Nesses olhos de doce fogo derramado,
derreteu-se o gelo da alma dormente,
adormecida no inverno do peito demente
-doentio espectro de arlequim disfarçado.
Sulcada a pintura que a face coloria
no silencioso pranto dois afluentes criados,
nascidos na dor e pela dor congelados,
viviam reclusos em constante agonia.
Outrora a primavera era fiel companheira,
aquecendo os dias de carmim natural,
pincelava o espírito num feliz ritual
e rejeitava a frieza da cor passageira.
Mas um beijo profundo o sorriso apagou,
mergulhado no fluido da inconstante saliva
prisioneiro morreu na podridão da ferida,
relegando de herança os dejetos da dor.
Tenho medo, por isso, desse teu doce fogo,
que já faz germinar o que era deserto,
que me remove a pintura de palhaço imerso
em teatro febril onde o ai era gozo.
Desejando estou mergulhar nessa boca
e enlouquecer desse beijo os circuitos do corpo
desafiando tua língua num duelo tão louco,
que de troféu só a nota de uma voz rouca.
|