Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
A MÃE NA JANELA
Gilson Borges Corrêa

Resumo:
A imagem de uma mulher forte que deixou como exemplo a sua maneira singular de enfrentar a vida.

A MÃE NA JANELA

Tantas vezes a vi, assim, debruçada sobre a mesa, esticando, alisando com as mãos cuidadosas, alentadas de carinho e cautela, no fazer simples, mas imprescindível do passar o friso, transformar em plano o tecido rugoso, amarfanhado, atirado no cesto de roupas. Tantas vezes, a vi na costura, dobrando as costas no espaldar incômodo da cadeira, puxando sob a agulha, o pano, com a mão diligente, moldando-o de acordo com a linha que se desenhava autoritária, inventando curvas, metamorfoseando o que não tinha forma, transformando em vestuário o que era só projeto.
Tantas vezes a vi, ainda perscrutando entre lentes emprestadas, o grau necessário para puxar o fio, manusear o dedal, criar a imagem em alto relevo, bordando o que era somente um risco imitando flores ou paisagens. Colorindo o que o sol se antecipava em dar-lhe cores e reflexos. Quem sabe os contemplasse, quando prontos e percebesse que sua criação devia muito à natureza, já que os punha sobre a mesa, ao alcance da janela, emoldurada pela luz.
Tantas vezes a vi, ali, sentada na poltrona colorida de pés de palito, paciente e atenciosa, mexendo os dedos ágeis, praticando-os como se dedilhassem ao piano, produzindo contornos com a linha, puxando daqui, enfiando ali, convertendo o que era apenas nós de linhas brancas ou coloridas em guarnições de crochê: verdadeiras malhas de flores, estrelas, arabescos, arranjos, construindo guardanapos, panos de prato, toalhas, centros de mesa.
Tantas vezes a vi cansada, voltando da fábrica, imaginando-se entre panelas e louças, vestindo a casa em ninho acolhedor, projetando caminhos, palmilhando esperanças que só ela via e sentia no coração acautelado.
Muitas vezes a vi sorrindo nas festas familiares, nos natais em família, no sorver o vinho com a alegria de quem comemora e nutre a paixão pelos momentos simples, em que a compreensão se ajusta ao presente, o amor transborda, a convivência enaltece e sensibiliza.
Muitas vezes a vi forte, austera, severa, enérgica, induzindo-nos à força e coragem, que julgava imponderáveis ao enfrentar desafios.
Algumas vezes a vi frágil, doída, sensibilizada. Por vezes, chorava de emoção. Noutras pela perda, pela falta contida, pela amizade fugidia, na despedida.
Muitas vezes, senti seu abraço, seu apoio, sua nobreza, seu carinho e percebi, de soslaio, quieto e feliz, seu orgulho por sermos seus filhos.
Breve para nós, partiu. Mas da mesma forma que nos deixou, perpetuou a lembrança de suas noites na janela a esperar, de sua voz vibrante a sorrir brejeira nas peças que nos pregava, no seu jeito pleno e singular de ensinar pela mágica o mistério da vida, de nos permitir viver assim, no exemplo do trabalho, do cuidado, do carinho, do zelo, da gratidão.
Por certo, estas lembranças nos acompanharão vida à fora, porque estás aqui, tão próxima, que quase te sentimos ao nosso lado, guiando-nos de algum modo que nem percebemos, mas a tua mensagem pousa tranqüila em nossos corações e mentes.
Muitas vezes te vi assim, mãe, porque assim te apresentavas.


Biografia:
Bibliotecário e escritor. Literatura é respirar com sofreguidão a vida, nutrindo-a de sentido.
Número de vezes que este texto foi lido: 61705


Outros títulos do mesmo autor

Crônicas O PIQUENIQUE Gilson Borges Corrêa
Contos O PACIENTE E O PSICANALISTA Gilson Borges Corrêa
Contos MORTE LENTA Gilson Borges Corrêa
Crônicas AS LARANJAS DO VIZINHO Gilson Borges Corrêa
Crônicas A MÃE NA JANELA Gilson Borges Corrêa
Contos CASAL EM NOVO ESTILO Gilson Borges Corrêa
Crônicas O DIA INTERNACIONAL DA MULHER Gilson Borges Corrêa
Artigos OS SKINHEADS Gilson Borges Corrêa
Resenhas O eclipse de Serguei Gilson Borges Corrêa
Crônicas A DOR Gilson Borges Corrêa

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última

Publicações de número 21 até 30 de um total de 57.


escrita@komedi.com.br © 2025
 
  Textos mais lidos
Você acredita em Milagres? - Keiti Matsubara 62544 Visitas
MEDUSA - Lívia Santana 62528 Visitas
A Voz dos Poetas - R. Roldan-Roldan 62513 Visitas
Entrega - Maria Julia pontes 62504 Visitas
RODOVIA RÉGIS BITTENCOURT - BR 116 - Arnaldo Agria Huss 62503 Visitas
Faça alguém feliz - 62501 Visitas
Conta Que Estou Ouvindo - J. Miguel 62495 Visitas
O Velho - Luiz Paulo Santana 62486 Visitas
Parada para Pensar - Nilton Salvador 62475 Visitas
Arnaldo - J. Miguel 62471 Visitas

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última