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A Cultura da Paz
A procura pela paz
Ismael Monteiro

Resumo:
O texto traça um percurso da indústria da violência e indústria da paz que servem de subsídios para a construção da cultura da paz.

A CULTURA DA PAZ


Não é fácil construir uma cultura da paz diante da atual situação por que passa o mundo e o Brasil. Mas, o que é a Paz? O ex-Secretário-Geral da ONU Kofi Annan por ocasião do lançamento do Ano Internacional da Paz em 2001, define a paz com bastante amplitude: “A verdadeira paz é muito mais do que a ausência de guerra. É um fenômeno que envolve o desenvolvimento econômico e justiça social; supõe a salvaguarda do ambiente global e o decréscimo da corrida armamentista; significa democracia, diversidade e dignidade; respeito pelos direitos humanos e pelo estado de direito; e mais, e muito mais”. Como se observa, a paz é sempre fruto de valores, comportamentos e relações que devem existir previamente. O resultado feliz é então a paz, o bem mais desejado e necessário da humanidade atual. Baseado nestes princípios é que surgiu o interesse por esse assunto que merece a meditação de todos nós: a cultura da paz. Para o desenvolvimento dessa palestra foi feita uma analogia do assunto da paz com o funcionamento de uma indústria. Desse modo, foram definidos duas vértices: A Indústria da Violência e a Indústria da Paz. Certamente, o confronto entre essas duas índústrias, serve como subsídio para que se pense na construção de uma cultura de paz.

A INDÚSTRIA DA VIOLÊNCIA

Toda indústria exige que se trace uma estratégia de crescimento que resulte em maior competitividade e conseqüentemente, maior participação no mercado. Na Indústria da Violência isso não é diferente. Vejamos:
– O final da guerra fria marcou o início de um mundo tenso, complexo e inseguro marcado pela acumulação de armas químicas, biológicas, aparecendo vários estados terroristas modernos.
– A Indústria da Violência deixa claro que vivemos num cenário de uma guerra social sem precedentes na história da humanidade.
– Os dividendos dessa competitividade foram revelados pela cúpula social de Copenhague, que traçou em 1985, um quadro alarmante: “mais de 1 milhão de seres humanos vivem numa pobreza abjeta, passando maior parte deles fome todos os dias. E mais de 120 milhões no desemprego e muito mais no subemprego”.
– O Brasil com seus indicadores de desenvolvimento humano já conhecidos, a sua fome de um quinto da população e seus 40.000 homicídios anuais é mais do que um reflexo do crescimento da Indústria da Violência no mundo contemporâneo.
Em prol do crescimento da Indústria da Violência, estão ocorrendo novas estratégias, permitindo que a mesma possa direcionar seu foco para o crescimento e maior participação no mercado. Essa estratégia contempla o descobrimento de novas oportunidades para o futuro. Industrialmente falando, é preciso descobrir novos nichos de mercado. Em relação à violência, isso não é diferente, pois em instituições que deveriam ser promotoras da paz, há várias contradições, ou seja, estão aparecendo novos nichos de violência em setores da sociedade pouco divulgados pela imprensa. Vejamos:
– A própria Igreja Católica que prega a castidade e a retidão moral, está envolvida em diversos escândalos sexuais. Os padres pedófilos praticam sexos com crianças e adolescentes, desde os cinco anos de idade, o que é abominável. Essa violência se multiplica em todos os quadrantes do mundo. Na Igreja, ninguém mais está conseguindo segurar o dogma do celibatário. A Igreja tenta abafar esses escândalos receitando, entre outras medidas mitigadoras, um medicamento para os padres pedófilos que é a Depo-Provera uma droga inibidora do desejo sexual, constituindo uma violação à dignidade humana, pois castra quimicamente seus sacerdotes.
– Outra face da Indústria da Violência é o descaso por que passa o sistema prisional brasileiro que revela uma triste realidade: os presídios assumiram a condição de depósitos humanos, sem as mínimas condições possíveis de reabilitar os apenados. Com isso, as finalidades da pena de prisão previstas nos diplomas legais não alcançam os seus objetivos. O Brasil tem atualmente um déficit de 200.000 vagas nos presídios, de acordo com o diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Maurício Kuehne, em seu depoimento na CPI do Sistema Carcerário. Ele relata que a prisão se equipara a uma máquina deteriorante do ser humano, pois o apenado além de ser ferido profundamente em sua auto-estima, se vê diante das péssimas condições porque passam todas as prisões, ocasionando: falta de assistência sanitária, alimentação paupérrima, superpopulação, dentre outras.
Porém, a chaminé da Indústria da Violência precisa queimar, a violência continua, é impiedosa, ceifa vidas, avança célere, não respeita valores.
– Foi feita uma pesquisa de campo junto a duas escolas de Curitiba, para analisar a violência. Constatou-se que a falta de respeito é o aspecto mais preocupante entre os valores, e por causa disso, são cometidas várias ações violentas tendo como vítimas não só os professores, mas os alunos e outros funcionários.
– A Indústria da Violência não para de crescer. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência mata mais de 1,6 milhão de pessoas no mundo a cada ano, deixando claro que uma pessoa morre em algum lugar do mundo a cada minuto. Para cada pessoa morta pela violência, entretanto, 40 outras precisam de tratamento para ferimentos graves. Metade das mulheres mortas em crimes violentos são assassinadas pelo marido, ex-marido ou namorado. A violência contra os idosos também é um problema crescente, segundo a OMS.
Esses exemplos são um breve cenário da violência que assola o mundo. Há que se dizer que as novas tecnologias facilitaram muito a propagação da violência. Nem o internauta está seguro, pois pode ser vítima da exploração financeira por quadrilhas especializadas em roubos pela Internet.
Neste sentido, o peregrino efêmero caminha, caminha, quer procurar a paz, mas está com medo. Que fazer, pensa ele? Será que as instituições falharam em seus objetivos de construção da paz? Onde está o erro? Essas reflexões nos remetem a outro mundo, o da Indústria da Paz.


