Lembro-me como se fosse hoje, estava caminhando numa avenida conhecida da zona leste da cidade. Minha mente fazendo os planos para o dia, traçando o roteiro e me preparando para a rotina de trabalho e voltar para casa.
Entre um pensamento e outro, recebi um telefonema: “Você vai ser pai”.
Naquela época, em que os smartphones, creio eu, estavam em vias de se popularizar, a ficha demorou a cair. Tal qual os telefones analógicos, o processamento daquela notícia demorou alguns minutos.
O resultado foi inesperado, ao menos naquele momento. As lojas de artigos esportivos, futebol, já não eram mais tão importantes assim ou o que havia mudado era o tamanho da chuteira que iria comprar. O tamanho das meias, do calção, da camisa do meu time predileto. Enfim, uniforme completo, com outro manequim.
As lojas de bebês, passaram a ser a referência e ali estavam os novos objetos do meu desejo. Seguindo os padrões sociais, estabelecidos sei lá por quem, pensei no azul.
Um ultrassom após o outro e via o crescimento do maior sonho da minha vida. A sensação indescritível ao ver o pequeno coração batendo muito aceleradamente, como se ansioso por vir ao mundo exterior. Na verdade era o meu.
Nove longos meses e chegou o dia. A espera interminável na sala do hospital, olhando o telão anunciar a sua chegada, como um gol.
Outra vez seguindo os padrões sociais, estabelecidos por sei lá quem, vi que o azul, na verdade era rosa.
Uma menina.
Processando, de novo, como um telefone analógico, pensei em como levá-la ao futebol. Quanta tolice.
Vários momentos desde o seu nascimento, as paradas matinais na padaria, onde os funcionários já conheciam o seu humor, o abraço ao deixá-la na escolinha e ir para o trabalho e a saída do trabalho para buscá-la na escolinha, levá-la para casa, pular e rolar na cama.
Foram várias as tentativas de levá-la ao estádio. Na única, que talvez tenha aceitado por ainda ser muito pequena e ser novidade aquele passeio, ela se impressionou muito mais com o carrinho socorrendo o jogador machucado do que com o jogo.
Percebi que não adiantaria insistir.
Surpreendentemente ela não queria ir aos jogos comigo, no entanto me acompanhou na minha pós-graduação, nas intermináveis reuniões de trabalho para a elaboração do nosso plano de negócios e jamais reclamou ou cobrou uma troca para ir se divertir.
A maturidade dela era maior que a minha, e continua assim.
Hoje na adolescência, vejo-a se transformando numa mulher e ao contrário de outros tempos, ela me leva para passear.
Muito mais ouvinte do que falante, ao contrário do pai, ela passa a sobriedade e calmaria que eu nunca tive. Nos meus anseios de mudanças rápidas, como se fosse possível controlar o incontrolável.
E a sua chegada provocou e continua provocando uma mudança inesperada de planos. Que bom !.
|