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Saudosismo da Velha Gamboa
francisco carlos de aguiar neto

Resumo:
II capitulo da Monografia OS TRABALHADORES DO MAR;Labuta ,cultura e memoria na ilha da Gamboa do MORRO Cairu-BA

A Gamboa do Morro é localizada na parte norte da ilha, voltada para o canal de Taperoá, é a localidade mais próxima do Morro de São Paulo cerca de 3 Km separam os 02 distritos. Povoado de pescadores, conta atualmente com um atracadouro onde ficam ancorados as escunas e os barcos pesqueiros da região. Pela praia em direção ao Morro de São Paulo, pode-se ver as 44falésias de arenito erodido da formação de barreiras, situada na direção em que o sol se põe, a Gamboa tem mais horas de sol durante o dia e goza do privilégio de ter cada dia um pôr do sol inédito, sem que seus habitantes precisem sair de suas casas para contemplar tanta beleza para nossos olhos e alma.

     A praia da Gamboa remonta tempos, sem quiosques de comida e bebida, nem vendedores ambulantes, tem uma espécie de argila fresca e terapêutica proveniente das rochas incrustadas na mata, a conhecida “TABATINGA”, sendo considerada fonte natural de rejuvenescimento pelo povo da região.

     Segundo relato extraído do jornal local chamado “ANDADA”, onde cita uma entrevista de D. Marieta Queiroz em 1963 (Maria Hermínia Vasconcelos de Queiroz), que nasceu em 1887 e faleceu em 1968, nos diz:

“Quando não havia ainda tanto progresso na medicina, os médicos mandavam seus doentes para ali no morro se curarem, principalmente os reumáticos e os anêmicos.”

Esse relato nos mostra que já naquela época era disseminada e exaltada as propriedades e riquezas naturais da ilha.

A respeito da grande fartura que ali havia, desde nossa infância ouvimos os mais velhos contarem sobre a fartura e riqueza de peixe que existia naquela região, versão essa, que foi ratificada por D. Neyde Machado em seu depoimento em Abril de 2002.

     “Na minha mocidade era grande a fartura de peixe, na Gamboa. Papa-terra, espada, filó no calão; vermelho, chumberga, ariacó na pescaria de linha, fora os das Camboas48, era sempre assim”.


     Naquela época como até hoje a única maneira de ter acesso a Vila da Gamboa do Morro como as demais ilhas era através de embarcações de pequenos pescadores geralmente à pano saveiros e canoas.

     Segundo relatos, 49era um cenário que impressionava a todos que tivessem um ligeiro momento de atenção para o movimento das águas calmas da Gamboa. Principalmente nos sábados em dias de “feira” como costumam dizer, o fluxo corrente de saveiros a pano somava-se ao ritmo frenético do caís de Valença, cidade que se tornou uma espécie de centro abastecedor das ilhas pertencentes ao município de Cairu, onde chegavam embarcações de várias ilhas como Morro de São Paulo, Galeão, Garapuá e da Gamboa que aqui figura como nosso objeto de estudo.

     As embarcações eram na sua maioria pequenos barcos (saveiros) a pano medindo de 05 a 07 metros ou a remo que transportavam desde mantimentos e passageiros até animais para o interior das ilhas. Essa viagem de barco a mercê dos ventos durava na maioria das vezes, 03 horas de viagem levando em conta as condições boas de tempo, vento e marés. Pois dependia-se do horário da maré e o bom sinal dos vento para fazer qualquer viagem, quer fosse para perto ou para locais afastados.

51“Quem se dedica à pesca e à navegação tem de se preocupar com as marés.”
E. P. Thompson

     Quando chegava-se na ilha, isso por volta do meado da década de 40 os nativos e uns poucos veranistas, chamados de forasteiros desembarcavam em pequenas embarcações como canoas a remo ou à vela até a praia, por não existir ainda ponte de atracação, com isso era inevitável que os viajantes não molhassem os pés na descida da embarcação.

     A Gamboa era um vilarejo de pescadores e de propriedades rurais. As suas edificações localizavam-se atrás do rio que hoje é conhecido como o rio Jacaré, não havendo casas enfrente ao mar devido a forte viração dos ventos vindo do oceano.

     As casas iluminadas pelos clarões dos candeeiros e fifós, momento em que a ilha ficava sobre a proteção da luminosidade da lua, excetuando as noites chamadas por aqui, de’’ noite de escuro’’, que se refere a passagem da lua minguante para lua nova, onde acontece a maré de lançamento bem conhecida pelos pescadores, época não muito propícia para a pescaria.

