Deve ter acontecido à noite, sabe-se lá o que tenha acontecido. Mas o garoto acordou mudo, não falava nada, nadinha. De primeiro achavam que era algum sintoma da adolescência, o que é estranho, se pensarmos que sintoma é coisa de doença. Mas mesmo que ele não respondesse, muitos parentes adultos e sábios e vividos sentaram-se ao seu lado e lhe falaram sobre os desafios inevitáveis, de uma ponte traiçoeira entre ser menino e ser homem. Miguel, por acaso transaste sem camisinha? Miguel, por acaso roubaste? Miguel, por acaso tens problema com drogas? Ai Miguel, que fizeste de errado a ponto de lhe faltarem as palavras?! Passada uma semana de Miguel calado, o levaram ao médico. Tiraram-lhe o sangue, o xixi, o cocô, sua saliva, sua roupa, sua paciência, e, enquanto ele esperava no corredor do hospital para lhe tirarem a sujeira da unha, uma funcionária da limpeza que esfregava o chão aos assovios, perguntou-lhe sorrindo: Que rosto mais triste, menino! Posso te ajudar? E tendo ouvido a graciosa pergunta da moça assobiante, Miguel tossiu e tossiu até sair uma pedra de sua boca. Ele disse: Obrigado, apenas precisava de uma pergunta que se importasse.
|