Já não sabia mais pelo que esperava. A fila parada, pessoas em volta, pés batendo firmes no chão, dedos apontando para ponteiros ociosos. Agonia.
Esperava. O quê?! Ah, já chegaria sua vez. Papéis na mão. Próximo! Ei, próximo! Chegaria sua vez.
Uma espera que já não era mais uma espera. Entrara num devaneio lento, desde que cruzara a porta giratória. Era um mundo íntimo, seu, só seu. Que brisa leve lhe veio à mente, ao olhar a fila murcha que já dava voltas em torno de si mesma. Terapia na fila. Lá mesmo, sentia tudo de novo e novo.
Na quietude de um rosto morno e sonso, mau se podia ver o que dentro se passava. E o que se passava dentro dela, nem ela mesma sabia. Deve ter sido ali - na fila-, que descobriu que não sabia que sentia, nem mesmo o que sentia. Não sabia o tamanho de si, julgava ter alma pequena. Agia pequenamente, vivia no seu ódio do mundo.
Lembrou do antigo amor - talvez seu único amor: a traíra. Traição cruel. Prometeu nunca mais amar. E não amou mesmo: aprendia a maldade da vida, a perversidade dos homens. Matou o fio de romantismo que havia no peito: "não sou romântica" - repetia em frente ao espelho.
Ria de suas desgraças, da inocência dos homens... Brincava como eles: dizia amar, prometia ligar - não amava, não ligava. Fazia-os acreditar naquelas meias verdades bobas, e talvez não a levassem tanto a sério, e vice-versa. Coitada.
Mas era ainda menina. Menina de alma, com papéis na mão. Esperando sua vez, que demorava. Pensou em maldades, sem dó de ninguém. Olhou para o chão: uma criança esquisita agarrada à mãe. Odiava crianças, e gente grande também. Não fazia questão - e nem sabia como -, de parecer boa. As pessoas, no todo, agradavam-se dela, achavam-na doce. Coitados mesmo. Criava era ódio do mundo. Devaneava vinganças doces no seu íntimo. Olhava os papéis segurando-os preguiçosamente.
Lembrava-se daquele homem a quem amara loucamente, perdidamente, a quem entregou sua pureza de menina boba. Traída. Enganada. Traída. Ali estava com papéis na mão e cara de trouxa. Traída.
Tanto tempo passado e raiva não passara. "Cara de trouxa mesmo eu devo ter" - pensava. Pareço mesmo uma idiota, palhaça! Pensava já na vingança, no sangue... Desgraçado. Suava frio.
Chegou sua vez, soltou os papéis no balcão, jogou o dinheiro. E troco na mão. Saía. Já sabia bem aonde ia. Passos firmes: ia, ia lá mesmo. O chão tremia.
Olhavam-na passar, no seu desfile compenetrante, andava como uma mulher. "Lá vai, lá vai" - diziam. Onde? Matar? E lá ia mesmo. Na casa dele, matar mesmo. Filho da puta!
- Quero o sangue dele espalhado pelo chão. Quero grito de misericórdia, quero que implore - pensava - E eu vou rir! Rir mesmo, filho da puta. Vai morrer desgraçado, morrer... - Tremia de prazer - Achou que fosse ficar barato? Ia não! Não ia mesmo! Você me matou primeiro e matou de morte bem mais doída: matou e me deixou viva, agonizando todo dia. - Chorava por dentro, ria por dentro, sentia raiva e alívio.
Tocou a campanhia. “Abre desgraçado, abre!" Gargalhava! Os olhos sangravam e gargalhava.
Abriu! Pediu licença, entrou. Num passo voou num passo a faca já ia fazendo, cumprindo seu papel, já docemente cortava a carne e arrancava-lhe a alma. A alma do desgraçado. Ria mesmo, ria na cara dele. Na cara ensanguentada dele. Morre, morre mesmo. Morre pra não esquecer nunca mais do que me fez.
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