     Os pescadores moravam em casas de pau a pique, revestida de barro e coberta com bagaço de piaçava, conhecida por casa de taipa, nome esse dado a argila usada para revestir as paredes. As madeiras usadas como ’’ferragem’’, eram em sua maioria, extraída dos manguezais, por resistirem mais a umidades. Geralmente era habitada por grandes famílias, onde aparecia o pai, que era pescador, a esposa, dona de casa ou catadeira de piaçava, outra atividade corrente na região, ou vendedora de latas d’água, e por fim um emaranhado de filhos, que na maioria das vezes era criado para ser pescador, carpinteiro ou trabalhador braçal nas roças de abacaxi e mandioca.

     Durante a edificação de uma destas casas acontecia uma espécie de “festa”, onde consistia no agrupamento de vários amigos que construíam todo o esqueleto da casa, de caibos de madeira onde posteriormente acontecia o pisamento da argila que iria cobrir as paredes do referido imóvel. Tudo isso era regado a muita cachaça e música cantada, sendo pisada a massa em círculos.

     Tal acontecimento trazido para os nossos dias pode ser comparado ao mutirão que é feito quando vão bater uma laje ou faz lembrar a cultura indígena( cauin HANS STADEN) pois no pisotear da argila geralmente eram entoados cantigas.

     O trabalho da construção da casa de taipa era uma festa, onde se dançava, cantava e se bebia. Ao findar da tarde, dependendo do tamanho, a casa estava pronta, esperando somente a secagem das paredes de barro. Outro tipo de edificação muito usada era a que consistia em toda a residência, paredes e telhados, serem de piaçava, onde era grande a proliferação da doença de Chagas devido ao barbeiro, que faz sua morada nas paredes ou telhados de piaçava, que é muito cultivada na região.

     Inexistia o comércio estruturado e organizado como bares, hotéis e restaurantes, era predominante o funcionamento de venda informal do pescado para a cidade de Valença ou transporte de mercadoria direto para Salvador. Pequenos botecos funcionavam como ponto de diversão para esses 54proletários do mar, onde afogavam suas mágoas, conquistas ou fracassos na cachaça comum que era em sua maior parte produzida ali mesmo, em um alambique situado entre o Morro de São Paulo e a ilha da Gamboa.

     Outro aspecto de bastante significação para a ratificação a respeito da alegria dessa gente é que após voltarem do mar, e a apuração do pescado, geralmente era comum ver esses “proletários do mar” em biroscas e quiosques, fazendo suas festas particulares, regado a bebidas quentes, onde aí relatam os perigos e façanhas acontecidas nas viagens e suas esperanças para o futuro, demonstrando assim a já citada “cultura de gueto”.

     Esses proletários do mar principalmente os pescadores de linha, que consiste em passar um ou mais dias em alto mar, viviam mais dentro de suas embarcações que na própria ilha e com a chegada da energia e conseqüentemente o uso de gelo é que prolongaram-se as pescarias de linha para cinco, seis, até mesmo uma semana de duração. Nesse intestício que seus maridos passavam no mar as esposas na maioria delas, dividia o seu tempo com afazeres domésticos, catagem de piaçava retirada de mariscos dos arrecifes e a venda de latas d’água que vinham das fontes naturais de água potável como a bica ou biquinha, a fonte grande a de Nego veio e até a 56fonte do céu.

     Era comum pelos nativos após o banho de mar geralmente à tardinha, com a maré cheia, prea-mar, reunir-se grupos de amigos jovens e até anciãos para se enxaguarem na fonte grande ou como era conhecida fonte dos homens, que se localiza sentido aos campos, caminho para o Morro de São Paulo, bifurcando na subida do bairro do Toque na Gamboa do Morro.
     A dita fonte consiste em uma lagoa de água corrente banhada pelo rio Jacaré, que foi murada e represada, com estreitas bocas de lobo para a passagem d’água, parecendo assim, uma piscina de água doce e escura. Segundo moradores, turistas vindo de Salvador levaram amostras de água desse rio e descobriu-se que é escura, porque é rica em ferro e fósforo. Também é da nascente desse rio que toda a ilha é abastecida.

     A fonte grande, como é chamada até hoje, era local onde os homens e crianças, podiam tomar banho nús, sendo também local de muito bate papo, onde contava-se “histórias de pescador” causos” e outras.

