Um mal horrível,
Que não se sabia se alguém tinha inventado
Para punir os seres na Terra,
A pestilência,
Causava o pânico nos animais.
Nem todos morriam,
Mas os que não morriam,
Paralisados, entorpecidos,
Por pavor ou por efeito da moléstia,
Pareciam moribundos...
Em meio a tanta calamidade,
Só os melhores remédios eram
Ansiosamente esperados
Para trazer algum alento.
O Leão convocou a Assembleia Geral e disse:
- Prestantes e amados vassalos,
Todos vós a quem o flagelo da Natureza açoita
Ouvi-me e dai-me o auxílio de vossas luzes!
Este é o melhor momento para ouvirmos
Bons conselhos!
Não é possível que esta Epidemia,
Que vai nos devastando, a cada dia,
Seja incontrolável!
Todo dia morremos aos milhares!
Parece até um castigo
Por algum crime que tenhamos cometido!
Cumpre, pois, pensar em uma forma de aplacar
Este mal que nos aflige!
Para começar, Decreto
a partir de agora a Quarentena,
Que se constitui em isolamento social
E jejum por quatorze dias!
Mas se, este período, não for suficiente,
Ampliaremos por mais quatorze dias
E, assim, sucessivamente...
Entretanto, ocorre-me a ideia de fazermos,
Aqui e agora, uma confissão geral,
Para descobrirmos qual o miserável,
Entre nós, cujo pecado, imperdoável,
Nos trouxe tal castigo!
Imediatamente, sem ressalvas,
O parecer do Rei por todos foi aprovado...
Então o Leão prosseguiu:
- Não quero, nem para mim, perdão injusto!
Se eu for o criminoso, com muita satisfação
Dou a minha própria vida por todos os animais!
Confesso que, às vezes, em hora de fome
Não respeitei, bastante, a vida do Veado,
Da vitela, da Ovelha e nem mesmo a do Pastor.
Se julgais, entre vós, que o que narro
Agora são crimes que dão causa à punição
Que sofremos, dizei-o francamente
E me sacrificarei por todos!
Os Javalis, os Tigres, os Lobos,
Entre tantos outros presentes ali
Na Assembleia, em uníssono aplaudiram o Rei!
E um dos Lobos levantou e bradou:
- Vossa Majestade está zombando de nós?
Onde já se viu, suas ações aqui declinadas
Não demonstram sequer indício
De algum deslize! Que dirá crimes!
Não se caracterizam nem como pecadinhos veniais.
Comeu, às vezes, Veados, Vitelas,
Ovelhas, Pastores, Ora... Ora...
Agindo assim, muita honra lhes fazia!
E dando sequência à confissão geral,
Em nenhuma das ações dos mais ferozes brutos
A Assembleia Geral encontrou algo
Para dizer em contrário!
Não houve narração de nenhum ato cruel
Que todos não justificassem
Extremamente necessário!
Mas, enfim, chega a vez do Burro que diz:
- Senhores, por mais que eu procure
Despertar a minha consciência,
A ver se me lembro de algum crime
Que eu tenha praticado,
Neste momento nenhum me ocorre!
A não ser que, um dia, estando eu com fome
E passando por um Prado, de um Convento,
Vi a erva tenra, orvalhada, apetitosa...
E como ninguém me via e tudo me estimulava
Não resisti à tentação, então apanhei,
Com a boca, um punhado de erva
Que julguei suficiente para saciar
A minha fome...
Malvado! Bradaram todos os Tigres,
Os Javalis, os Lobos e outros, ali,
na Assembleia.
Um dos Tigres gritou em alto e bom som:
- Roubar a erva pertencente a um Convento!
Onde já se viu! Isto é um sacrilégio!
Certamente é por causa deste miserável
Que todos estamos sofrendo tal desventura!
Sem hesitar e sem perder tempo,
Imolaram o Burro sem sequer dar, a Ele,
O direito a última palavra!
MORAL DA ESTÓRIA:
* PARA O PODEROSO,
NÃO IMPORTA QUAL SEJA O CRIME
QUE TENHA COMETIDO,
NUNCA FALTA INDULGÊNCIA,
ENQUANTO PARA O POBRE OU PARA O FRACO,
NEM QUE QUEIRA SER PURO
E SEGUIR TODAS AS REGRAS,
SE, EVENTUALMENTE, SE DESCUIDA
OU COMETE ALGUM DESLIZE,
JAMAIS SERÃO ACEITAS AS SUAS DESCULPAS.
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