A vida é movimentada pela morte. Desde o começo, até o fim dos tempos. Dos confins do mundo, o antigo cântico de Anúbis flui mundo afora, buscando aqueles que merecem sua piedade. Enviados, fadados a buscar aquilo do que não foram dignos, por todo o sempre, lamentando e lastimando, desperdiçando pensamentos que não ocorreram enquanto estavam do outro lado.
São os andarilhos mais amargurados do mundo, carregando o que tanto almejam consigo, sem poder tê-lo realmente. Um presente, precioso, valioso. Tinham apenas o poder de ceder esta dádiva, como quem dá água ao próximo, mas vive numa eterna sede. Cavaleiros vagando, condenados a tarefa mais piedosa e impiedosa que já existiu.
Dizem que caminham em sombras, em silêncio, e chegam de supetão ao destino marcado. No ato, a inveja escorre por cada orifício possível; transborda, inunda, numa imundície perpétua e fétida. Lágrimas caem, e a noite chega, mas nunca a alvorada. Essa parte do dia é cortada, e nada a substitui, deixando ali o vazio.
Apenas o vazio.
Visitam a todos com mãos estendidas, e concedem a grande bênção de seu mestre. Mas com mãos ferrenhas visitam os que em vida trajam o mesmo caminho solitário e perpétuo percorrido por muitos antes. À esses, a vida continua, até o ponto onde os joelhos se dobram e as rezas caem e ecoam sobre o chão, nunca atendidas.
Este é o momento magistral, onde o chacal vem e toma seus servos, e some em sombras, para fazer a cobiçada travessia pelo sombrio vale, onde o eterno aguarda e a palavra fim não tem qualquer significado. Para Ele, o fim não é mais importante que o quanto se fez – e como se fez – até encontra-lo.
No reino de Anúbis, apenas aqueles dignos da morte merecem a salvação.
E as vezes, isso se resume em viver.
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