A INDÚSTRIA DA PAZ

No mundo moderno, o pensamento de uma organização como a Indústria da Paz precisa compreender uma relação holística, ou seja, para sobreviver precisa que ser contemporânea do seu tempo. Ela precisa ajustar-se às exigências das mudanças, pois a vida é essencialmente mudança. Esta deve ser a visão da Indústria da Paz, que precisa ter uma acuidade mental muito grande, para que se evite o seu desaparecimento. Na versão holística, a Indústria da Paz precisa resgatar a idéia de entrelaçamento, de interligação de todas as partes do meio ambiente em um sistema que faça frente à violência, incluindo todas as variáveis históricas, políticas, econômicas, socioculturais, dentre outras, para se compreender e administrar adequadamente a relação de se melhorar a sorte da humanidade. Em outras palavras, a Indústria da Paz deve procurar seus caminhos para a construção da cultura da paz. Neste sentido, algumas experiências já em curso devem ser destacadas.
– A experiência da UNESCO em busca da paz, parte do princípio de que a violência ainda persiste, mas com uma nova face. Por isso, essa entidade tem trabalhado em uma variedade de campos de atuação, visando a construção da paz: “O propósito da Organização é contribuir para a paz e a segurança, promovendo cooperação entre as nações por meio da educação, da ciência e da cultura, visando a favorecer o respeito universal à justiça, ao estado de direito e aos direitos humanos e liberdades fundamentais e liberdades fundamentais afirmados aos povos do mundo”. Dentre os vários eventos pela paz, em 20 de novembro de 1997, a Assembléia Geral da ONU, proclamou o ano 2000 de Ano Internacional da Cultura de Paz, sob a coordenação geral da UNESCO. A mesma entidade declarou que o período de 2001 a 2010 seria uma “Década Internacional por uma Cultura de Paz e Não-Violência para as crianças do Mundo.
– Pode-se dizer que o objetivo da UNESCO é atrair um maior número possível de adeptos visando a conscientização e a mobilização da opinião pública em todo o mundo no sentido de lançar e apoiar novas iniciativas e buscar soluções alternativas para a Paz.
– A contribuição de Mahatma Gandhi para a Cultura da Paz é verificada em suas colocações. Ele fala: “A única coisa que as nações do Oriente ensinaram ao mundo, com as letras de fogo, foi que a violência não leva nem a paz nem a felicidade. O cultivo da violência não tornou felizes, nem melhores as nações”. As passagens da obra de Gandhi falam por si e seu pensamento torna-se no mundo atual, um arcabouço de valores e vivências que podem nos iluminar e despertar o amor pelo próximo, chave da Cultura da Paz.
– O projeto “MovPaz” em curso na Bahia, tem como finalidade construir ações que venham a desconstruir a cultura da violência e construir uma cultura de paz. O projeto possui 21 ações pela paz e uma delas é a implantação de Casas da Paz em cada cidade brasileira. Essas casas funcionam como um memorial pacifista. É o local onde os voluntários se reúnem para discutir as ações voltadas à Cultura da Paz. O Movimento procura desatrelar a paz do caráter religioso, mostrando que existe a paz social, ambiental e interior e dentro dessa última é que existe a paz religiosa.
– O Instituto Palas Athena tem contribuído para inspirar os valores da Cultura da Paz no País, especialmente em São Paulo. O Programa Gandhi e a Não-Violência desta instituição visa subsidiar educadores com experiências de resolução de conflitos e o diálogo como instrumento de convivência. Junto a Polícia Militar de São Paulo, a Polícia Civil e integrantes de Conselhos Comunitários de Segurança Pública, desenvolve o Concurso Gandhi e a Não-Violência que consiste na elaboração de redação que relacione não-violência e segurança pública tendo como base o pensamento de Gandhi.
- A UNIPAZ é uma Rede internacional para disseminar a cultura da paz. A essência do trabalho da Unipaz é trazer o global para o local. Desenvolve, assim, várias atividades de cunho nacional e internacional para a ampliação de conhecimentos e troca de experiências, construíndo deste modo, uma nova visão de mundo.
– Leonardo Boff em sua obra “Virtudes para um outro mundo possível”, traça alguns valores que para ele são indispensáveis para uma cultura da Paz, composta de três volumes. O primeiro volume se refere à hospitalidade, que deve ser vista como um direito e dever de todos e cria a base necessária para as demais atitudes que serão objeto de estudo nos próximos dois volumes: a convivência, o respeito, a tolerância, até chegar a “comensalidade” que é a comunhão na mesma mesa. Ele mostrar através dessas reflexões, que para a construção de uma cultura de paz convém que partamos realisticamente da conflitividade de base presente na comunidade de vida e no ser humano, pois só assim, ela será uma paz sustentável.   
– O Professor Dario Vellozo em sua matéria “Nos Hortos da Paz”, (Vol. I), coloca acima de tudo a importância da paz na escola, que para ele é “o caminho eficaz das regenerações”, pois “os decretos, a força, as armas, a revolução, o cárcere, a guilhotina, as violências, sob quais aspectos, assombram, - não persuadem”.

