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Procuram-se amoladores XV
Pandora Agabo

— Mãe, eu não quero ir!

— Por que não?

— Porque eu não sou obrigada!

— É sim. Por mim. Vai se vestir, que eu vou te deixar lá.

Às vezes a sensação que eu tenho é que o mundo está conspirando pra me prejudicar. Mesmo quando tenho cautela, parece que as pessoas fazem de tudo pra realizarem exatamente aquilo que eu gostaria de evitar. Estou me referindo à mãe de Lúcia, que ligou aqui pra casa, me chamando pra ir à festa de aniversário de 18 anos da Lúcia... Não sei se nessa sentença ficou claro: ela chamou a mim, não falando comigo, mas falando com a minha mãe! Quando a minha mãe me contou, apesar da surpresa, fui bastante neutra na minha reação e disse que iria pensar, até porque eu acreditei que ela teria bom senso e não insistiria nessa história, mas hoje, que é o dia da festa, ela está querendo me obrigar a ir.

— Mas ela disse que quer muito que você vá.

— Ela quem?

— A Lúcia.

Eu duvido. Provavelmente ela convidou pra fazer jus a essa sua imagem de menina-mais-legal-do-planeta, mas duvido muito que ela queira mesmo que eu vá.

— Anda Bárbara, a festa já vai começar. Se arruma rápido.

— Mãe, eu não quero!

— Vamos fazer assim: você vai a essa festa, promete que vai tentar se divertir, que eu te deixo em paz durante um mês.

Essa era uma proposta interessante, mas eu não podia cair em um truque em potencial.

— Defina "me deixar em paz". - falei desconfiada.

— Não vou te obrigar a nada e nem ficar fazendo perguntas que eu sei que você não gosta.

— Só isso? - essa minha ida ao aniversário da Lúcia não podia sair tão barata assim.

— E... No seu aniversário, prometo não chamar nenhum parente pra vir pra cá.

Cruzei os braços e fiz a minha melhor cara de blasé.

— Você promete?

— Prometo.

Dei-lhe as costas e subi as escadas, já que não ter ninguém lá em casa no dia do meu aniversário parecia ser algo bastante vantajoso.

            ***

Não fiz muito esforço para me arrumar. Só tomei banho, sequei o cabelo, vesti uma calça jeans, uma camiseta e uma blusa de frio de moletom... Não, eu não iria me sentir mal ou desconfortável. Desconfortável eu ficava quando a Lúcia inventava de me arrumar pras festas que íamos, me embonecando de um jeito que eu jamais me embonecaria; nem preciso dizer que eu passava o tempo inteiro me escondendo atrás dela, tentando não ser vista. Não que eu queira ser vista estando de moletom, mas pelo menos assim não preciso me esconder atrás de ninguém.

— Tchau querida. Quando quiser ir embora, só me ligar.

— Não vejo por quê. Já to no carro mesmo, só voltar pra casa.

— Muito engraçada. - minha mãe disse sem paciência, esticando-se para abrir a minha porta e praticamente me expulsando - E faça o que combinamos: tente se divertir.

— Vai ser difícil. - disse antes de sair do carro.

Assim que bati à porta, coloquei as mãos nos bolsos do moletom enquanto caminhei em direção ao portão da casa da Lúcia e retirei uma delas para tocar à campainha.

— Bárbara?! - Lúcia, que aparecera com um vestido quadriculado, maria-chiquinha e uma maquiagem cômica, com as bochechas rosadas e cheias de bolinhas, ficou surpresa por me ver; diferente do que pensei, não era uma surpresa do tipo "quem te convidou?", mas uma "eu não acredito que você veio!".

— Oi. - disse séria - Eu... Eu não sabia que o tema da festa era junina.

— Não tem problema. - disse pegando em minha mão e me puxando para dentro da casa - Muita gente não vai vir caracterizada.

— Eu também não trouxe nenhum presente. Na verdade eu só decidi que ia vir hoje e...

— Relaxa, Barbie.

Meu coração acelerou quando ela me chamou assim. Ela só me chamava com esse apelido pavoroso quando ia dar em merda.

— Fico satisfeita só por você ter vindo.

Com um forró bem típico de festa junina tocando ao fundo, Lúcia me guiou até a mesa onde alguns dos nossos antigos amigos estavam sentados - de "antigos", só meus, no caso - e disse:

— Galera, faça com que a Bárbara se sinta em casa. - e foi andando, pra não perder de vista nenhum dos outros convidados, que eram muitos.

