Bastava uma mentira para eu vampirizar os pagadores de impostos numa futura comissão da verdade. O governo militar já acabou faz tempo, mas muitos vivem de pensão vitalícia. Há aqueles que ficaram sem ter lucrado às custas de quem realmente foi perseguido; mas também há quem romantizou uma simples revista policial como “luta pela democracia”.
Mas eu estraguei tudo. Poderia viver me gabando de ter sido um “Cara-pintada”, mas achei que aquela mega manifestação era só mais um dia sem aula. Minha sinceridade, talvez ingenuidade, encorajou-me a escrever uma crônica confessando a minha motivação banal. No entanto, se eu fingisse eternamente um ímpeto patriótico, o espírito revolucionário, o destemor da juventude, a luta pela democracia e a resistência contra o sistema, eu já poderia “esfregar as mãos” esperando um ressarcimento federal.
Mas eu arruinei tudo. Com apenas 17 anos, eu nunca poderia imaginar que um momento efêmero de alegria e embriaguez juvenil acarretaria um futuro menos heroico. Poderia converter aquele simples “Fora Collor” em uma causa edificante, dessas que dão sentido a uma existência. Lindbergh Farias, apesar de ter se transformado num porco, soube capitalizar o “impeachment” como “líder estudantil”.
Os borrões verdes e amarelos na cara foram o uniforme suficiente para eu me infiltrar entre os manifestantes. O Brasil estava numa efervescência política, talvez estimulado por uma série televisiva, querendo reviver os anos rebeldes.
Naquele tempo, os fantasmas dos Anos de Chumbo ainda rondavam o “berço esplêndido”, de modo que ainda “colava” contar histórias dos “porões da ditadura”, turbinando a significação da própria juventude. Atualmente, ainda encontro viúvas de um tempo que não viveram; são geralmente políticos (nascidos depois da redemocratização) que, colocando-se numa condição inexistente de oprimidos, elegem seus opressores.
Mas eu estraguei tudo, poderia exacerbar um contratempo estatal remoto e monetizar meu vitimismo e viver do “coitadismo”.
🔹 “Pensei que fosse ideologia, mas era investimento”
(Millôr Fernandes)
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