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O poeta ainda está vivo?
(Cazuza 60 anos e a mudança de ares no Brasil)
Roberto Queiroz

Há um tempo não dava as caras no centro da cidade para conferir as exposições e fiquei sabendo pela internet de Cazuza 60 anos, uma série de eventos (incluindo uma exposição fotográfica) que comemora a data que o cantor, líder da banda Barão Vermelho, estaria fazendo se ainda estivesse entre nós. E me deparo com uma grata surpresa (e olha que eu não fui um grande fã do cantor, porque sempre me identifiquei mais com o Renato Russo e o Legião Urbana!).

Para os amantes do rock brazuca e do seu definitivo poeta (como acabou ficando conhecido por muitos) a exposição é um colírio para o os olhos e para o sentimento de nostalgia que, honestamente, acho que é a única coisa que ainda me faz sair de casa e curtir a vida em tempos tão amargos e preconceituosos como os atuais.

Cazuza era polêmico por natureza e isso, sendo você fã ou não do cantor, já era notório em suas músicas e discursos, tendo em vista que ele nunca fugiu da raia quando o assunto era se expôr, falar publicamente sobre o país ou sobre sua sexualidade. Muitos de seus detratores, inclusive, o acusam de acabar da forma como acabou - vítima da AIDS em 7 de julho de 1990 - por conta de sua excessiva exposição e promiscuidade, mas isso é assunto para outra hora porque o resultado final obtido após me deparar com as imagens que vi no Teatro Firjan Sesi foi, além de extrema competência por parte dos idealizadores do projeto, um alívio para qualquer amante da boa música nacional que se preze.

Cazuza era roqueiro, mas não escondia suas referências fora do rock n' roll, como Cartola, Cassandra Rios, Caetano Veloso, bambas da nossa MPB e coisa e tal. Fez parte - tem quem o chame até de líder - de uma geração que buscava a redemocratização e as diretas já, deixando de lado os tempos obscuros do período militar.

Assim como Renato Russo, Roger Moreira (do Ultraje a Rigor), Humberto Gessinger (do Engenheiros do Havaí), Herbert Vianna (do Paralamas do Sucesso) e tantos outros, também era um dos "filhos da revolução", como Renato bem cantara em música antológica da Legião. Entretanto, acabou pagando caro por ser franco, direto demais e por vezes escrachado, algo que desagradava a elite acomodada daquela época (que o diga a maldosa matéria feita pela Veja quando anunciou que tinha o vírus da AIDS!).

Do ponto de vista musical é difícil até mesmo saber por onde começar sua obra, vide os inúmeros sucessos de vendas e audições nas rádios: "Codinome Beija-flor", "O tempo não para", "Blues da piedade", "Exagerado", "Ideologia", "Brasil", "Uma história romântica", a versão de "Vida louca" (de Bernardo Vilhena e Lobão) e tantas mais... Isso fora sua apresentação explosiva junto com o barão no Rock in Rio em 1985 e a gravação, no Canecão, do álbum O tempo não para ao vivo (dirigido por Ney Matogrosso), já debilitado pela doença, mas ainda assim mantendo a força de seus versos e expressão corporal.

Contudo, como nem toda intervenção cultural no país nesses últimos anos se resume a rosas e aplausos, há também problemas e polêmicas. Leio durante a pesquisa para realizar este artigo sobre a exposição, num artigo publicado no G1 do globo.com que a popularidade do cantor é a menor da década, e sua rejeição é ainda maior nos estados do centro-oeste (portanto perto da capital).

Falam de rejeição à seu trabalho tanto em termos de visualizações no you tube como também em direitos autorais arrecadados. E é fácil entender o porquê, levando-se em consideração a onda conservadora que tomou conta do país nos últimos anos (principalmente durante as últimas eleições) e a perseguição que certos grupos e movimentos LGBT vem sofrendo quase diariamente e certos setores da sociedade.

Por que estou comentando isso? Porque teve uma moça enquanto eu assistia a exposição que disse para uma amiga que aquele evento não passava de uma tentativa frustrada de elevar a moral do cantor, que anda em baixa junto a certos segmentos e grupos de interesse do país. Disse mais: que se o povo brasileiro tivesse um pingo de juízo e vergonha na cara boicotaria em massa o evento, colocando o artista no ostracismo que ele merece.

Tal comentário me fez pensar em duas coisas: qual teria sido a escolha presidencial dessa moça outubro passado e por que uma pessoa dessas sai de casa só para falar mal de um evento público? Não teria ela nada melhor para fazer, não? Enfim... Coisas de Brasil polarizado e mal amado.

Divergências e opiniões desagradáveis à parte, adorei a exposição (e se você é fã do artista, vai adorar também). Ela veio acompanhada de shows e homenagens em vários locais da cidade. E me deixaram com a impressão de que, se vivo, Cazuza hoje - caso visse os rumos que o país vem tomando - seria ainda mais escrachado do que naqueles anos 80.

Então... O poeta ainda está vivo? Acredito que sim. E para vocês?


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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