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A greve
(um termômetro que expõs o país)
Roberto Queiroz

"Eles cansaram".

A primeira sensação nítida (pelo menos, para mim) do que ocorreu naqueles dez dias foi essa: a de que um classe - no caso, a dos caminhoneiros - cansou. E cansou de tudo, do país de uma forma geral.

Porém, passada a euforia, o disse-me-disse (e em toda greve já ocorrida neste país há sempre um disse-me-disse, vindo de todos os setores da sociedade), as fake news (hoje personagens tão presentes na cultura popular) e o eterno desejo do ser humano em diminuir ou destruir o seu semelhante, a sensação maior que ficou desta última greve dos caminhoneiros foi a de exposição.

O Brasil foi exposto a nu em todas as suas deficiências em míseros dez dias!

Não é de hoje e nem preciso ser nenhum gênio ou profeta para perceber a falência do país nos últimos anos. Não cabe aqui mais um retrospecto sobre o passado ipsi literis (todos já conhecem de cor e salteado a história pré e pós impeachment). Contudo, imagine a situação dos caminhoneiros, na minha opinião uma das classes mais sofreforas deste país.

Guimarães Rosa dizia que "o sertanejo era um bravo". Verdade dita, os caminhoneiros certamente merecem a pecha de versão nacional dessa frase. Não conseguiria viver a vida desses heróis (esses, sim, verdadeiros heróis) que labutam diariamente em estradas esburacadas, sem a menor segurança, e ainda tendo que pagar um combustível altíssimo e taxas alfandegárias mais do que injustas. Isso fora o preço surreal do frete pago a eles (no Brasil, pagamento e esmola se confundem).

Não bastasse tudo isso, ainda por cima o governo inescrupuloso decide aumentar o preço diesel. Pronto. Está começada a guerra. Guerra que tomou as ruas de assalto com apoio de empresários e de várias classes.

Faltou comida na mesa do povo, faltaram hortifrutis nos supermercados e na CEASA, faltou dignidade do povo que vende os produtos. O oportunismo - sempre ele! -, a falta de solidariedade, mostraram as caras de forma brutal. Mas disso a sociedade, claro, não gosta/não quer falar. Teve empresário, coitadinho, chorando suas perdas. Isso enquanto jogava fora seus frangos e leite. Isso num dos países onde mais se passa fome no mundo... Em suma: faltou caráter no Brasil.

Porém, esta última frase do parágrafo anterior é marota, porque falar de caráter num país como o nosso é sempre complicado. Estamos acostumados a nos exibir sempre como os melhores. É daqui que vem expressões como "farinha pouca, meu pirão primeiro" e "na guerra e no amor, vale tudo". Somos controversos por natureza.

E é justamente essa controvérsia o grande legado desta greve. Em dez anos nos vimos reféns de um dos maiores termômetros dos últimos tempos: a incapacidade do atual governo de gerir o país. Precisamos que trabalhadores que quase perdem suas vidas diariamente nas estradas, vítimas da inescrupulosidade de patrões que preferem perder a vida do que diminuir a sua margem de lucros, tomassem as rédeas da situação e revirassem o país do avesso.

Estamos do avesso, meus caros leitores, há quase quatro anos. E não sei explicar bem o porquê, mas... Parece que ainda rolar muita chuva nessa estrada abandonada que virou o Brasil. Já tem gente demonizando o resultado da greve, chamando os grevistas de culpados dessa piora, que os impostos, a passagem, os preços aumentarão. Não deu em nada. "Antes eles fossem trabalhar. Vagabundos!". Brasileiro é assim: sempre tem que culpar, acusar, apontar alguém para não ter que tomar a própria atitude. Que país!

Do que precisamos? De um povo com mais vergonha na cara, que pense menos em si mesmo, em levar vantagem em tudo (15 reais uma dúzia de bananas? Quase dez reais um litro de gasolina?), sem tantos privilégios para uma minoria (que greve é essa que ninguém para e os postos sem combustível estão com filas astronômicas, porque a classe "média" não pode abrir mão de seu veículo pessoal?), que entenda que quando os dirigentes querem, eles fodem com a vida de todo mundo.

Resumindo: precisamos de uma nova nação, de um novo povo. Porque no ritmo que anda o nosso, sei não... O apocalipse parece tão perto!

P.S: Aos caminhoneiros, meu eterno respeito.



Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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