Percebe-se que a Indústria da Paz ainda está dando seus primeiros passos em prol da Construção da Paz. Porém, não se deve esquecer que na sociedade atual, os indivíduos querem exercer a sua cidadania, assumem responsabilidades, opinam sobre decisões que afetam sua vida e pressionam as instituições para alterarem suas estruturas rígidas que tradicionalmente tendem a silenciar os críticos. Baseado nesta premissa é que definiu-se o próximo passo desse discurso que é a Construção da Cultura da Paz.


CONSTRUÇÃO DA CULTURA DA PAZ

Buscar os caminhos para uma prevenção fecunda e pacífica da violência parece ser hoje a única saída para a construção de uma cultura da paz. Leonardo Boff em sua obra “Virtudes para um outro mundo possível” nos aponta vários caminhos para isso. Ele nos diz que devemos sempre estar dispostos à construção sadia das relações pessoais, sem esquecer do diálogo, estar aberto à identificação de pontos em comum, estar disposto à concórdia e até ao perdão... que são atitudes que podem gerar a paz. Boff nos mostra que o caminho da paz pode ser construído quando reforçamos o amor onde há ódio, o perdão onde ocorre a ofensa, a união onde se introduz a discórdia, a fé onde impera a dúvida, a verdade onde grassa o erro, a esperança onde triunfa o desespero, a alegria onde se mostra a tristeza, a luz onde dominam as trevas.
Em seus excertos sobre a paz, Kant postula a desmontagem de todos os aparatos bélicos e a supressão de todos os exércitos, pois enquanto existirem tais meios de violência continuarão as ameaças dos fortes sobre os fracos e as tensões entre os Estados, destruindo as bases de uma paz duradoura. Ele enfatiza que “A cidadania mundial não é uma visão de fantasia, mas uma necessidade imposta pela paz duradoura”. A construção da paz resulta da vigência do direito, da cooperação juridicamente ordenada e institucionalizada entre todos os estados e povos. Boff revela que uma cultura da paz deve basear-se na paz espiritual seu fundamento mais seguro, sua fonte de contínua realimentação e a certeza de que ela constitui uma das fontes que mais podem garantir o futuro.
Outros teóricos mostram que a cultura, a educação e um pensamento voltado para a paz estão de mãos dadas e são peças fundamentais para a construção de um novo padrão de comportamento humano. Este elo é imprescindível para que as novas gerações cresçam com mais responsabilidade, fazendo com que o ser humano possa desfrutar de um mundo mais ameno, numa civilização de respeito e amor ao próximo.


Diante de tudo que foi apresentado, eu acho que neste momento, cada um precisa ver o que pode fazer concretamente pela paz, porque realmente a solidariedade exige isso de cada um de nós. Levando em conta o que diz Roberto Crema Antropólogo e psicólogo, vice - reitor da UNIPAZ - Universidade Holística Internacional, “o contrário da paz não é a guerra, o contrário da paz é a inércia”. Por isso, precisamos nos mobilizar, assim como conseguir mobilizar toda a sociedade e todos os meios também formadores, que são a família, as escolas e tudo o mais nessa magna tarefa que é a construção de uma cultura de paz, que só será possível quando nos conscientizarmos da lição de Dario Vellozzo, que assim dispõe: “Semear a Paz é semear a vida” (Vol. II).


REFERÊNCIAS


BOFF, Leonardo. Virtudes para um mundo possível. Vol. III. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

CENTRO LOYOLA DE FÉ E CULTURA. Cultura da paz e prevenção da violência. São Paulo: Edições Loyola, 2003.

VELLOZO, Dario. Obras I e II. Curitiba, PR: Instituto Neo-Pitagórico, 1969.


Biografia:
Sou pesquisador científico há vários anos e possuo conhecimento sobre diversas áreas.
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