As mulheres também tinham uma fonte, somente delas, ficava localizado no mesmo caminho das dos homens, porém um pouco antes. Lá, além do banho, algumas mulheres usavam para lavar roupas, onde as “lavadeiras de ganho” defendiam seu trocado, porém não era apropriados para esse trabalho. Sendo local de lavagem de roupas, conhecido nos dias de hoje como rio de Cotinha, ficando na rua de trás, ou a lagoa de nego Veio que é uma piscina de água doce e escura cercada por mato por todos os lados, com o chão de areia, com águas límpidas que fazem espelho com o céu.

     Com a invasão turística e o “progresso” chegado na ilha ocorrido na década de 90 aos poucos os nativos foram substituindo essa tradição de banhar-se nas fontes grandes, pelo comodismo de tomar banho em casa com água esquentada no fogão ou no chuveiro, deixando apenas para os turistas tal novidade. Mesmo aqueles nativos que insistiram na tradição da fonte grande às vezes tinham que esperar horas para poderem tomar seu banho, pois o numero de turista que congestionavam a fonte grande, acabava por deixá-los à margem do que antes somente os pertenciam.

     Até mesmo a tradição das fontes separadas de homens e mulheres, terminou com um tempo, ficando a fonte das mulheres abandonadas pelas mesmas, que preferiam, por influencia turística, banhar-se na fonte grande, acabando também a tradição de tomarem banho nús, passando desde então a tomar banho com trajes apropriados (biquínis e sungas), os turistas, e de bermudas os nativos.

     Essa revelação é importante, pois mostra-nos que o que antes era feito por necessidade “O BANHO”, com a nova reinterpretação turística, passou a ser considerado “curtição supérflua”, pois os turistas que ali iam, não tinham a verdadeira intenção de tomar seu banho do dia, para chegar em casa e mudar sua roupa, dando-se por satisfeito, eles iam somente com a curiosidade de conhecer o local; indo como se fosse a um clube com piscina para ao chegar em casa tomar, outro banho para assim sentir-se limpo. Ao contrário dos nativos que tinham tais rios como fonte de higiene pessoal.

     Com a implantação da energia e da água encanada na década de 80 conseqüentemente deixou o nativo mais acomodado no sentido de deslocar-se para locais mais longínquos para tomar banho ou outros afazeres, apesar de com certeza alguns anciãos ou até mesmo jovens, usarem o recurso de esquentar a água no fogão de lenha, para banhar-se nos fundos dos quintais, já há tempos remotos, ficou notório a diminuição da visita de nativos adultos a tais locais, ficando freqüentada (as fontes d’água) mais por jovens, que após tomarem banho de mar, iam em bandos, brincando e gritando para a referida fonte enxaguar-se.


Biografia:
Nascido na ilha da gamboa do morro, distrito da cidade historica de Cairu,graudou-se em Historia pela UNEB, é Graduando em Filosofia pela Faculdade Batista Brasileira-Salvador-BA;pós graduou-se em Psicopedagogia pela FACE,é Mestrando em Educação e Contemporaneidade UNEB; Mestrando em Teologia e Educação Comunitaria pelas Faculdades EsT-São Leopoldo-RS e Bacharelando em Direito pela FAINOR-Vit.Conquista. Professor Universitario e Funcionario Publico Estadual.Atualmente está como Diretor de PóLO DA FACE-Faculdade de Ciencias Educacionais em Jaguaquara-Ba,na Região Sudoeste da Bahia e é Diretor Geral do IESTE-Instituto de Educação Social e Tecnologico.Desenvolve projetos Sociais adotando o esporte como uma forma de Educação "Projeto Respeito Acima de Tudo"-aulas de artes marciais(Karatê) e filosofia Oriental.Teve suas poesias escolhidas no premio literário Valdeck Almeida e publicadada no livro Ontologias Poeticas que fora lançado na 20ª Bienal Internacional do Livro em São Paulo em Agosto de 2008 e publicou o livro "A história da Igreja de Nossa Senhora do Amparo de Valença.Tem poesias publicadas no Livro Ontologia Cidade em 2009.Em 2010 publicou o livro "Vivendo e Lembrando:História, filosofia e Poesias pela editora Ieste" e Escreve para a revista especializada em História com tiragem Nacional "Leituras da História".É membro permanente da AVELA-Academia Valenciana de Letras,Educação e Artes,ocupando a cadeira Imortal do Poeta Satírico Gregório de Matos.
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