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Ananindeua em seus 77 anos
Uma cidade a se desafiar
Francivaldo Alves Nunes

Resumo:
Neste texto procuramos destacar alguns problemas vivenciados pelos moradores da cidade de Ananindeua, estado do Pará, que em 03 de janeiro de 2021 completa 77 anos de emancipação. A necessidade de combater a desigualdade e valorizar a história do município, marcada pela luta da população local são reveladas, de forma a se constituírem como os desafios para os próximos anos e que devem ser superados pela cidade.

A cidade de Ananindeua localizada na Região Metropolitana de Belém (RMB), Pará, de acordo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2015), tem uma população que ultrapassa meio milhão de habitantes, sendo o segundo maior município do estado do Pará e o terceiro maior da Amazônia em população. Em seu território localiza-se aquela que já foi considerada a maior ocupação urbana da América Latina, o Complexo do Pará, Amapá, Amazonas e Roraima (PAAR) e abrigam milhares de famílias de baixa renda e jovens, que em parte, vivem em situação de risco social e pessoal. Outros bairros populosos como o Icuí-Guajará, Águas Lindas, Curuçambá e Distrito Industrial fazem parte deste grande complexo de ocupações que abriga grande parte da população de baixa renda da cidade e que ao mesmo vive desprovida de serviços públicos básicos.

Entre as décadas de 1980-1990, o município enfrentou acelerado processo de ocupação, tornando uma opção de moradia e trabalho para as camadas populares da capital paraense, Belém, e de outras regiões do estado e do país (FARIAS, 2004). Esse processo acelerado e não planejado de ocupação da cidade, produziu uma paisagem da primeira metade dos anos 1980 e que persiste em alguns espaços da cidade. A exemplo do bairro do 40 Horas, pelo abismo existente entre as péssimas condições de moradia da ampla maioria da população e os que vivem nos condomínios fechados da classe média local, como o Vila Firenze e o Cypress Garden, cujos moradores são em muito autoridades locais. Uma realidade que se observa em vários outros bairros da cidade. O que não dizer, por exemplo, do luxuoso condomínio Lago Azul que é separado pela BR 316 do populoso bairro de Águas Lindas, que demanda urgentemente serviços de saneamento básico, só para citarmos aqui um dos problemas vivenciados pelos moradores.

A implantação do Conjunto Cidade Nova, embora fizesse parte de uma política de ampliação de moradias populares do governo do estado, não deixou de atender as demandas de uma conjuntura do capital imobiliário no Pará que desde a década de 1970, que mapeava vorazmente a RMB e estimulava o aparecimento de conjuntos habitacionais para camadas populares e classe média. O direcionamento para Ananindeua é intenso e se materializava de diversas formas, com a construção de grandes e médios conjuntos até os condomínios fechados e formas de verticalização (FARIAS, 2004). Nos últimos anos, nem mesmo a implantação do Programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal, conseguiu diminuir circunstancialmente os problemas de falta de moradia.

O que estamos dizendo é que, ainda que se observe as áreas condominiais da cidade, Ananindeua é ainda marcada por apresentar péssimas condições de moradia a grande maioria de seus habitantes, o que podes ser observado de forma imediata através da ausência de coleta e tratamento de esgoto, sendo que apenas 26, 89% da população tem acesso à água (Trata Brasil, 2016). Por isso, para essa população pobre que migra para a cidade, restou o acesso à moradia em áreas insalubres ou de forte tendência ao conflito social pela não presença de serviços público que conduziu a uma marginalidade dessas áreas. Embora os anos de trabalho permitiram a este morador o acesso a produtos que lhe proporcionam certa melhoria de vida, este se observa no habito das condições de moradia, não refletindo de forma mais intensa nos serviços públicos como segurança, educação e saúde, por exemplo.

Os desafios e a necessidade de assegurar uma moradia digna, inspirou a solidariedade de interesses, o que promoveu a criação de centros comunitários e associações de moradores em vários bairros da cidade. Os antes invasores instituem, no cotidiano de Ananindeua, uma prática social permanente de lutas/reivindicações, porque se reconhecem excluídos dos direitos de sobrevivência na cidade (Borges, 1992).

