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O alvo
Sérgio Manoel Santos da Silva

Resumo:
Trata-se do fato de todos virarmos alvos de um mundo insensível e de pré-julgamentos.

Como alguém poderia se sentir bem matando insetos? Eles são tão perigosos mas ao mesmo tempo dá pena praticar atrocidades contra eles. O pior de tudo é pisar. O pernilongo está ali no chão, inofensivo, aí você vai lá e o amassa bem forte, para que ele não volte mais a causar nenhum risco ao seu corpo e dos outros. Ele faz mal de um jeito que aquilo que ele faz não parece ofensivo. Arrepender-se de matar um inseto é como arrepender-se de empurrar um bêbado de uma ladeira. Tal ato é covarde, torpe. Logo, é como eu me sinto agora - arrogante, sem alma, ao ter matado um inseto. Sim, eu me sinto mal em pisar alguém espiritualmente mais fraco do que eu. Pois, se fosse um vendedor de loja, quando chegasse a hora de fechá-la, fecharia, embora com uma fila enorme. Mesmo com pessoas extremamente amigáveis e merecedoras. Certamente, haveria um ou dois insuportáveis em que, vê-los enraivecidos iria me satisfazer. E depois? Arrependimento. Pessoas idiotas são as que mais fazem-nos refletir sobre o indispensável. Atingem facilmente a genialidade. Incomodam. Acontecem o tempo todo.

Diariamente, tudo que é bom ou ruim costuma ser trazido pelo vento, já que a brisa é tenra, a ponto de trazer somente coisas de ótima apreciação. Pois bem, hoje o tal inseto mostra-se um incômodo alarmante, mais pela sua fraqueza do que pela sua força. Por exemplo, mais cedo, depois de muito tempo, passou um percevejo pela sala, bastante tranquilo, embora imaginando um relativo perigo em volta (sei lá, acho que os insetos pensam). Atraído pela luz, ele veio, passeou, atrapalhou-se e agonizou, devido ter rolado um pouco pelo chão. Quando vi essa cena, não pensei duas vezes: fiz vista grossa. Matá-lo traria para mim um sentimento de grande culpa. Tem a ver com compaixão, em razão de outro dia ter matado um inseto. Às vezes custa caro exercer o nosso dever de covardia.

Até devem estar me culpando agora pelo vírus que está se espalhando por aí, trazido justamente por um inseto, como se eu fosse o único culpado pela contaminação das pessoas.

"Como você deixa insetos vivos, seu trouxa, tem que trucidá-los?", " Vai ficar com peninha, mas vai se ferrar depois, aliás, todo mundo!". Essas são as argumentações mais ouvidas agora, trazidas pelo vento, não pela brisa.

Comecemos de onde se deve. Realmente, estamos sendo vítimas de insetos de alta periculosidade, portanto, não deixar água parada em pneus, outros utensílios ou acumulada por aí é algo infungível. Além disso, é preciso desligar todos os meios de comunicação – rádio, internet, tv, celular e outros – para não deparar-se com um monte de insetos falando coisas do tipo (ouvi um inseto falando em um jornal hoje à noite, então eles falam)” Eu não tenho contas fora do país”, “Eu não sabia disso”, “Eu não menti no meu depoimento”,”Eu não omiti documentos”, etc. Porque são esses os principais transmissores do vírus que está contaminando a população. Há muitos corações frios, arrogantes, totalmente desprovidos de sensibilidade, por todos os lados: nas escolas, nos parques, nas vilas, nas praças, restaurantes, construções... Acomodar-se pareceu ser o único remédio, já que o vírus não tinha mais jeito. O que restou com a chegada do vírus foi um abraço e um olhar fixo casual. Somente. Logo, a brisa havia desistido de passar. O desenhista perdeu o amor pelo desenho. O cantor passa dois segundos sobre o palco e vai embora. O último poeta morreu do vírus. E há uma loja bem extensa, no Centro da cidade, que vende belos sorrisos falsos, de elevada lucratividade, onde até eu vou de vez em quando.

Na verdade, esse vírus é muito mais antigo do que imaginamos. Ele existe desde o 'big bang' ou do "Adão e Eva". O fato é que a destruição promovida pelo vírus foi ocultada para não assustar a população.

Acho que defender-se pela culpa seria, para mim, razoável. Culpar a mim é totalmente injusto, frente a multidões crédulas nas palavras. Palavras lembram mentir, mas, por outro lado, gestos, sentimentos, sentidos, rápidos, esbanjam veracidade. Então, prefiram o que veem em um milésimo de segundo. Desde sempre houve um domínio por parte do rancor, da desumanidade, da frieza. Desde sempre houve um vírus corroendo todos por dentro, em segredo, perceptível através de detalhes. Talvez esse segredo passou a maltratar tanto alguém, que essa pessoa não suportou tamanho encargo, gritando a plenos pulmões.

Eu não sei se daqui para frente continuarei matando insetos, eis a dependência do contexto. Insetos dão pena, ainda que altamente perigosos. O veneno, por si só é mortal. Com o tempo denominaram vírus. Insetos no chão ou em cartazes, não importa, dão pena. O normal é a não-sensibilidade, o normal é o “Que se dane esse inseto sem coração”, exceto os incomodados com tal afirmativa. Não sei se sou um incomodado, se devo me retirar.

Obrigado a matar um inseto você não é. Tampouco somos obrigados a sermos gente boa. Nem ao menos a liberdade é obrigatória. Às vezes dá vontade de furar uma fila para ver as caras dos sujeitos inconvenientes ou de andar pela rua movimentando os braços em tom folgado, para testar específicas paciências. Os idiotas dirão: Você é um inseto, um vírus na sociedade. Ao chegar em casa sempre cai a ficha sobre onde vivemos. Na verdade, vivemos em um mundo dominados por um vírus disseminado por insetos dominadores do mundo. Cada dia que passa o tal vírus vai ganhando força, ganhando força, ganhando força, e qualquer grande ajuda a um indigente, torna-te ainda mais indigente, ainda mais infectado. Infelizmente o vírus do bom senso é o mesmo vírus da estupidez, o que faz de qualquer um o alvo, não restando, outra saída, a não ser cada um escolher: ser dominado por um inseto, ser movido pela prepotência, ou deixar um inseto livre. Quem é o próximo?


Biografia:
Bacharel em Direito. Começou na literatura aos 13 anos, quando fez uma poesia para um Festival da Escola onde estudava. Atualmente, aos 23 se dedica a escrever crônicas

Este texto é administrado por: Sérgio Santos
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