Sorrateiramente abri a porta, eterna caminhada até sua cama; passando o filme da minha vida naqueles instantes. Meu coração batia na boca, garganta seca. Uma brisa entrava pela janela. A acompanhante lia um livro, seus óculos quase caindo do nariz, balbuciou um bom dia quando me viu sem nenhuma expressão de espanto, não deveria me conhecer certamente.
Meu rosto em chamas, não consigo não perceber sua mão esguia e magra, esmalte descascado, rebú. O cenário era mais apavorante na minha imaginação; não havia aqueles aparelhos de batimentos cardíacos nem sondas em seu nariz. Apenas uma mulher morena clara, agora bem pálida deitada num colchão plastificado e numa cama aparecendo as ferragens.
Finalmente era ela.
Eu já havia a imaginado de todas as formas. Quando era criança a desenhava na última folha do caderno. Escondia de minha tata, ou se via não dedurou. O engraçado que nunca a desenhei realmente como é, apesar que creio que essa deitada ali não era a verdadeira Claudete. Ali só um ser magérrimo coberto de uma pele extremamente cansada e suplicando a morte.
Ela tosse; eu assusto. Um mix de sentimentos dentro de mim. Ensaiei esse momento 29 anos. Quase 3 décadas esperando por isso. Desejei sua morte, desejei que tivesse enriquecido, desejei sua felicidade, desejei que tivesse ficado cega mas o que mais desejei a sua infertilidade. Mas não, inclusive seis gestações. Corriqueiro em sua realidade e situação.
Retorno de meus pensamentos e fixo meu olhar nela. Tudo o que eu poderia falar seria inútil neste momento. Minha mãe me aconselhou tanto o que dizer, orou antes deu entrar na sala. Sua tosse se intensifica. Finalmente a acompanhante se mexe, muito sem vontade. Levanta, pega um recipiente e fica parada ao seu lado. Não devo ter escolhido boa hora, mas em um hospital quais seriam as melhores horas.
Num ímpeto abre os olhos, seu olhar foi diretamente em mim como flechas. Que desespero. Começa a tossir descontrolavelmente, vomita dentro daquele recipiente. Sua acompanhante a limpa. Não trocamos palavra alguma. Apertei tanto os ferros da cama que minha mão ficou com ferrugem.
Posso escutar ao fundo um som vindo de um rádio ou TV, a cena correndo e eu sem saber o que fazer. A acompanhante aperta a campainha. Na cama ao lado, uma senhora levanta a cabeça para ver o que acontecia mas logo deita e dorme. Poucos minutos aparecem os enfermeiros. Eu conforme entrei estou.
Ela vomita novamente, desta vez secreções, sangue coagulado. Um dos enfermeiros comenta, são pedaços do pulmão. Eu tonteei, eles mais natural possível seguram sua cabeça como que se estivessem ouvindo ópera. A acompanhante fica ali próximo com uma toalhinha na mão. Dispara: -De hoje não passa!
O que eu fui fazer ali, onde eu estava com a cabeça; quis chorar, quis meus pais.
Dou passos lentos para trás , gélida quase inconsciente abro a porta, sensação de dever incompleto. Vejo meu pai, lágrimas rolam, todas possíveis. Meu passado obscuro ficou lá naquela cama com ela.
-Escolha a coroa mais linda. Disse eu a florista. Com pesar, descanse em paz! De sua filha Yana
|