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Não reguei minhas amizades
Flora Fernweh

Hoje o mundo celebra o dia internacional da amizade. O que seria dos seres humanos se não fôssemos gregários por natureza? Onde estaria a graça da vida caso não tivéssemos amigos com quem compartilhá-la e brindá-la? Muito se fala desse importante laço que nos une desde os primórdios na luta pelo inimigo em comum, assim ainda o é na luta contra as ondas do dia a dia, porque tudo se torna mais leve se temos alguém ao nosso lado que possa rir e chorar conosco.

Por outro lado, o que dizer nesta data sobre aqueles que não se empenharam em criar amizades e são indiferentes a essa relação única e profundamente genuína entre as pessoas? Para ter um amigo, basta uma oportunidade, mas para alguns pode ser difícil estreitar um laço desta magnitude, mais ainda quando se leva a concepção de sujeito amigo tão a sério que ninguém é capaz de suprir essa posição, e assim, o ser se isola do mundo das fraternidades ao identificar que o que busca está para além daquilo que qualquer um pode oferecer em troca, existindo um nítido descontentamento com a mera reciprocidade.

Foram poucas as amizades que semeei e que tratei de cuidar, elas me resultaram bons frutos que duraram deliciosamente por um tempo, mas com a maturidade dos anos, afastei-me por falta de rega. Não é tarefa simples sustentar uma amizade em um meio social de valores invertidos, não é simples levar a afeição adiante se não houver um interesse mútuo e um esforço conjunto em prosseguir com esse vínculo, e não podemos esperar que sejamos os mesmos ou que os outros permanecerão o que foram, parafraseando Heráclito de Éfeso, um homem nunca entra duas vezes no mesmo rio, as águas já são outras e o homem já não é mais o mesmo.

Sempre fui uma pessoa autossuficiente do ponto de vista emocional, e me orgulho disso. A eventual carência trato comigo mesma, e as raras vezes em que porventura sinto falta de amizades podem ser facilmente substituídas pelo coleguismo, vez que não é de minha ordem compartilhar aquilo que há de mais enraizado dentro de mim com os outros ou com quem eu tenha uma branda afinidade. É preciso que haja uma verdadeira conexão de almas, uma preocupação verdadeira com o outro e o dom da escuta na mesma proporção.

Particularmente sou desconfiada de tudo e de todos, e em matéria de amizade, desconfiar é preciso, e muito! É perverso o que podem fazer conosco depois que sorrateiramente nos cativam com más intenções. Cautela nunca é demais, especialmente quando envolve sentimentos, sem contar nas amizades que nos levam para o fundo do poço, sendo preciso saber filtrá-las sob pena de autorizamos que indiretamente nos manipulem e retirem a essência do que há em nós e do que nos resta, especialmente se o espírito tende a ser influenciável.

Realizo-me em grande parte em minha conquistada solitude, porque sei ser feliz com minha própria companhia, sei desfrutar dos meus próprios momentos de reflexão e deles extraio uma felicidade incomparável a qualquer nesga de alegria compartilhada. Altamente individualista e de hermetismo reconhecidamente exacerbado, não abro mão da pureza e de tudo o que sou para me remendar em outras ideias que venham a macular o meu ser ou em outras energias que destoam daquela que emano, sem fugir da excentricidade fatalista.

Não me arrependo das amizades que não fiz, ainda que aquilo que deixamos de fazer é causa maior de arrependimento, enquanto que o arrependimento pelo o que fizemos se esvai com o tempo ou com o cumprimento de uma pena. Não é uma pena que eu seja assim, mas seria penoso se eu fosse empurrada ao mar de gente do qual tento incessantemente me afastar, sou una e completa em todas as minhas imperfeições e lacunas, mas busco em meu todo a verdade que há de me amparar, e uma certeza me cobre: não encontrarei o que busco em meus semelhantes.

Que neste dia da amizade, saibamos reconhecer que nossos melhores amigos nem sempre incorporam a forma humana, as vezes podem estar personificados em obras de arte, ou incorporados na mais melancólica poesia. Podemos encontrar dentro de nós, em nossa consciência e intuição, os nossos melhores amigos para a vida toda, e a quem podemos ouvir sem medo de julgamentos, e que nos aceitam como somos, porque deles não nos dissociamos simplesmente.


Biografia:
Sobre minha pessoa, pouco sei, mas posso dizer que sou aquela que na vida anda só, que faz da escrita sua amante, que desvenda as veredas mais profundas do deserto que nela existe, que transborda suas paixões do modo mais feroz, que nunca está em lugar algum, mas que jamais deixará de ser um mistério a ser desvendado pelas ventanias. 
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