A implantação de infraestrutura urbana, que se observou na cidade, ainda que não suficiente, por sua vez, evidencia o atendimento de determinados direitos sociais como resultado de lutas desses moradores, ao mesmo tempo em que, a população toma consciência da responsabilidade governamental em atender convenientemente tais direitos. Em outras palavras, significa dizer que, na medida em que esse atendimento as demandas sociais é precário ou inexistente, afeta diretamente os níveis de subsistência daquela população, o que exige a construção de novas estratégias de luta e de superação de suas carências.

Aqui se pauta os desafios para cidade de Ananindeua, que em seus 77 anos de emancipação, necessita superar seu maior desafio, que é corrigir essas desigualdades, observadas principalmente no âmbito das condições de moradia. Esse processo de ocupações de espaços sem a mínima infraestrutura para sobrevivência, deve sofrer intervenção do poder público, a partir a construção de políticas de valorização das áreas de periferia da cidade, com a implantação de uma rede de serviços públicos. Acompanhada dessas ações, deve-se valorizar a produção social em que essas ocupações e a periferia se instrumentalizam como geradoras de cidadania, materializadas nas organizações sociais de bairro e na lutas pelo direito de morar.

O crescimento econômico da cidade, em que se observa na atuação expressiva da iniciativa privada, responsável pela instalação de equipamentos comerciais de grande porte, educacionais de todos os níveis, além de condomínios de médio e alto padrão que proliferam em Ananindeua de forma vertiginosa, deve chegar a todos os espaços da cidade. Não podemos mais concordar e nem naturalizar as desigualdades presentes entre os bairros, nos bairros e até mesmo no âmbito de uma mesma rua.

Somado a este desafio de promover uma política de combate a desigualdade social, está o de promover a história e a cultura popular no município. Se temos um município em que se forjou um povoamento em função das demandas populares por moradia e trabalho, este guarda uma história de luta e resistência, que em muitos momentos se expressam através de uma cultura popular que precisa ser contada e apreciada.

Constituído de uma experiência de ocupação que remetem a segunda metade do século XIX, e que se acelera nas décadas de 70 e 80 do século XX, como observamos, a cidade é portadora de pontos de memória que remetem a um patrimônio histórico, preservado na memória dos antigos moradores, ou da constituição de construções que remetem a diferentes temporalidades. A conformação urbana dos traçados das ruas, a sua posição em relação às estradas e os rios, a substituição de antigas áreas de florestas, as praças e passeios públicos, as igrejas são alguns espaços que registram a história de constituição de Ananindeua. No caso do patrimônio imaterial registram-se a apropriação oral e simbólica das populações locais, as festas religiosas e não religiosas, as danças e músicas que permeiam o universo cultural da cidade e que precisam ser melhor conhecidas e valorizadas.

Mesmo tratando-se de uma cidade metropolitana, a presença de comunidades ribeirinhas e quilombolas marcam o processo de ocupação do município. Decifrar a existência e a trajetória dessas comunidades, como chegou à região e nos lugares que hoje se encontram, a relação que estabelecem com a floresta e os rios de onde retiram parte de sua sobrevivência, a presença da estrada que marca do desenvolvimento econômico da região, os conflitos como estratégia de permanecer no espaço, as lutas e a histórias das organizações sociais e populares da cidade são algumas questões que devem ser conhecidas e apropriadas pela população do município.

Ananindeua precisa se desafiar construindo estratégias de combate a desigualdade, acompanha de ações que promovam a valorização da identidade local, através da história e da cultura, de forma a revelar o processo de lutas sociais protagonizadas pelas comunidades pobres da cidade.


Biografia:
Doutor em História na UFF, Professor e Historiador na UFPA. Atua nos cursos de graduação e pós-graduação, com experiência na área de história rural e ensino de história.
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Artigos Ananindeua em seus 77 anos Francivaldo Alves Nunes
Ensaios “Somos filhos da luta” Francivaldo Alves Nunes
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