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Manda quem quer, obedece quem tem interesse
(Tungstênio e a hierarquia da violência)
Roberto Queiroz

De vez em quando eu tenho vontade de abandonar o cinema brasileiro de uma vez por todas (tamanha a quantidade de produções idiotas que são realizadas cinematograficamente em nossa pátria). E nessas horas, para minha sorte, aparecem gratas surpresas e grandes longas como Tungstênio, de Heitor Dhalia, e me fazem desistir mais uma vez da ideia...

Tungstênio é adaptado da graphic novel tupiniquim homônima, escrita e desenhada por Marcello Quintanilha (que aqui, nesta versão audiovisual, divide a autoria do roteiro com os romancistas Marçal Aquino e Fernando Bonassi).

A melhor maneira de definir minha reação após pouco menos de 80 minutos de projeção na tela foi: "uma porrada, literalmente". Marcello, Marçal, Fernando e Heitor, juntos, constroem o filme definitivo sobre o momento polarizado e arrogante em que o país se encontra. E tudo é contado de uma maneira seca, sem sarcasmos ou finas ironias. Fotograma a fotograma a violência, o êxtase, o sexo, a vaidade, são carnavalizados de maneira nua e crua, expondo aos olhos dos espectadores uma geografia da catástrofe poucas vezes vista em nosso cinema (pelo menos nos últimos anos).

Richard (Fabrício Boliveira), o policial de moral dúbia, mulherengo; Keila (Samira Carvalho), a esposa frustrada, refém de um casamento falido, cuja última coisa que deseja é voltar para a casa dos pais; Caju (Wesley Guimarães), o malandrão, rei das paradinhas, dono de uma ética toda própria e tendenciosa; Seu Ney (José Dumont, fantástico!), o homem aprisionado ao passado, militar da reserva, que vive pondo na modernidade do século XXI a culpa do caos que se instaurou na sociedade atual... Todos, sem exceções, compõem o que eu gosto de chamar de hierarquia da violência.

Todos, sem exceção, refletem uma personalidade tipicamente brasileira: a daqueles seres humanos que adoram mandar e não obedecer; que colocam sempre nas costas dos outros a culpa pelos problemas da nação (ou, no mínimo, do dia-a-dia). São, em outras palavras, o expoente máximo do nosso eterno - e já cansativo - "jeitinho brasileiro".

O trio de roteiristas apropria-se da velha moral "lei de gerson", de uma população acostumada a passar os outros para trás, levar vantagem em tudo, para construir o filme-síntese desse ano que fecha um ciclo eleitoral (e social) de decepções, arrogâncias e desentedimentos. Digo mais: junto com Era o Hotel Cambridge, de Eliane Caffé, forma as duas faces de uma moeda gasta, oxidada, sem valor financeiro algum.

A escolha do berimbau como instrumento marcador de tensão em momentos chaves da película é acertada. Sempre considerei seu som um tanto depressivo (que me desculpem os capoeiristas, é apenas uma questão de opinião). Fiquei a todo momento em que o toque soava com uma sensação incômoda de que uma tragédia visceral, uma morte, iria acontecer a qualquer momento. E o diretor, de forma inteligente e perspicaz, manipula o público de forma sábia, sem forçar a barra (como certas telenovelas adoram fazer!)

Ao final, já na última cena, a decepção de Caju nada mais é do que a decepção de um povo que não aguenta mais esperar por dias melhores, quando não percebe no presente mudanças significativas. E por isso, por mais lute, tente fazer a diferença a qualquer custo, acaba caindo no conto do vigário ou morrendo na praia.

Não li a hq de Marcello Quintanillha e me arrependo disso. Por Tungstênio o autor venceu o prêmio "Polar SNCF" de melhor história policial no 43º Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême, na França. E eu, como admirador nato da nona arte, não poderia ter deixado passar esta. Mas enfim... Ainda está em tempo. Nem que seja para fazer correlações entre uma versão e outra.

Depois de terminado o filme procuro na internet por uma explicação para o título. E descubro que o elemento químico tungstênio, de símbolo W, só pode ser encontrado na natureza combinado com outros elementos. Talvez esta seja a razão. O que se vê na tela é que o problema do país é um mal combinado, mistura das escolhas infelizes de um povo que se orgulha de seu iletramento e estupidez. Bem sacado.

Nossa sétima arte - repleta de comédias babacas e favela movies cretinas - precisa de mais obras como essa. Com uma certa urgência.


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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