu certo, e outras grandes cidades copiaram, juntamente com outra, a broken windows theory (teoria das janelas quebradas).
Rubin pesquisou o assunto. “O cientista político James Wilson e o psicólogo criminologista George Kelling, ambos americanos, publicaram em 1982, na revista Atlantic Monthly, um estudo em que se estabelecia uma relação de causalidade entre desordem e crime. Naquele estudo, cujo título era The Police and Neiborghood Safety (A Polícia e a Segurança da Comunidade), os autores usaram a imagem de janelas quebradas (**) para explicar como a desordem e a criminalidade poderiam infiltrar-se numa comunidade, causando a sua decadência e a conseqüente queda da qualidade de vida”. As pessoas que viam uma janela quebrada hoje, outra amanhã e mais outra, concluíam que ali não havia lei, respeito ou autoridade e sim o crime e a bagunça.
Outro professor, Wesley Skogan, da Universidade Northwestern de Ciências Políticas, afirmou em 1990 que a relação entre desordem e criminalidade era mais forte do que a relação entre crime e pobreza. “Em 1996, Kelling e Catherine Coles escreveram Fixing Broken Windows – (Consertando as Janelas Quebradas – Restaurando a Ordem e Reduzindo o Crime em Nossas Comunidades). Mostraram a relação entre a criminalidade violenta e a não repressão a delitos e contravenções. “A desordem leva à criminalidade, a tolerância com pequenos delitos e contravenções, leva, inevitavelmente à criminalidade violenta”, observou o promotor Rubin.
Nas grandes cidades americanas, esta relação foi ignorada até 1980. Continua a ser contestada e ainda ignorada em muitos países como o Brasil e em regiões desenvolvidas como a nossa. Todos os cidadãos de bem querem a prevenção do crime e isso tem que ser feito com a presença constante da polícia no seio da comunidade. “E aqui reside outro fundamento da broken windows theory. O policial deve fazer parte da comunidade, entranhar-se na comunidade, e lidar com as condições que criam o crime - desordens de todo o tipo, embriaguez pública, jogos ilegais etc.(*). Assim, ele conhece a comunidade, e é conhecido por ela. Cria-se um vínculo entre a comunidade e a autoridade policial, e este vínculo, permite que ambos juntem forças para evitar o surgimento da desordem e de pequenos delitos que, mais tarde, levarão à criminalidade violenta.
Assim, se algum traficante tenta imiscuir-se naquela comunidade, tanto a comunidade como a polícia podem imediatamente identificá-lo, e unindo forças, expulsá-lo de lá, ou mesmo prendê-lo. Mas para isso é preciso uma comunidade organizada, que preze a manutenção da ordem”. Rubin lembra que nas eleições para a prefeitura de Nova Iorque, em 93, o público reclamava o que fazer contra os "esqueegeemen” jovens que mediante ameaças veladas extorquiam dinheiro de motoristas após terem lavado os pára-brisas dos carros sem autorização. “Tanto David Dinkins (então prefeito) como Rudolph Giuliani (um ex-promotor Federal que viria a ser eleito) prometiam um combate incessante contra a atuação destes grupos, simplesmente porque esta era uma das principais reclamações”. Hoje, a criminalidade caiu para 30% do que era nos anos 90.
* Contravenções penais: provocação de tumulto e conduta inconveniente (art. 40), perturbação do trabalho ou do sossego alheios (art. 42), mendicância ameaçadora (art. 60, par. único, letra "a"), perturbação de tranqüilidade (art. 65), embriaguez (art. 62, apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia), recusa de dados sobre própria identidade ou qualificação (art. 68).
** O próprio ato de quebrar janelas configura o crime de dano (art. 163 do Código Penal). Igualmente a pichação configura o crime de dano e ambiental, ambos potencialmente causadores de desordem e criadores de condições ambientais da criminalidade.
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