— Que ironia. - Oscar disse assim que a Lúcia saiu - Nós é que estamos te fazendo se sentir em casa. Lembra quando era justamente o contrário?

Ele pensou que tinha feito uma piadinha descontraída, mas ele havia acabado de plantar um clima de tensão entre nós três que estávamos no mesa.

— Como você ta, Bárbara? - Karine perguntou forçando simpatia.

— Bem. - respondi breve e virei a cabeça na direção contrária, fingindo que havia me esquecido de perguntar "e você?".

Eu sei que havia prometido a minha mãe que eu ia tentar me divertir, mas não cheguei nem perto disso. Fiquei calada o tempo inteiro, ouvindo as conversas chatas daqueles meus ex-colegas do 1º ano, que faziam de tudo para tentarem me arrancar alguma risada, mas eu continuava ali, fingindo que não os ouvia ou até mesmo que eu não existia naquela festa.

Só deixei dois rastros pra comprovarem a minha presença naquela festa: o alto índice de comida típica que eu consumi e a cereja no topo do bolo que a Lúcia colocou quando decidiu foder comigo.

— Pessoal! - a mãe da Lúcia, que estava atordoadíssima com a organização da festa, parou o som - A atenção de vocês, por favor, que a Lúcia quer dar uma palavrinha.

Pegando na mão da mãe, Lúcia subiu em um banquinho, para que todos a vissem e a ouvissem melhor.

— Bom, antes de mais nada, gostaria, primeiramente, de agradecer pela presença de vocês... Todos vocês, que sempre são uns fofos comigo. Eu nunca pensei que poderia me sentir tão querida na vida e nem mesmo que poderia voltar a ser feliz algum dia.

Foi generalizado os ruídos emocionados que os convidados fizeram. Eu fiquei apenas observando.

— Eu sei que hoje eu to fazendo 18 anos. Eu sei que eu passei por muita coisa e se eu to aqui, bem como estou, é tudo por causa de vocês.

Ela fez uma pausa para os ruídos esquisitos das pessoas não atrapalharem seu discurso.

— A maioria das garotas, quando fazem 18 anos, querem aquelas festas luxuosas, cheias de bebidas alcoólicas, putaria... - ela fez uma pausa para que as pessoas se encarassem e rissem - Ou então fazem grandes viagens, comemorando essa data tão grandiosa longe das pessoas que realmente importam. Bom, vocês podem olhar em sua volta: não somos tantos assim, somos? - na verdade sim - Mas podem ter certeza que mesmo sendo poucos, vocês são suficientes pra mim nessa data de hoje.

Mais ruídos, só que dessa vez eles vieram acompanhados de palmas.

Duas pessoas, que vinham logo atrás de Lúcia, empurravam um carrinho com um bolo enorme, que logo em cima vinha estampada uma foto dela. As pessoas começaram a ficar inquietas, querendo olhar, mas Lúcia ainda não havia terminado o discurso.

— Só que esse aniversário é diferente e para celebrar isso, peço que dessa vez não cantem o "parabéns". Aliás, cantem, mas não pra mim e sim pra Bárbara, que não esteve comigo no aniversário do ano passado, mas que ta aqui hoje.

De repente, todos os olhares se voltaram pra mim. Eu não estava esperando por aquilo. Não mesmo! E eu poderia, perfeitamente, ter saído correndo portão afora, mas a minha única reação foi encarar Lúcia, que me encarou de volta na mesma proporção. Não tenho a menor ideia do que se passava na cabeça dela, mas sei muito bem o que se passava na minha. "Eu te mato. Eu te mato. Eu te mato. Eu te mato...".

Obedecendo-os como um bando de retardados, eles começaram a cantar "Parabéns" pra mim e o Oscar, a Karine e a recém-chegada Jéssica, começaram a me empurrar e me incentivaram a ir para o lado de Lúcia. Eu resisti e provavelmente acharam que eu estava sendo tímida, até que o Oscar, o sempre força amizade do Oscar, se levantou e me agarrou, me obrigando a ficar do lado da Lúcia, que desceu do banquinho e segurou a minha mão, sorrindo para as pessoas que seguiam cantando e aplaudindo.

As pessoas deviam estar achando tudo aquilo lindo demais. Devem ter achado que eu estava compactuando com aquele teatrinho... E a estrela do espetáculo era Lúcia, que convencia a todos com aqueles olhinhos de vítima. Olhinhos de guerreira. Mas só eu sei o seu segredo.


Este texto é administrado por: Sabrina Queiroz
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