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Jazz em preto e branco
(Coltrane: uma graphic novel)
Roberto Queiroz

Eu sabia muito pouco sobre o sax tenor e jazzista John Coltrane antes de ler Coltrane, graphic novel biográfica escrita e desenhada por Paolo Parisi. E mesmo assim, após terminar as pouco mais de 100 páginas em preto-e-branco, fiquei com uma vontade enorme (quase indestrutível) de ouvir tudo o que pudesse do artista.

Há bastante tempo uma história em quadrinhos não mexia tanto com a minha cabeça e com a minha vontade de saber mais sobre determinado assunto. Sou mais fã de blues, mas sempre que posso dedico um tempo a ouvir álbuns fundamentais do gênero (como Kind of blue, de Miles Davis e A love supreme, de autoria do aqui biografado). E é sempre uma grata e inebriante surpresa ouvir o ritmo, principalmente naquela que é a especialidade dos artistas desse meio: a improvisação.

Pois bem: Coltrane, de Paolo Parisi, me deu a sensação parecida com a de estar lendo uma partitura.

John Coltrane é uma lenda. Digo mais: um tour de force ambulante. Capaz de realizar as maiores peripécias mesmo vivendo uma catarse dolorosa diária. Filho de camponeses que trabalhavam nas lavouras de algodão, descobriu na música muito cedo um sentido para sua vida. Tanto que uma das frases mais sintomáticas de sua carreira ("no início era o som") está presente o tempo inteiro pontuando seus atos. Contudo, foi difícil para Coltrane segurar a onda em muitos momentos. Ele precisou das drogas e do álcool o acompanhando passo a passo. Em alguns momentos, tive a sensação de que ele não teria conseguido realizar tal façanha não estivessem ali os entorpecentes, pairando sobre ele.

A HQ também é narrada como um ensaio sobre a América e as transformações pelas quais passou ao longo das décadas. Entre atos racistas da famigerada Ku Klux Klan e discursos poderosos como o do líder Malcolm X, é possível entender um pouco do período pelo qual os EUA passou e também as polêmicas e escolhas de vida do artista (talvez a maior delas a dificuldade de se ver como uma figura paterna, de criar os próprios filhos).

Dividido em quatro partes, "Acknowledgement", "Resolution" "Pursuance" e "Psalm" (segundo o próprio autor, conforme descrito na nota final, a estrutura foi criada para manter uma semelhança com o álbum A love supreme, que também foi construído em quatro atos), a obra consegue registrar de forma sintética, simples, sem tantos arroubos e coloridos, e um traço quase simplório, a trajetória dolorosa de um gênio que não sõ conviveu com os melhores de sua época como também criou um trabalho solo singular.

Talvez faltem leitores para o trabalho de Parisi - atualmente, parece à primeira vista, que qualquer tentativa de manter contato no mundo dos quadrinhos com algo que destoe de Marvel e DC fica caracterizado como sacrilégio ou esnobismo -, mas mesmo assim recomendo aos leitores corajosos e que gostam de fugir da rotina de super-heróis que procurem a graphic novel.

Em meio a tantas biografias não-autorizadas de baixa qualidade e livros escritos por fãs apaixonados em excesso que em muito desmerecem o trabalho de seus biografados, tamanho o fanatismo com que apresentam seus ídolos (chegando a me fazer pensar em alguns momentos se o artista ali descrito é de fato quem eu estou pensando que é), chega a ser louvável que um quadrinista - um artista da imagem - consiga reproduzir e delinear tão bem a trajetória de um artista ímpar na história da música americana.

De certeza, apenas uma: preciso ir às livrarias e lojas especializadas em busca de mais obras gráficas sobre fenômenos da música. Não imaginava que o nível de pesquisa e produção estivesse tão alto!


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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